Páginas

domingo, 6 de setembro de 2015

Notícia - As formigas agricultoras

Se pensa que o Homem descobriu a agricultura, está enganado! Há mais de 50 milhões de anos que pequenas formigas desenvolvem culturas de fungos, como forma de garantir alimento, numa relação de contornos verdadeiramente impressionantes.

A descoberta da agricultura pelo homem terá acontecido há mais de 10 000 anos. Ao permitir o controlo das fontes de alimento, a agricultura lançou as bases para o desenvolvimento das civilizações. Mas apesar desta descoberta ter sido um triunfo incontestável, na realidade o homem não foi o primeiro ser a pôr em prática técnicas agrícolas.

Há cerca de 50 milhões de anos atrás, não muito depois do desaparecimento dos dinossauros, e muito antes do homem se ter diferenciado dos chimpanzés, algures na bacia do Amazonas, um grupo de humildes formigas descobriu uma forma de assegurar alimento – tornaram-se agricultoras, cultivando fungos no interior dos formigueiros para a sua alimentação. Esta alteração do modo de vida terá ocorrido apenas num grupo restrito de formigas, já que a maioria das actuais 10 000 espécies mantém os seus hábitos de predador. Contudo, a razão porque tal terá acontecido permanece indeterminada. É provável que a competição ou alguma alteração no ambiente tenha “empurrado” este grupo de formigas para uma modificação drástica dos seus hábitos, alteração essa que terá sido vantajosa, pois só assim se explica que actualmente existam cerca de 200 espécies agricultoras. Todas estas espécies pertencem à tribo Attini, e distribuem-se fundamentalmente pelas florestas tropicais da América Central e do Sul. Nesta categoria encontram-se géneros considerados “inferiores” ou mais primitivos e géneros “superiores”, dos quais fazem parte os géneros Atta e Acromyrmex, que correspondem às conhecidas “formigas cortadeiras”, extremamente especializadas.

Mas esta relação está longe de ser uma exploração; pelo contrário, ambos os intervenientes souberam tirar dela o melhor proveito. Na ausência de enzimas que possibilitam a degradação da matéria vegetal e de insectos mortos, estas formigas obtêm os nutrientes de que necessitam através dos fungos. Em contrapartida, eles ganham um local no solo onde se podem desenvolver, protegidos pelas formigas de predadores e parasitas, e conseguem obter mais material da área circundante do que se estivessem por sua conta, material esse que já vem preparado pelas enzimas produzidas pelos insectos. Os fungos utilizam esta biomassa preparada para crescerem e acumulam tantos nutrientes que as extremidades das suas hifas incham com açúcares e proteínas, que depois os insectos podem “morder”. Para além disso, na preparação do substrato para as suas culturas, as formigas conseguem atenuar os efeitos dos fungicidas presentes nas plantas e desenvolveram a capacidade de escolher as folhas com menor conteúdo destes compostos. Esta aptidão é retribuída pelos fungos, já que eles conseguem degradar as substâncias insecticidas presentes no alimento trazido pelas formigas. A horta de fungos é, assim, uma forma eficiente de transformar material indigestível em alimento utilizável pela colónia de formigas.

Contudo, esta relação simbiótica assume contornos distintos, dependendo do tipo de “agricultores” envolvidos, nomeadamente do tipo de material que recolhem como substrato para o crescimento dos seus fungos. Assim, as formigas consideradas “inferiores” constituem colónias relativamente pequenas e colhem uma grande variedade de alimentos que colocam à disposição dos seus fungos, esperando que estes os degradem, desde ervas, folhas caídas, excrementos de insectos e mesmo os seus cadáveres. Contrariamente, as formigas “superiores” tendem a usar apenas material vegetal e as “cortadeiras” utilizam apenas material retirado de plantas vivas.

Estas últimas possuem uma complexidade social espantosa. Os seus formigueiros são enormes estruturas elaboradas, com centenas de câmaras de diferentes tamanhos, por vezes a mais de três metros de profundidade, onde chegam a existir mais de 8 milhões de trabalhadoras, frequentemente pertencentes a diferentes castas, especializadas em tarefas distintas. À superfície, a área envolvente do formigueiro é mantida escrupulosamente limpa pelas trabalhadoras. As colectoras de material vegetal, detentoras de uma força surpreendente, cortam as folhas e carregam-nas até ao formigueiro. Enquanto cortam, elas bebem a seiva que se liberta das margens cortadas, o que constitui uma importante fonte de energia para estes indivíduos. Já no formigueiro, pela acção de diferentes tipos formigas, as folhas são cortadas em fracções cada vez mais pequenas, mastigadas e encharcadas com enzimas, transformando-se numa pasta mole, que é posteriormente espalhada sobre o substrato dos fungos. Existem, ainda, as formigas colectoras de detritos, que os recolhem e transportam até câmaras específicas, situadas a grandes profundidades.

Os efeitos das “formigas cortadeiras” são, por vezes, devastadores. Uma manada de elefantes dificilmente pode causar tanto distúrbio como a passagem das trabalhadoras formigas, que procuram matéria verde para alimentarem as suas hortas, desfolhando em pouco tempo qualquer planta que apareça no seu caminho. Por isso são responsáveis por enormes prejuízos na agricultura, nos países em que atingem grandes densidades. Contudo, para responder a estes ataques das formigas, as plantas desenvolveram um arsenal de substâncias que incorporaram nas suas folhas, incluindo insecticidas e fungicidas que, ao aniquilarem os fungos, afectam indirectamente os insectos. Como resposta, as formigas adquiriram, ao longo da evolução, a capacidade de detectar muitos destes compostos, evitando utilizar folhas de plantas que os produzam. É por este motivo que as plantas nativas não são tão molestadas quanto as introduzidas, que não tiveram tempo de desenvolver defesas. Por isso estas formigas tendem a evitar as florestas húmidas virgens e a preferir zonas já perturbadas.

Apesar do seu impacto devastador, verificou-se que as formigas, ao tratarem cuidadosamente das suas culturas de fungos, desempenham funções ecológicas muito importantes. Elas estimulam o crescimento de novas plantas, promovem a degradação do material vegetal e o enriquecimento e arejamento do solo. Embora possam espalhar a devastação à superfície, elas criam um verdadeiro Éden para os fungos, em autênticos jardins subterrâneos.

Mas a complexidade da simbiose entre as formigas agricultoras e os seus fungos, adquirida durante uma extensa história evolutiva, é bem maior do que inicialmente se pensou. Muito antes dos humanos, as formigas começaram a tomar medidas para optimizarem as condições de crescimento das suas culturas. Por exemplo, os investigadores descobriram que certas áreas da cutícula das formigas se encontram revestidas por uma substância de aspecto poeirento, que estudos micromorfológicos e bioquímicos revelaram ser massas filamentosas de bactérias do grupo dos Actinomicetes, especialmente do género Streptomyces, produtoras de metabolitos secundários, muitos dos quais com propriedades antibacterianas e antifúngicas específicas. À luz das propriedades bioquímicas únicas deste grupo, foi proposto que as bactérias associadas às formigas seriam responsáveis pela supressão do desenvolvimento de agentes patogénicos potencialmente devastadores, nomeadamente outras espécies de fungos, parasitas, que invadem as plantações das formigas. Assim, a utilização de antibióticos tem sido uma constante desde que as formigas iniciaram as suas “actividades agrícolas”

Porém, as descobertas não se ficam por aqui. Também elas foram pioneiras na utilização de técnicas de fertilização, já que realizam adubações à base de folhas misturadas com excrementos, de forma a maximizar o crescimento das culturas. Para além disso, as formigas realizam autênticas mondas quando fungos indesejáveis aparecem, eliminando-os com as suas mandíbulas.

Os cientistas conhecem há mais de um século estas formigas que cultivam massas de fungos para alimento, mas enquanto as formigas foram estudadas, o mesmo não aconteceu com os fungos. Por não desenvolverem corpos frutíferos (estruturas da reprodução sexuada) nos formigueiros, foi difícil fazer a classificação taxonómica dos fungos e determinar se poderiam viver no exterior, na ausência da relação simbiótica. No entanto, uma equipa de cientistas conseguiu analisar o ADN de mais de 500 tipos de fungos encontrados em formigueiros, tornando possível relacionar os fungos cultivados pelas formigas e alguns dos cogumelos que apareciam nas redondezas. Os cientistas descobriram que a maioria dos fungos pertence à família Lepiotaceae, escolha que não terá sido arbitrária, já que estes são especializados na decomposição de detritos vegetais.

A partir do momento em que os fungos iniciaram a relação simbiótica deixaram de se reproduzir sexuadamente e acabaram por depender das formigas para a sua dispersão. Reproduzem-se de forma vegetativa, através de rebentos, que não são mais do que “clones” do fungo original. Pelo facto de se ter observado que as novas rainhas destes formigueiros, ao saírem para acasalar e formar novas colónias, transportam fungos nas suas peças bucais, durante muito tempo pensou-se que esta seria a forma de todas as hortas começarem, o que significaria a existência de linhagens de fungos com milhares de anos. No entanto, investigações genéticas demonstraram que, apesar das formigas de uma mesma colónia só cultivarem um tipo de fungo, outras colónias da mesma espécie utilizam outros tipos de fungos, o que implica que, de vez em quando, as formigas saiam dos formigueiros para obter fungos livres na natureza, de forma a refrescarem os seus stocks e, provavelmente, obterem uma maior variedade alimentar. Por outro lado, algumas colónias de diferentes espécies cultivam exactamente os mesmos tipos de fungos. Por tudo isto considera-se, actualmente, que as formigas agricultoras “domesticaram” fungos várias vezes ao longo da sua evolução.

Em situações de desespero, resultantes de factores ambientais (como uma inundação) ou do ataque de doenças ou parasitas que “limpam” estas hortas, as formigas podem tornar-se mais beligerantes, pois estes condicionalismos têm efeitos devastadores, podendo condenar à indigência toda a colónia. Nas situações de crise as formigas ou morrem ou têm de procurar novos fungos para cultivarem. Esta procura pode ser feita na natureza ou mesmo no formigueiro das suas vizinhas. Já foram observadas operações organizadas de “furto”, em que as formigas de uma colónia tomam de assalto outro formigueiro para obterem fungos, forçando-o a sair, e chegando mesmo a fazer “prisioneiros”, que põem a trabalhar.

Os cientistas sempre se impressionaram com a harmonia da relação existente entre as formigas e os seus parceiros, mas apenas agora estão a desvendar as nuances que esta história evolutiva e de simbiose tem por trás. Eles estão a aplicar ferramentas moleculares para reconstruir a história genealógica da simbiose, determinando a sua origem e como terá progredido ao longo dos milhões de anos da sua existência. Esta interdependência assume um carácter tão forte que virtualmente controla o ecossistema de muitas regiões neotropicais. Existem cientistas que consideram esta relação como um dos maiores passos da evolução animal, colocando-a a par da conquista do meio terrestre. Mas estas descobertas são importantes ainda noutro sentido. O facto desta simbiose ter despertado tanto interesse constitui um motivo para que os fungos sejam estudados. Este tem sido um grupo bastante desprezado, apesar do seu papel crucial no funcionamento de todos os ecossistemas.

O mais antigo agricultor da Terra tem seis patas e pode ser capaz de nos dar algumas ideias de como praticar agricultura sem causar danos ambientais, pois é isto que tem feito durante muitos milhões de anos. As formigas poderão fornecer-nos algumas pistas sobre a forma de manter as mesmas técnicas agrícolas por tão longo tempo. Por exemplo, uma das lições que podemos reter prende-se com a necessidade de manutenção das diferentes variedades de plantas de cultivo em meio natural. Da mesma forma que as formigas saem para trazer novos fungos se uma doença devastar as suas culturas, os agricultores também deveriam poder ir buscar à natureza as plantas originais após o ataque de doenças. Por tudo isto, o que quer que nós tenhamos aperfeiçoado, em termos de práticas agrícolas, terá sido inquestionavelmente melhor realizado pelas formigas agricultoras, ao longo de 50 milhões de anos.

Maria Carlos Reis

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Notícia - A Vida Secreta e Surpreendentemente Fascinante dos Anfíbios

Muitas vezes esquecidos, os anfíbios possuem das mais espantosas e interessantes adaptações do reino animal, tornando a realidade frequentemente bem mais surpreendente do que a ficção que poderíamos criar sobre eles.

Os anfíbios, tal como os répteis, foram sempre vistos como formas de vida inferiores e desinteressantes, por muito tempo incapazes de entusiasmar até as maiores personalidades da comunidade científica. Felizmente a Ciência moderna trouxe à luz a verdadeira essência destes animais excepcionais, dando a conhecer alguns dos seus comportamentos e capacidades extraordinariamente complexas, bizarras e até enternecedoras.

Os primeiros colonizadores
A classe Amphibia é uma classe de vertebrados incrivelmente diversa que existe há mais de 230 milhões de anos, composta pelos descendentes directos dos primeiros vertebrados a conquistar o meio terrestre. Os anfíbios dividem-se em três ordens: Anura (anfíbios sem cauda, como as rãs e os sapos), Caudata (anfíbios com cauda, como as salamandras e os tritões) e Gymnophiona (anfíbios ápodes, como as cecílias e que não ocorrem em Portugal).

Apesar de não serem capazes de produzir calor corporal e de possuírem ciclos de vida complexos, os anfíbios conseguiram conquistar o meio terrestre, colonizando todos os continentes à excepção da Antárctida. Uma vez que não despendem energia a manter a temperatura corporal, têm menores necessidades alimentares, o que lhes permite sobreviver em habitats muito pobres e passar por grandes períodos de inactividade.

A rã-dos-bosques (Rana sylvatica) consegue sobreviver aos Invernos do Canadá e Alasca enterrando-se na manta morta e deixando congelar até 65% da água do seu corpo. O sucesso desta estratégia deve-se à produção de glucose que actua como anti-congelante nas suas células e não permite a formação de cristais que danificariam os tecidos. Na Primavera, quando as temperaturas começam a subir, as rãs-dos-bosques saem da hibernação - descongelam - e reproduzem-se. Já os sapos do género Cyclorana habitam algumas das regiões mais áridas do continente Australiano, enterrando-se em esconderijos por si criados, onde podem permanecer inactivos durante anos. Têm a capacidade de armazenar grandes quantidades de água na bexiga e de produzir um “casulo” que reduz as perdas de água. Emergem do subsolo apenas quando há chuvadas intensas para se alimentarem e, claro, rapidamente se reproduzirem. Graças à capacidade de armazenar água em pleno deserto Australiano, estas espécies sempre foram muito utilizadas pelos Aborígenes.

A sedução a sangue frio
Quando as condições ambientais se tornam mais favoráveis, muitos anfíbios começam a despertar dos períodos de inactividade, emergindo dos seus esconderijos terrestres ou aquáticos para se reproduzirem.

O início da época de reprodução dos anuros (rãs, relas, sapos) é imediatamente denunciada pelos coros que se iniciam ao fim da tarde e se prolongam noite dentro. Estas autênticas serenatas, audíveis até 1 km de distância, são produzidas pelos machos para tentar atrair as fêmeas, que elegem o futuro pai da sua descendência apenas com base no seu canto. Há, no entanto, espécies de anuros que não valorizam tanto o romantismo, caso do macho de uma rã nativa da Papua-Nova Guiné (Liophryne schlaginhaufeni) que segrega e excreta uma hormona sobre a fêmea, pondo-a inconsciente para depois proceder à cópula.

A corte dos urodelos (tritões, salamandras) não passa pela produção de vocalizações atractivas, mas pela segregação e transmissão de feromonas por parte do macho. A corte do tritão-de-ventre-laranja (Triturus boscai) é particularmente complexa. Em meio aquático, o macho coloca-se diante da fêmea, dobra a cauda para a frente de modo a ficar paralela ao corpo, realizando com ela movimentos ondulatórios regulares que se destinam a transmitir partículas odoríferas à fêmea. No caso da fêmea não se sentir atraída, o macho pode realizar novos movimentos, entre os quais se destaca o “flamenco”, alçando a cauda e oscilando a sua ponta de um lado para o outro.

Não existe entre os vertebrados classe com maior variedade de estratégias reprodutivas e formas de cuidados parentais do que a classe Amphibia. Apesar de muitos anfíbios não exibirem qualquer cuidado parental, limitando-se a colocar as posturas em meios aquáticos, há espécies que dedicam muita da sua energia a cuidar da descendência de formas por vezes inacreditáveis.

A face terna dos anfíbios
A evolução dos cuidados parentais representa uma enorme mudança na história natural dos animais, promovendo a sobrevivência da descendência perante condições ambientais adversas.

A maioria dos anfíbios é ovípara, depositando os ovos em meio terrestre ou aquático onde as larvas se desenvolvem autonomamente. No entanto, existem espécies vivíparas capazes de alimentar os seus fetos com uma mucoproteína (leite uterino) depois das reservas vitelinas já se terem esgotado, caso dos sapos do género Nectophrynoides, da rã-coqui (Eleutherodactylus jasperi) actualmente considerada extinta, ou da cecília recentemente descoberta na Índia, Gegeneophis seshachari. Além das diferenças inter-específicas, pode ainda existir variação nas estratégias reprodutivas de populações da mesma espécie como resultado de diferentes condições ambientais: a salamandra-de-pintas-amarelas (Salamandra salamandra) que habitualmente é ovovivípara e deposita as suas larvas em meio aquático, em regiões montanhosas dá à luz indivíduos completamente metamorfoseados.

Quando presente, o cuidado parental característico das salamandras e dos tritões consiste na assistência às posturas. Nas salamandras aquáticas, a fêmea (Família Proteidae) ou o macho (Cryptobranchus alleganiensis) prestam assistência às posturas para promover essencialmente as trocas gasosas, movimentando rapidamente as brânquias ou o próprio corpo. No caso dos tritões europeus (p.ex. Triturus marmoratus), a fêmea passa muito tempo a colocar criteriosamente cada ovo na vegetação para que esteja mais protegido de predadores e dos efeitos nefastos da radiação ultravioleta.

Cerca de 75% das cecílias são vivíparas, alimentando os fetos com células do oviducto e dando à luz larvas totalmente metamorfoseadas. Os cuidados prestados pela cecília africana Boulengerula taitanus às suas larvas após a eclosão são únicos entre os anfíbios. A progenitora desenvolve uma camada dérmica rica em gorduras e nutrientes que assegura a nutrição das larvas. Estas possuem dentes especializados para raspar e consumir a pele da mãe durante as primeiras 4 semanas de vida.

Os anuros apresentam a maior diversidade de cuidados parentais na classe Amphibia. A assistência às posturas é a forma mais comum de prestação de cuidados, sendo frequentemente feita pelo macho, fenómeno raro no mundo animal. Em algumas espécies um dos progenitores carrega os ovos fertilizados durante o desenvolvimento larvar no dorso ou mesmo em bolsas especializadas.

Os sapos-parteiros, Alytes spp., carregam os cordões de ovos enrolados nos membros posteriores, colocando-os em meio aquático apenas quando já estão prontos para eclodir. O macho da rã marsupial australiana (Assa darlingtoni) possui bolsas ao longo dos seus flancos onde os girinos podem completar o desenvolvimento larvar até à metamorfose.

Os cuidados parentais mais complexos encontram-se frequentemente em habitats tropicais húmidos. Algumas rãs-flecha (família Dendrobatidae), transportam os girinos no seu dorso e depositam-nos em pequenas bolsas de água que se formam em plantas epífitas como as bromélias. A larva completa então o seu desenvolvimento nestes minúsculos meios livres de predadores, alimentando-se de invertebrados e dos ovos não fertilizados que a progenitora lhe fornece periodicamente.

Há espécies que apresentam cuidados parentais ainda mais impressionantes, como as rãs australianas do género Rheobatrachus, em que a fêmea engole cerca de 20 ovos fertilizados que se desenvolvem no seu estômago. Durante o período de desenvolvimento larvar a progenitora não só não se alimenta como fica com o sistema digestivo inibido, suspendendo a produção de ácido e os movimentos peristálticos. Terminado o desenvolvimento larvar, a progenitora regurgita os indivíduos recém-metamorfoseados. Infelizmente as duas espécies que compõem este género, R. vitelinus e R. silus, descobertas na década de 70, foram dadas como extintas na década seguinte, ficando muito por desvendar acerca das capacidades únicas destes anuros.

O estranho mundo das armas anfíbias
Os anfíbios são uma parte essencial da cadeia trófica, constituindo presas habituais para uma vasta gama de predadores. Essa pressão deu origem a uma série de características fisiológicas, morfológicas e comportamentais que, isoladas ou em sinergia, podem potenciar a sua sobrevivência a ataques predatórios.

As formas mais comuns de defesa anti-predatória em adultos são os comportamentos de fuga (saltar ou enterrar-se) e a produção de secreções cutâneas nocivas. No entanto, muitos anfíbios adoptam estratégias mais curiosas, fazendo-se de mortos, empolando o seu tamanho ou atraindo o predador para partes do corpo menos essenciais e/ou tóxicas. É muito frequente que anuros menos ágeis invistam em aparentar estar mortos, caso de espécies como o Stereocyclops parkeri, que estica totalmente os seus membros, ficando hirto, ou da Acanthixalus spinosus, que encolhe os seus membros e coloca a língua cor-de-laranja de fora.

De uma forma geral há entre as salamandras e os tritões um claro investimento na produção de toxinas e na exploração de comportamentos que podem maximizar a eficácia dessas secreções. A salamandra-de-pintas-amarelas possui, na parte de trás da cabeça, glândulas que segregam toxinas capazes de provocar ardor e cegueira temporária. Quando atacada, é capaz de produzir um esguicho de intensidade de direcção controladas, preferencialmente para os olhos do atacante. Já as salamandras da família Plethodontidae agitam a cauda verticalmente enquanto mantêm o resto do corpo rígido, procurando atrair o predador para a parte do seu corpo mais dispensável e tóxica.

Os anfíbios capazes de produzir toxinas são frequentemente espectaculares, apresentando padrões corporais acentuados por cores fortes (laranja, vermelho, amarelo) que servem como sinalizadores da sua perigosidade. Certas espécies exploram o carácter dissuasor dessas cores e, apesar de serem absolutamente inofensivas, apresentam padrões semelhantes aos das espécies mais tóxicas.

Os géneros Pleurodeles e Echinotriton apresentam capacidades únicas para reduzir a sua palatibilidade e aumentar a sua probabilidade de sobrevivência. A salamandra-de-costelas-salientes (Pleurodeles waltl), endemismo ibérico que se pode encontrar no Sul e Centro de Portugal, tem a capacidade de, perante um ataque, projectar as pontas das suas costelas para fora do seu corpo. Apesar da projecção não se fazer através de poros especializados, as pontas expostas das costelas ficam posicionadas imediatamente abaixo das manchas alaranjadas dos flancos, aumentando o impacto visual deste comportamento. Como se não bastasse, estas espécies são também tóxicas, pelo que as pontas das costelas podem injectar toxinas na corrente sanguínea do predador.

Se a estratégia defensiva da salamandra-de-costelas-salientes pode parecer bizarra, a utilizada por alguns sapos africanos (Géneros Astylosternus e Trichobatrachus) prova que a realidade é muitas vezes bem mais impressionante do que a ficção. Estes anuros têm a capacidade de projectar a parte terminal das falanges de alguns dedos através da pele. Estas estruturas ósseas de forma semelhante à das garras de alguns mamíferos, causam feridas profundas em quem tentar pegar ou abocanhar estes sapos. Não se conhece mais nenhum vertebrado com uma estrutura semelhante a uma garra sem queratina, composta apenas por massa óssea, que tem de se libertar da estrutura esquelética e perfurar a pele para se tornar funcional.

No século XVIII, o famoso cientista sueco Carl von Linné, responsável pela criação do actual sistema de nomeação científica das espécies referiu-se aos anfíbios como criaturas “feias e asquerosas”, reforçando que Deus não se havia esmerado na sua criação. Agora, depois de conhecer uma parte da vida secreta destes vertebrados, cabe ao leitor decidir se estas criaturas tão menosprezadas não podem de facto integrar orgulhosamente o grupo dos animais mais interessantes e inspiradores deste planeta.

Joana Teixeira Ribeiro

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Notícia - Vampiros – os mitos e a história real

Quem não ouviu já falar de vampiros, criaturas que buscam o sangue das suas presas na noite? Contudo, nem tudo o que se diz corresponde à verdade e muitos são os factos deturpados pela associação destes mamíferos a criaturas míticas milenares.

Os vampiros são morcegos, cuja imagem está impregnada de informações distorcidas por séculos de ignorância, mitos e superstição. O enraizamento cultural destes conhecimentos condiciona os esforços empreendidos no sentido de clarificar o papel destes animais nos ecossistemas e de contrariar o declínio de outras espécies de morcegos que acabam por ser afectadas. A maior parte das pessoas desconhece que apenas três das cerca de mil espécies de morcegos que existem actualmente alimentam-se de sangue, encontrando-se restringidas às regiões tropicais da América Latina, desde o seu aparecimento, há cerca de sete milhões de anos.

Os mitos com vampiros remontam há milhares de anos. Os mais antigos provêem da Europa, mas estudos etnológicos revelam que praticamente nenhuma cultura está isenta de conter no seu espólio criaturas medonhas sugadoras de sangue, às quais se associou a imagem dos morcegos. Estas criaturas míticas foram responsabilizadas, ao longo dos tempos, por mortes pouco claras e por devastadoras epidemias, como a peste negra e a varíola. Mas este folclore que liga os morcegos aos vampiros é particularmente intrigante, na medida em que os mitos surgiram em locais onde estas espécies de morcegos nunca existiram. Apesar de se assumir que esta associação remonta às tradições antigas, a história indica que ela é uma invenção humana recente.

Os europeus desconheceram a existência destes animais até ao século XVI, altura em que os exploradores espanhóis regressaram das Índias com a primeira descrição de seres que se alimentavam de sangue e que mordiam as pessoas durante a noite, comportamento que associaram ao das criaturas das fábulas a que chamavam vampiros. Mas esta designação de origem eslava, que significa “bêbado de sangue”, não foi prontamente atribuída aos morcegos vampiros e só no final do século XIX as três espécies foram descritas para a Ciência. Contudo, esta associação só foi completada em 1897, quando Bram Stocker publicou “O Drácula”, uma obra onde os vampiros se transformavam em morcegos, conjugando a mitologia europeia com uma personagem histórica real – Vlad Tepes – um príncipe da Valáquia (actual Roménia), com fama de sanguinário, que viveu entre 1430 e 1476. Não existem evidências que este príncipe tivesse o hábito de beber o sangue das vítimas, mas sabem-se duas coisas – que no castelo de Vlad Tepes não existiam vampiros e que estes mamíferos não são a fonte dos mitos de vampiros do Velho Mundo.

Mas vamos conhecer um pouco melhor estes animais. A forma como os vampiros evoluíram permanece um mistério. Os registos fósseis mostram que há muitos milhares de anos eles habitavam as florestas tropicais, onde se alimentavam essencialmente de aves e pequenos mamíferos. A chegada dos colonizadores europeus ao continente americano, e especialmente do gado que com eles trouxeram, providenciou aos vampiros uma nova e praticamente ilimitada fonte de alimento, permitindo que as suas populações crescessem exponencialmente. A sem precedente desflorestação da América Latina, na tentativa de aumentar a área para explorações de gado, permitiu que esta tendência se intensificasse, até ao ponto dos vampiros se tornarem numa séria praga agrícola em muitas áreas. Todavia, em nichos não perturbados de floresta, eles vivem actualmente como os seus antepassados – em reduzidos grupos, alimentando-se do sangue de pequenos animais.

Das três espécies de morcegos vampiros que existem actualmente, apenas uma (a mais comum - Desmodus rotundus) preda exclusivamente mamíferos. As outras duas – Diaemus youngi e Diphylla ecaudata – alimentam-se de diversos vertebrados, preferencialmente aves. Ao contrário do que a indústria cinematográfica nos levou a acreditar, os vampiros são animais muito pequenos e leves. Vivem em grutas, minas, buracos de árvores e em edifícios abandonados, em colónias com cerca de 100 animais, mas que podem chegar aos 2000 indivíduos.

São voadores rasos e fazem manobras espantosas, devido às suas longas e estreitas membranas alares. Contrariamente aos outros morcegos, os vampiros são grandes adeptos da locomoção no solo, sendo capazes de correr com grande velocidade e dar grandes saltos, assumindo uma postura bípede. Eles procuram as suas vítimas durante a noite, podendo voar mais de 10 km nas suas buscas. Exactamente como localizam e seleccionam presas individuais é desconhecido, mas certamente diversos factores estão envolvidos, nomeadamente a sua excepcional visão. Adicionalmente, as fossas nasais sensíveis ao calor permitem-lhes detectar as presas através da radiação infravermelha por elas emitida e escolher as áreas do corpo com melhor irrigação superficial e, por isso, mais “apetitosas”.

A especialização alimentar condicionou a anatomia e fisiologia dos vampiros. Eles possuem um estômago fino, capaz de se distender e um intestino rodeado de grandes capilares que aumentam a taxa de absorção. Mas a adaptação mais espantosa prende-se com a composição da saliva, constituída por três ingredientes activos, que mantêm o sangue fluído - um anticoagulante, uma substância química que previne a aglutinação dos glóbulos vermelhos e uma última que inibe a constrição dos vasos sanguíneos sob a ferida. A mordedura é rápida, de modo a não alertar as presas, e o sangue é lambido (e não sugado) através de movimentos rápidos e contínuos da língua, durante cerca de 30 minutos. Durante este período, os morcegos ingerem o equivalente a duas colheres de sopa de sangue. Porque o sangue tem cerca de 80% de água, à medida que se alimentam os vampiros urinam, removendo o excesso deste líquido.

Vivem numa cultura fortemente social, onde o reconhecimento individual é muito importante. Uma vez que não podem sobreviver mais de dois dias sem uma refeição, estes laços são fundamentais para lhes garantir a sobrevivência, pois um vampiro pode alimentar outro com regurgitações de sangue, quando solicitado. Este comportamento é bastante vantajoso em termos adaptativos, tal como acontece com a sua capacidade de adoptar crias órfãs. É um altruísmo recíproco, muito raro entre os mamíferos, conhecido apenas nos cães selvagens, nas hienas, nos chimpanzés e nos humanos.

Os hábitos alimentares dos vampiros, que à primeira vista nos parecem repulsivos, podem de facto resolver ou atenuar alguns dos nossos problemas. Descobertas recentes acerca das propriedades anticoagulantes da saliva dos vampiros demonstram que esta possui um ingrediente vinte vezes mais poderoso que qualquer anticoagulante actualmente conhecido, o que promete o desenvolvimento de novos medicamentos de prevenção e combate de doenças cardiovasculares.

Mas apesar de serem animais verdadeiramente fascinantes, os vampiros podem criar alguns problemas, nomeadamente quando existem em grandes densidades junto de pessoas e animais domésticos. Mordeduras ocasionais raramente prejudicam as vítimas, mas mordeduras repetidas, especialmente em animais jovens, podem enfraquecê-los, enquanto as feridas podem tornar-se focos de infecção. Para além deste aspecto, tal como outros animais, é possível que os vampiros contraiam raiva. Apesar da maior parte dos morcegos infectados acabar por morrer da doença, alguns poderão sobreviver o tempo suficiente para infectar as suas presas. Em muitas regiões da América Latina as perdas económicas dos agricultores provocadas, anualmente, por surtos desta doença nos bovinos, são imputadas aos ataques dos vampiros.

Quando os vampiros não encontram o seu alimento de eleição, podem utilizar presas alternativas, como os humanos, embora isto só aconteça a pessoas que dormem ao relento. Estes episódios, embora esporádicos, e na maior parte das vezes sem consequências, são suficientes para criar um clima de histeria colectiva, despoletando verdadeiras “caças aos vampiros”, que acabam por atingir todos os morcegos da área. Ao longo das últimas três ou quatro décadas, foram iniciados na América Latina programas de controlo de vampiros. Infelizmente, os resultados resumem-se à perda incalculável de insectos altamente benéficos para a agricultura, devido à utilização de venenos, e de morcegos inofensivos, que se alimentam de frutos e néctar, muitos dos quais já se encontram em perigo de extinção.

Será apenas através de programas educativos que a atitude pública perante os morcegos poderá ser alterada. Quanto aos conflitos entre o ser humano e os vampiros, para além de acções educativas, restam-nos campanhas de controlo bem planeadas. No entanto é importante lembrar que o actual comportamento alimentar dos vampiros é apenas uma adaptação às alterações dos seus habitat provocadas pelo Homem.

Maria Carlos Reis

segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Notícia - Tartarugas Marinhas

Longevas enquanto indivíduos e enquanto grupo biológico, as tartarugas marinhas mantiveram a sua morfologia praticamente sem mudanças significativas durante cerca de 150 milhões de anos, sendo animais verdadeiramente fascinantes.

As tartarugas marinhas são répteis que surgiram há 150 milhões de anos, resistindo às drásticas mudanças da Terra que levaram a extinções em massa de inúmeras espécies, entre as quais os dinossauros. Mantiveram praticamente a sua morfologia sem mudanças significativas até o tempo actual.

As tartarugas marinhas distinguem-se dos cágados ou tartarugas de água doce por uma série de características anatómicas, tais como a impossibilidade de recolher a cabeça dentro da carapaça, formas hidrodinâmicas e transformação das quatro extremidades em barbatanas aptas para a natação.

Apesar de cada espécie de tartaruga marinha ser distinta na sua aparência e comportamento, todas as tartarugas marinhas possuem características em comum.

A “concha” é constituída pela carapaça (parte superior) e pelo plastrão (parte inferior), unidas através de cartilagem de modo a proteger os órgãos internos. Na maior parte das espécies, existem escamas que cobrem a carapaça, sendo o seu número e disposição específicas de cada espécie.

As barbatanas dianteiras, principais órgãos para a propulsão, são bastante mais largas que as posteriores e são utilizadas simultaneamente, não de forma alternada. As barbatanas posteriores servem-lhes de remos.

Como todas as tartarugas, estas não possuem orelhas e os seus tímpanos estão cobertos por pele. Elas ouvem melhor em baixas frequências e o seu olfacto é excelente.

O seu comprimento pode variar de 53 cm até 1,9 m, não havendo diferenças de tamanho entre machos e fêmeas.

As tartarugas marinhas encontram-se nas águas temperadas e tropicais de todo o mundo. As fêmeas só abandonam o meio aquático para pôr os ovos no litoral, enquanto que os machos, a partir do momento em que chegam ao mar, não voltam a abandoná-lo em toda a vida.

Os adultos da maioria das espécies podem ser encontrados em águas superficiais e costeiras, baías, lagoas e estuários, sendo que alguns aventuram-se até ao mar aberto.

As tartarugas marinhas passam a maior parte do tempo submersas, emergindo periodicamente para respirar. Uma única exalação explosiva e uma rápida inalação, é tudo o que precisam para repor o seu suplemento de oxigénio. Durante a actividade normal, as tartarugas mergulham durante 4 ou 5 minutos e emergem para respirar durante 1 a 3 segundos. As tartarugas podem descansar ou dormir debaixo de água durante algumas horas, mas a sua capacidade de conter a respiração em intensa actividade ou em estado de stress é consideravelmente mais reduzida. Muitas tartarugas marinhas adultas dormem junto a rochas.

As tartarugas marinhas não têm dentes, sendo que as suas mandíbulas foram modificadas em bicos para esmagar, triturar, rasgar ou morder, dependendo da sua dieta.

A maioria das tartarugas é carnívora, e os animais que constituem o seu alimento são crustáceos, anfíbios e peixes. Estas podem usar diferentes áreas de alimentação em cada estado de crescimento.

A maioria das tartarugas marinhas normalmente migram longas distâncias entre a sua área de alimentação e as praias de desova. Ninguém tem a certeza de como elas encontram o seu caminho. Muitas teorias têm sido desenvolvidas, tais como que as tartarugas se orientam através das estrelas, sol ou luz polarizada, determinam a latitude através sensação de velocidade de rotação da Terra ou o seu grau de inclinação, ou que seguem o gradiente de um sabor ou cheiro particular emanado de rios ou zonas costeiras.

A taxa de crescimento das tartarugas marinhas é muito variável. Geralmente elas demoram a atingir a maturidade e acredita-se que têm um período fértil de desova relativamente longo, talvez tão longo como 75 a 100 anos.

As tartarugas atingem a maturidade sexual a idades que variam desde os 7 anos em tartarugas em cativeiro e perto de 50 em tartarugas selvagens, dependendo da espécie e da qualidade do habitat no qual se alimentam.

As tartarugas desovam 50 a 200 ovos do tamanho de bolas de ping-pong, sendo o período de incubação para a maioria das espécies de 45 a 70 dias.

Os primeiros momentos fora dos ovos são possivelmente os mais perigosos na vida de uma tartaruga marinha. Os predadores são abundantes e muitas crias não conseguem chegar à zona da rebentação marinha. Formigas, caranguejos, raposas, coiotes e abutres, são apenas alguns dos animais que se alimentam dos ovos e das crias. As bactérias nos ninhos também ajudam à mortalidade, destruindo muitos ovos antes destes eclodirem. As crias que sobrevivem aos predadores da praia, têm de enfrentar os predadores que estão à sua espera no mar. O escuro providencia alguma protecção, mas não muita, e as crias que emergem durante a luz do dia raramente chegam muito longe, porque aves predadoras como andorinhas-do-mar, gaivotas e alcatrazes estão à sua espera.

Felizmente o grande tamanho e a dura carapaça das tartarugas marinhas adultas fazem delas presas menos fáceis para a maior parte dos animais.

Cientistas reconhecem 7 espécies vivas de tartarugas marinhas, agrupadas em 6 géneros. A tartaruga boba ou tartaruga careta (Caretta caretta), distingue-se por possuir uma cabeça bastante grande em relação ao corpo. A tartaruga verde (Chelonia mydas), é assim designada devido à cor da sua gordura localizada abaixo da carapaça. A carapaça da tartaruga de couro (Dermochelys coriacea) é quilhada e sem escamas, tendo a aparência de couro, enquanto que a tartaruga oliva (Lepidochelys olivacea) tem uma aparência esverdeada. Existem ainda a tartaruga de Kemp (Lepidochelys kempi), a tartaruga bico-de-falcão (Eretmochelys imbricata) e a tartaruga australiana (Natator depressus).

Madalena Salgado

terça-feira, 25 de agosto de 2015

Notícia - Cetáceos

Os Cetáceos são fascinantes mamíferos aquáticos, que possuem sangue quente e respiram o ar atmosférico por meio de pulmões, vindo à superfície em intervalos regulares para realizar as trocas gasosas. Temos o prazer de os apresentar.

Os Cetáceos, do latim cetus (grande animal marinho) e do grego ketos (monstro marinho), são animais com formas e tamanhos variados, desde os pequenos golfinhos, que mal ultrapassam um metro de comprimento, até à baleia azul, que mede cerca de 25 metros de comprimento e que é o maior animal vivo da Terra. Além de baleias e golfinhos, outros animais pertencem a este grupo, como a orca, o boto, o narval e o cachalote. Os Cetáceos distribuem-se por todos os oceanos e pela maioria dos grandes rios de todo o mundo, desde as águas quentes do equador até às águas frias dos pólos. Actualmente estão reconhecidas 81 espécies, mas pensa-se que mais se irão descobrir.

Peixe ou Cetáceo?
Durante muitos anos pensou-se que as baleias e os golfinhos eram peixes, com a particularidade de esguichar água (“peixes que esguicham”). À primeira vista, os golfinhos e os botos podem parecer peixes, em particular tubarões, pela forma do corpo. As semelhanças são impressionantes, mas se olharmos com atenção podemos verificar que apesar de viverem na água, possuírem barbatanas dorsais, laterais e caudais, há algumas diferenças. A melhor maneira de distinguir um Cetáceo de um peixe, é olhar para a cauda; a cauda de um Cetáceo é horizontal e move-se de baixo para cima, enquanto a cauda de um peixe é vertical e move-se lateralmente. Pelo facto de serem mamíferos, apresentam ainda diferenças fisiológicas, têm sangue quente, respiram ar e reproduzem-se mais cedo.

Origem
Há cerca de 50 milhões de anos, florestas tropicais, pântanos e mares em formação foram o habitat de animais terrestres ungulados, cobertos de pêlo e com quatro patas. Na sua procura por novas fontes de alimento, estes animais terão começado a explorar o meio marinho. Esta nova forma de vida levou à necessidade de adaptações ao novo habitat. Durante o período de adaptação, perderam as características que as adaptavam ao meio terrestre. Os seus membros desapareceram, o corpo alongou-se, grande parte do pêlo desapareceu, reduzindo a resistência do corpo à água e a sua cauda foi substituída por barbatanas.

O processo de deslocação do meio terrestre para o meio aquático levou a alterações fisiológicas profundas, além da alteração na locomoção, os animais tiveram de desenvolver novas técnicas de detecção e captura das suas presas. Todas estas adaptações levaram alguns milhares de anos até ao aparecimento dos primeiros Cetáceos no oceano.

Os primeiros animais realmente parecidos com baleias – Arqueocetos - desapareceram há cerca de 30 milhões de anos. Havia várias espécies de Arqueocetos, de tamanhos muito diversos, variando entre os 2 e os 21 metros. O seu corpo tinha a forma de um torpedo e os membros anteriores transformaram-se em remos. Actualmente a ordem dos Cetáceos é constituída apenas por duas classes; Misticetos e Odontocetos.

Características
Os dois grandes tipos de Cetáceos, distinguem-se pelo facto dos Odontocetos terem dentes e os Misticetos terem barbas. Estes costumam realizar migrações nos períodos de alimentação e reprodução da espécie, na época do verão nos pólos, para se alimentarem, e na época do Verão dos trópicos, para copularem e se reproduzirem. O maior Misticeto é a baleia-azul que pode atingir até 33m de comprimento. A classe dos Odontocetos é representada pelos Cetáceos que possuem dentes, como o cachalote, a orca e os golfinhos. Estes animais têm apenas uma dentição e podem ser encontrados tanto em mares como em rios (ex.: boto-cor-de-rosa). O cachalote é o maior Odontoceto e pode medir até 18m. A maioria dos grandes Cetáceos têm barbas em vez de dentes, e as suas grandes maxilas permitem-lhes apanhar de uma só vez milhares de crustáceos e peixes.

Todos os Cetáceos apresentam uma ou duas aberturas no topo da cabeça, os espiráculos que são as aberturas exteriores do sistema respiratório semelhantes às nossas narinas. Nos Cetáceos com barbas há dois espiráculos, mas os Odontocetos apresentam apenas um orifício respiratório. Os espiráculos estão situados geralmente no alto da cabeça, no entanto a forma exacta e a localização variam consoante a espécie. Quando mergulham, músculos poderosos fecham os espiráculos evitando assim a entrada de água.

Os olhos são laterais, estando numa posição posterior e imediatamente acima da linha da boca. As terminações auditivas encontram-se uns centímetros atrás e abaixo de cada olho. A vida no mar levou-os a perderem o ouvido externo. Actualmente o ouvido dos Cetáceos não é mais do que um pequeno orifício na pele.

A maioria dos Cetáceos diferencia-se pelo seu tamanho, pelas suas cores e desenhos corporais, que no entanto, podem variar entre animais da mesma espécie. Por vezes o macho e a fêmea são diferentes na sua coloração, podendo também mudar de cor à medida que envelhecem.

Ao contrário dos mamíferos terrestres, os Cetáceos não possuem espessos mantos de pelo para os proteger da temperatura exterior, por isso estão revestidos por uma gordura isoladora, conhecida como camada adiposa, que em determinadas espécies pode chegar aos 50 cm.

No corpo existem quatro barbatanas, sendo um par peitoral que se situa atrás da cabeça, uma dorsal, que está ausente em algumas espécies, e por fim a caudal. As barbatanas peitorais são usadas fundamentalmente para controlar a posição do corpo e a direcção da deslocação.

Sendo os Cetáceos animais que vivem só no meio aquático, têm um sistema reprodutor diferente. Embora o ritual de cortejamento possa demorar várias horas, a cópula é um processo rápido. A gestação varia entre 9 e 16 meses, nascendo uma ou, raramente, duas crias. O período de amamentação é cerca de um ano e é nesta fase que aprendem a pescar com o grupo.

Um dos processos sensoriais e comunicativos mais importantes e especializados é a ecolocalização eu econavegação. Trata-se de um sistema sensorial no qual o animal obtém informação sobre o meio pela comparação mental de um sinal acústico emitido com o eco recebido. Foi nos morcegos que este processo foi inicialmente demonstrado e descrito. No séc. XVIII, Spallanzani fez várias observações sobre a capacidade de orientação dos morcegos no escuro, incluindo os morcegos cegos. Já no séc. XX, Norris sugere que o refinamento deste mecanismo sensorial nos Odontocetos foi um passo crucial para garantir a supremacia deste grupo relativamente aos Arqueocetos.

Susana Ribeiro

domingo, 23 de agosto de 2015

Notícia - Fauna Urbana – a vida selvagem à nossa porta

Ao contrário do que se poderia supor, as cidades não são domínio exclusivo dos seres humanos. Nos jardins, lagos, hortas e edifícios é possível encontrar uma miríade de seres vivos que aprendeu a tirar partido dos habitats das nossas urbes.

Ao contrário do que muitas pessoas poderiam supor, as cidades não são domínio exclusivo dos seres humanos. Nos jardins, lagos, hortas e edifícios é possível encontrar uma miríade de seres vivos que aprendeu a tirar partido dos diferentes habitats das nossas urbes. São aves e mamíferos, mas também répteis e anfíbios cuja vizinhança muitas vezes desconhecemos mas que partilham connosco a selva urbana.

Quando há 12 000 anos atrás surgiram, no Crescente Fértil, as primeiras cidades, dificilmente os seus habitantes poderiam imaginar que milhares de anos mais tarde as suas urbes de adobe, madeira e pedra, haveriam de evoluir para gigantescas «ilhas» de tijolo, vidro, betão e aço onde vivem actualmente mais de 1500 milhões de pessoas. Talvez as cidades modernas tenham poucos encantos naturais quando comparadas com as primitivas cidades Sumérias, apesar disso também elas se converteram em redutos ecológicos importantes para inúmeras espécies de animais selvagens, a ponto destas chegarem a ser consideradas como ecossistemas completos nos quais a biodiversidade se relaciona entre si e com o meio envolvente com a mesma perfeição com que o faz nos espaços inalterados pelo Homem.

Mas o que terá levado tantas espécies animais, algumas delas raras nos seus habitats naturais, a ocupar estes ambientes artificiais criados pelo Homem, a adaptar-se a eles e a prosperar? Aparentemente, a resposta é simples: abundância de alimento, fruto dos desperdícios orgânicos dos habitantes humanos; ausência quase total de predadores e maior tolerância por parte dos seres humanos; abundância de abrigos e nichos ecológicos (ex.: casas abandonadas, ruínas, torres de igrejas, cemitérios, telhados, varandas, terraços, pátios, jardins, hortas, árvores, lagos, fontes, esgotos e todo o tipo de canalizações subterrâneas); e condições climatéricas mais acolhedoras, sobretudo em termos de temperatura, pois as cidades funcionam como «ilhas de calor» que, em média, registam temperaturas 1,5 ºC acima dos valores que se verificam fora do espaço urbano. Em certos casos, a adaptação à vida urbana foi de tal forma bem sucedida que algumas espécies de animais simplesmente deixaram de conseguir sobreviver sem a presença do Homem, como acontece, por exemplo, com os vulgares pardais-domésticos (Passer domesticus), que não sobrevivem em povoações que tenham sido abandonadas pelos residentes humanos.

Mas nem tudo são rosas para esta fauna urbana. Exposta a todo o tipo de perigos, os animais da cidade têm uma esperança média de vida relativamente curta, situação viável apenas devido a uma elevada fertilidade que permite a algumas espécies contrabalançar as pesadas perdas provocadas por factores como a poluição atmosférica; o excesso de ruído; os atropelamentos; a falta de refúgios nas edificações modernas; a escassez de vegetação; e até o elevado nível de stress a que muitas «espécies urbanas» estão sujeitas, como o comprovam estudos etológicos realizados em populações de aves urbanas, segundo os quais estes animais apresentam níveis de stress e hiperactividade comparáveis aos de um alto executivo humano.

Dependendo da localização e da quantidade e qualidade dos habitats disponíveis, as cidades atraem maior ou menor diversidade de animais. De todos os grupos de animais que frequentam ou habitam as nossas cidades, as aves são, claramente, o mais abundante. Mas não se pense que as aves se resumem aos pardais, às pombas, às gaivotas ou às andorinhas. Com efeito, a elevada capacidade de adaptação das aves, aliada a uma maior diversidade de espécies, converteu-as em verdadeiras estrelas da nossa fauna urbana, proporcionando às populações de muitas cidades portuguesas, nomeadamente daquelas onde abundam parques e jardins, terrenos baldios e/ou zonas ribeirinhas, a oportunidade de tomar contacto com o mundo novo da «ornitologia urbana».

Lisboa possui, talvez, a maior e mais estudada comunidade de aves urbanas do país. De acordo com Hélder Costa, ornitólogo da SPEA (Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves) e autor do livro Lisboa AVES, «nidificam actualmente em Lisboa cerca de 28 espécies, embora o número total de espécies registadas ronde as 138». Apesar deste número, poucos serão os lisboetas que conhecem verdadeiramente as suas aves. Com efeito, refere este ornitólogo, «com excepção dos pombos, das gaivotas e dos pardais, de uma forma geral, a maior parte dos lisboetas não se apercebe muito da existência de aves da cidade» o que, tendo em conta a profusão de espécies que ocupa a capital, não deixa de ser sintomático do alheamento dos habitantes humanos face aos seus vizinhos alados. Na verdade, a maioria dos lisboetas continua a desconhecer que entre os seus vizinhos se incluem espécies tão singulares como, por exemplo, os flamingos (Phoenicopterus ruber) que por vezes aparecem na zona do Parque Expo; os peneireiros (Falco tinnunculus) que nidificam desde o final da década de 90 nos respiradouros da Torre do Tombo e que frequentam algumas zonas da cidade, especialmente onde ainda subsistem terrenos baldios, parques de média dimensão ou restos de antigas quintas (zona do aeroporto, zona das Olaias, etc.); os andorinhões-pálidos (Apus pallidus), que criam em grande número nos edifícios antigos do centro histórico; as alvéolas-brancas (Motacilla alba), que se aglomeram às dezenas todas as noites nas árvores-dormitório da Praça de Espanha; os falcões-peregrinos (Falco peregrinus), que por vezes sobrevoam o parque Eduardo VII ou utilizam as pontes 25 de Abril e Vasco da Gama como poiso altaneiro; ou ainda as esquivas garças-nocturnas (Nycticorax nycticorax), que por vezes frequentam os lagos dos jardins da cidade, como acontece no Hospital D. Estefânia.

Do Minho ao Algarve, o rol de cidades e vilas onde se observam toda a sorte de aves, algumas das quais raras, é surpreendentemente longo. Em Viana do Castelo ou em Caminha, por exemplo, as marginais, situadas respectivamente nas margens do estuário do rio Lima e Minho, são frequentemente local de poiso e passeatas de aves aparentemente tão estranhas à cidade como o maçarico-das-rochas (Actitis hypoleucos), a narceja-galega (Lymnocryptes minimus), a garça-branca-pequena (Egretta garzetta) e o corvo-marinho-de-faces-brancas (Phalacrocorax carbo) entre muitas outras. Mais para o interior do país, em Montalegre, o centro histórico é local de nidificação habitual de rabirruivos-pretos (Phoenicurus ochruros), andorinhões-pretos (Apus apus), e até de chascos-cinzentos (Oenanthe oenanthe), ariscos visitantes estivais dificilmente observáveis noutra área urbana do país que não nesta vila raiana de Trás-os-Montes. Em pleno centro da cidade do Porto, no Parque da Cidade, entre andorinhas-das-barreiras (Riparia riparia), cartaxos (Saxicola torquata), galeirões (Fulica atra), galinhas-de-água (Gallinula chloropus), guinchos (Larus ridibundus), garças-cinzentas (Ardea cinerea) e até guarda-rios (Alcedo atthis), a lista de espécies observadas ao longo do ano é tão extensa e rica que o Fundo para a Protecção dos Animais Selvagens (FAPAS), já demonstrou, inclusive, a intenção de elaborar um guia de aves do Parque da Cidade que permita aos visitantes identificar e conhecer a riqueza avifaunística deste pulmão verde da cidade. No entanto, a ideia não é nova na Invicta. Em 1993, a Fundação de Serralves, localizada nas imediações da Avenida da Boavista, lançou o livro Aves de Serralves, onde são descritas as 79 espécies de aves com que os visitantes dos jardins da Fundação se podem deparar habitualmente. Entre estas, destaque para espécies vistosas como a poupa (Upupa epops), o gaio (Garrulus glandarius) e a pega-rabuda (Pica pica), e ainda para dois residentes inusitados: a coruja-das-torres (Tyto alba) e o mocho-galego (Athene noctua), duas rapinas nocturnas relativamente comuns nesta parte da cidade, embora mais frequentemente escutadas do que observadas pelos habitantes humanos.

Na região centro, próximo da cidade de Coimbra, a Mata Nacional do Choupal é local de nidificação de vários casais de milhafre-preto (Milvus migrans), uma rapina que se tornou tão comum na região, que os habitantes da cidade já se habituaram a vislumbrar as suas silhuetas planando lentamente sobre a baixa da cidade, sobre a auto-estrada A1 ou sobre as margens urbanizadas do Mondego, em busca de presas.

No centro-sul do país, em grandes cidades como Castelo Branco, Portalegre e Beja, ou em pequenas vilas como Figueira de Castelo Rodrigo, Barrancos, Alcácer do Sal, ou Mértola, as cegonhas-brancas (Ciconia ciconia) também se tornaram, nas últimas décadas, inquilinas notadas e incontornáveis, construindo os seus enormes ninhos sobre campanários, torres e chaminés, com o mesmo à vontade com que exibem as suas ruidosas paradas nupciais. Mas em Mértola, não são apenas as cegonhas que pontuam os céus da vila. Durante a Primavera e o Verão, um pequeno e raro falcão migrador que nidifica no sul do Mediterrâneo e inverna em África, regressa a esta pequena povoação para criar a sua prole. Trata-se do francelho-das-torres (Falco naumanni), uma ave de rapina que nidifica em velhos edifícios, montes abandonados e muralhas. No passado, terá sido bastante abundante pelas vilas e cidades do sul de Portugal, como Évora ou Castro Marim, mas actualmente, a população está estimada em apenas cerca de 160 casais repartidos por 10 colónias de criação, sendo uma das mais importantes, aquela que cria na igreja matriz, no castelo e nos velhos edifícios de Mértola, com cerca de 60 casais recenseados.

A maioria das pessoas reconhece certamente as aves como vizinhos rotineiros no habitual frenesim citadino. Mas quantos de nós terão alguma vez atentado nas diversas espécies de répteis e até anfíbios que povoam as nossas cidades? Na cidade de Lisboa, por exemplo, os muros, os jardins e até os interiores das casas abandonadas ou arruinadas dos bairros históricos, constituem um lar excelso para a cobra-de-ferradura (Coluber hippocrepis), uma serpente não venenosa e inofensiva para o ser humano, com excepcionais qualidades trepadoras, que se alimenta dos abundantes ratos e ratazanas que infestam esta área da cidade, embora também cace outros répteis, como a osga-comum (Tarentola mauritanica) e a lagartixa-ibérica (Psammodromus hispanicus), também eles habitantes muitas vezes inauditos destes «condomínios de luxo» que são os velhos bairros do centro histórico da capital. Na cidade de Évora, um outro réptil, a osga-turca (Hemidactylus turcicus), uma espécie de pequenas dimensões, bastante rara entre nós e de distribuição localizada, também coexiste, muitas vezes incógnito, com os seres humanos. De actividade exclusivamente nocturna, é surpreendentemente frequente na cidade, sobretudo em ruas pouco movimentadas, num claro contraste com o que se verifica fora do espaço urbano eborense, onde é bastante rara. Mais a sul, no Algarve, também os inofensivos camaleões (Chamaeleo chamaeleon) vivem lado a lado com os milhares de veraneantes que anualmente invadem o litoral algarvio. Embora mais comuns nos pinhais litorais, sobretudo na região do centro e sotavento algarvio, os camaleões ocorrem também em zonas com árvores de fruto e vinhas, em áreas semiurbanas, paredes-meias com o casario das cidades de Faro, Tavira e Vila Real de Santo António.

Menos ubíquos do que os répteis, dada a sua menor tolerância à poluição e dependência relativamente à água para completar o ciclo biológico, os anfíbios também são presença habitual em algumas das nossas vilas e cidades. No norte e centro do país, algumas cidades costeiras, como Esposende, Vila do Conde, Póvoa do Varzim e Figueira da Foz, albergam nas suas frentes ribeirinhas dunares populações de sapo-de-unha-negra (Pelobates cultripes), uma espécie de anfíbio de hábitos nocturnos que apenas se observa com alguma facilidade nas noites suaves e chuvosas quando emerge da areia. Na cidade do Porto, o Parque da Cidade e o Jardim Botânico, são igualmente refúgio de várias espécies de anfíbios, entre os quais o sapo-comum (Bufo bufo), a rã-verde (Rana perezi), a salamandra-de-pintas-amarelas (Salamandra salamandra) e até o sapo-parteiro-comum (Alytes obstetricans), um pequeno anfíbio assim apelidado pelo facto do macho desta espécie transportar «às costas» a postura de ovos da fêmea, praticamente até à sua eclosão.

À noite, quando os habitantes humanos se recolhem nas suas casas, a escuridão traz às ruas, aos becos, aos jardins e até às nossas próprias casas os mais esquivos e furtivos habitantes da «fauna urbana»: os mamíferos. Apesar do reduzido número de espécies de mamíferos que colonizou os ambientes urbanos portugueses, as que o conseguiram, exploraram este novo habitat como nenhum outro grupo de animais. É o caso de algumas espécies de pequenos roedores, como o rato-caseiro (Mus musculus), mas sobretudo a ratazana-castanha (Rattus norvegicus), cuja população na área da grande Lisboa, se calcula em cerca de 4,5 milhões de animais, praticamente o equivalente ao dobro da população humana residente! Mas os «mamíferos urbanos» não se resumem a estas espécies «oportunistas». Grandes cidades como Lisboa, Porto, Braga, Coimbra, Setúbal ou Faro, possuem, apesar da contínua expansão do betão, inúmeras áreas cultivadas espalhadas um pouco por todo o seu espaço urbano: são as hortas. Embora não passem de pequenos espaços de terra agricultada, para algumas espécies de mamíferos insectívoros, como a toupeira (Talpa caeca), o musaranho-de-dentes-brancos-grande (Crocidura russula) e até o ouriço-cacheiro (Erinaceus europaeus), constituem verdadeiros édenes onde a abundância de alimento e de esconderijos, permite uma sobrevivência citadina relativamente desafogada e sossegada. Menos comum, mas nem por isso menos familiarizado com os jardins e parques de algumas das nossas cidades, é o esquilo (Sciurus vulgaris). Até há alguns anos atrás, pelo facto da espécie se encontrar extinta em Portugal desde o século XVI, as únicas populações urbanas de esquilos resumiam-se aos animais introduzidos no Parque Ecológico de Monsanto, em Lisboa, e no Jardim Botânico de Coimbra. Actualmente, graças a uma recolonização natural a partir da Galiza, o esquilo regressa lentamente à convivência dos habitantes de algumas cidades, sobretudo do norte e centro do país (Caminha, Amarante, Penafiel, Valongo, Vila Nova de Gaia, Lamego, etc.), onde a abundância de áreas florestadas se revela ideal para a instalação deste sociável animal arborícola. Porém, alguns dos nossos vizinhos mamíferos, como os morcegos, não gozam de tão boa reputação. No entanto, sob as telhas, por detrás de uma portada, numa cave escura e pouco utilizada, ou simplesmente no buraco de uma árvore, os morcegos vivem mais perto de nós do que suspeitamos e ocorrem em praticamente todas as cidades portuguesas. O morcego-anão (Pipistrellus pipistrellus) é claramente a espécies de morcego mais comum nas nossas cidades, embora o morcego-hortelão (Eptesicus serotinus), o morcego-rabudo (Tadarida teniotis) e o morcego-arborícola (Nyctalus noctula) também sejam espécies que frequentam as nossas áreas urbanas. Apesar de pouco estimados pelos seres humanos, estes pequenos mamíferos alados desempenham um importante papel ecológico nas nossas cidades, já que se alimentam quase exclusivamente de pequenos insectos, muitos dos quais são incómodos e prejudiciais para os seres humanos. Se nos lembrarmos que um morcego consome, numa única noite, o equivalente ao seu peso em insectos, facilmente poderemos depreender que sem estes eficazes caçadores nocturnos, as nossas vilas e cidades, por certo que seriam espaços bem menos habitáveis para os seres humanos.

Manuel Nunes

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Notícia - Desaparecimento de mamíferos no Sul da Florida associado a pitão-da-Birmânia

A pitão-da-Birmânia pode ser a responsável pela queda abrupta do número de mamíferos de um dos parques naturais mais emblemáticos dos Estados Unidos, mostra um estudo publicado nesta segunda-feira na revista Proceedings of the National Academy of Science. Os cientistas não sabem o que o futuro reserva ao ecossistema do parque.

Algumas das espécies de mamíferos, como o coelho e o coiote, diminuíram a ocorrência em cerca de 99% em pouco mais de dez anos. “Descrevemos um aparente declínio severo que coincide temporalmente e espacialmente com a proliferação da pitão-da-Birmânia, no Parque Nacional Everglade”, escreve no artigo a equipa norte-americana.

Há mais de 30 anos que no Sul da Florida a Python molurus bivittatus é avistada, uma cobra constritora (animal que mata as suas vítimas apertando-as) que atinge os seis metros de comprimento, original do sudeste Asiático. Mas só em 2000 é que foi dada como estabelecida no Parque Nacional Everglade.

O réptil tem sido importado para os Estados Unidos como animal de estimação. O mais provável é ter acabado na natureza por fuga, por libertação feita por donos, ou ainda por algum acontecimento que permitiu que um número de espécimes tenha fugido de lojas de animais.

Em apenas uma década, os técnicos passaram do zero para retirar cerca de 380 pitões do parque, ao longo do ano de 2009. “Em qualquer população de serpentes só se encontra uma pequena fracção do número de espécimes que realmente existe”, disse Michael Dorcas, à BBC News. O cientista é um dos autores do estudo e pertence ao Davidson College, da Carolina do Norte, EUA. Esta espécie “é o novo predador de topo do Parque Nacional de Everglades – um predador que não deveria estar lá”.

Ao mesmo tempo que o número de serpentes foi aumentando, o número de mamíferos foi diminuindo. Os cientistas verificaram esta queda ao percorrerem as estradas do parque à procura de animais mortos durante a última década, e comparando com dados anteriores a 2000.

“Antes de 2000, os mamíferos eram encontrados frequentemente durante inspecções nocturnas feitas nas estradas dentro do Parque Nacional de Everglade. Por oposição, em inspecções feitas às estradas que totalizaram 56.971 quilómetros entre 2003 e 2011 documentou-se uma diminuição de 99,3% na observação de guaxinis, uma diminuição de 98,9% e 87,5% nos Didelphimorphia [marsupiais que existem no continente Americano] e no lince-pardo, respectivamente, e falhámos em detectar coelhos”, lê-se no artigo.

O Parque Nacional Everglade é um dos mais importantes dos Estados Unidos, tem pouco mais de 2000 quilómetros quadrados, em comparação o distrito de Lisboa tem 2700 quilómetros quadrados. É um quarto da área total dos Everglades, uma zona húmida, sub-tropical, com muitos pântanos alimentados pelo rio Kissimmee.

O parque é Património da Humanidade, pela UNESCO, e tem inúmeras espécies animais, como roedores, aligatores, veados, e outros mamíferos e aves. Muitas correm risco de extinção.

Segundo o artigo, muitos dos mamíferos que diminuíram abruptamente de número, como o coelho, guaxinis, veados, ou o lince-pardo foram já documentados como tendo servido de refeição a pitões. Por outro lado, a diminuição de certas espécies que são alimento ou predam outras tem consequências na cadeia alimentar do parque.

Os cientistas andaram por estradas de regiões onde o réptil estava estabelecido há anos, outras em que tinha aparecido há pouco tempo, e outras ainda onde não tinha sido documentado, e foi nestas última que a equipa encontrou mais mamíferos.

“Não é pouco razoável assumir que sempre que há quedas maiores nos mamíferos, como acontece neste caso, vai haver um impacto global no ecossistema. Quais os impactos específicos que vão ocorrer, não sabemos. Mas é possível que sejam bastante profundos”, disse Dorcas.

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Notícia - Descritas 3 novas espécies do primata com uma mordida tóxica


Uma equipa internacional de cientistas descreve num artigo na revista American Journal of Primatology três novas espécies de lóris pertencentes ao género Nycticebus, conhecido pela sua mordida tóxica. Duas das novas espécies, N. borneanus e N. bancanus, foram, em tempos, consideradas subespécies de N. menagensis, enquanto que N. kayan era totalmente desconhecida.

As novas espécies de lóris, um primata noturno asiático aparentado dos lémures, de Madagáscar, vivem na ilha do Bornéu, e a sua classificação como espécies distintas resulta das diferenças que apresentam em termos das dimensões corporais, da densidade da pelagem, da coloração facial que faz com que pareça que tenham uma máscara e, ainda, do tipo de habitat.

A reorganização taxonómica que resultou no aumento do número de espécies de Nycticebus, tem importantes implicações ao nível da Conservação. Em primeiro lugar, torna necessário um maior esforço de conservação para conservar estes primatas, já que, em vez de uma espécie ameaçada, se passa a ter 4 espécies “em perigo ou ameaçadas”, pode ler-se no comunicado de imprensa da University of Missouri.

 “Quatro espécies diferentes são mais difíceis de proteger do que uma, já que cada espécie necessita de manter o seu efetivo populacional e ter habitat florestal suficiente”, explica Rachel Munds (University of Missouri – EUA), co-autora do novo artigo.

Com efeito, M. menagensis, a espécie que anteriormente aglomerava as que são agora consideradas como espécies diferentes, encontra-se classificada como “Vulnerável” na Lista Vermelha das Espécies Ameaçadas da União Internacional para a Conservação da Natureza. As principais ameaças identificadas, que provavelmente também se aplicam às novas espécies, são a perda do habitat florestal devido à conversão em plantações de palmeira para produção de biocombustíveis, e a crescente captura para alimentar o comércio de animais de estimação, para usar como modelo em fotos com turistas e para utilização na medicina tradiconal asiática.

Por outro lado, o reconhecimento como espécies distintas sugere que pode haver, nas luxuriantes florestas tropicais da região, mais novas espécies por classificar. Dada a crescente ocupação humana, esta hipótese torna ainda mais urgente intensificar aí os esforços conservacionistas.



Fontes: Filipa Alves/ phys.org e munews.missouri.edu

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Notícia - Surto de quitridiomicose terá sido responsável pelo declínio das populações de sapo-parteiro-comum na Serra da Estrela


Um trabalho trabalho já publicado online na revista Animal Conservation revela as populações de sapo-parteiro-comum (Alytes obstetricans) do Parque Natural da Serra da Estrela sofreram um acentuado declínio como resultado de um surto de quitridiomicose, doença que pode levar à extinção local da espécie.

A quitidriomicose é uma doença infeciosa causada pelo fungo Batrachochytrium dendrobatidis que é reconhecida, na atualidade, como uma das duas mais sérias ameaças globais para os anfíbios. Com efeito, o fungo que se pensa ter tido origem em África e que se espalhou por todo o mundo já causou várias extinções, tendo o primeiro caso de infeção na Península Ibérica sido registado há cerca de 10 anos.

Em agosto de 2009 foram encontradas centenas de sapos-parteiros-comuns mortos nas água de um lago e nas suas imediações, no interior do Parque Serra da Estrela (PNSE), o que motivou a realização de um estudo para determinar o impacto de uma nova epidemia da doença nas populações da área protegida. Este trabalho foi levado a cabo em 2010 e 2011, por uma equipa liderada pelo biólogo Gonçalo M. Rosa, investigador do Durrell Institute of Conservation and Ecology (Universidade de Kent) e do Centro de Biologia Ambiental da (Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa).

Os resultados da investigação revelaram que as populações de sapo-parteiro-comum do PNSE se encontram numa situação precária, e sugerem que isto pode ter sido causado por um surto de quitridiomicose. Com efeito, os investigadores observaram uma redução de 67% da área de ocorrência da espécie, detetaram uma redução de 84% nos locais de reprodução e verificaram que nos restantes locais (16%) as larvas são menos abundantes e grande parte está infetada pelo Batrachochytrium dendrobatidis. Deste modo, os autores do trabalho concluem que é urgente implementar medidas de conservação para evitar a extinção local da espécie.

Fontes: Filipa Alves/onlinelibrary.wiley.com e www.wildlifeextra.com

sábado, 15 de agosto de 2015

Notícia - Nova espécie de peixe chama-se Obama


Uma espécie de peixe de água doce recentemente descoberta recebeu o nome do atual presidente dos EUA. Outras espécies também descobertas receberam ainda nomes de antigos presidentes e um vice-presidente, pelas credenciais ambientais nas suas ações.

Investigadores atribuíram o nome do atual presidente dos EUA, Barack Obama, a uma espécie de peixe de água doce que recentemente descobriram. Os investigadores descobriram no norte da América cinco novas espécies da família das percas. São pequenos peixes muito coloridos que percorrem os cursos de água e pertencem a um grupo de percas mais comuns no norte de Alabama e no leste de Tennessee.

O Etheostoma Obama, é uma espécie muito pequena, em que os machos atingem 48 mm e que evidencia azuis e faixas laranja. Os investigadores escolheram o nome Obama para esta espécie considerando a liderança ambiental inédita, particularmente no caso das energias renováveis e protecção do ambiente, e por ser dos primeiros líderes norte-americanos com uma visão mais global para conservação e protecção do ambiente.

As outras espécies descobertas receberam nomes de antigos presidentes, também pelas suas credenciais ambientais: Teddy Roosevelt por ter delimitado vastas áreas silvestres para parques e monumentos; Jimmy Carter pelas políticas energéticas e trabalho humanitário após ter sido presidente e Bill Clinton pelas políticas de conservação. A quinta espécie recebeu o nome de um vice-presidente, Al Gore, pelo famoso trabalho ambiental e por ser nativo de Tennessee, tal como a espécie descoberta.

Fonte: Nuno Leitão/Guardian

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Notícia - Acrobacias da Baleia-azul para atacar as presas



As baleias azuis realizam uma série de manobras para atacarem o zooplâncton de surpresa, rodopiando 360º.

Os investigadores do Cascadia Research Collective descobriram que a Baleia-azul faz acrobacias para atacar as presas. Estas baleias engolem 100 toneladas de água em 10 segundos por sucção para se alimentarem do plâncton. Neste trabalho verificaram que estes grandes mamíferos fazem manobras acrobáticas para ganharem direcção e realizar ataques surpresa, rodopiando 360º no ataque.

Estas baleias alimentam-se maioritariamente de Krill, pequenos crustáceos que fazem parte do zooplâncton. Este krill têm respostas para escapar , pelo que as baleias adoptam estratégias de captura que correspondem às acrobacias agora analisadas.

As baleias, depois de se posicionarem com as suas manobras para uma posição surpresa, atacam por baixo as plataformas de plâncton rodopiando e abrindo a boca quando estão a cerca de 180º. terminando com a volta de 360ª, quando ficam novamente na horizontal e preparadas para o ataque seguinte.  

Fonte: Nuno Leitão/BBC

segunda-feira, 27 de julho de 2015

Notícia - Mutualismo, cooperação ou oportunismo?

Organismos de grupos muito distintos estabelecem por vezes relações complexas entre si, nalguns casos de total interdependência. As formas de cooperação, pelo menos aparente, são dos resultados mais fascinantes da evolução da vida.

No mundo natural, quase todos os seres vivem embrenhados numa complexa teia de relações que se estabelecem entre representantes dos diferentes grupos taxonómicos. As relações de predador-presa, herbívoro-planta e de parasita-hospedeiro, são um exemplo disso mesmo. Em todos estes casos, há uma característica em comum: entre os parceiros destas relações existe uma pressão selectiva comum, mas em sentidos opostos. Ou seja, à pressão imposta pelos predadores, herbívoros e parasitas, sobre as presas, as plantas e os hospedeiros, estes últimos respondem com uma contra adaptação para evitar a pressão.

Pelo contrário, no caso das relações mutualísticas, ambos os parceiros beneficiam das pressões selectivas recíprocas, através de um processo que se designa por co-evolução. O que na prática quer dizer que se ajudam mutuamente. Dentro do mutualismo existem muitas modalidades diferentes, mas o factor comum que conduziu os diferentes organismos a evoluir neste sentido permanece ainda por explicar. Na verdade, verifica-se que muitas relações mutualísticas são mais explorações recíprocas, do que esforços cooperativos entre indivíduos.

Em todo o caso, este tipo de relação atrai de forma particular a atenção dos humanos, que facilmente encontram aqui uma analogia com sentimentos como a amizade ou o altruísmo. Mesmo assim se nos debruçarmos mais profundamente sobre o paralelo, as conclusões sobre o porquê da amizade poderiam ser também algo desconcertantes: será que amizade é motivada por questões de altruísmo ou de egoísmo? Afinal, se calhar até as próprias relações entre as pessoas se podem arrumar, pelo menos de forma metafórica, dentro das categorias: predação, parasitismo e mutualismo…

O mutualismo pode, ser ou não simbiótico e pode ser facultativo ou obrigatório. O mutualismo simbiótico, ou simplesmente simbiose, é aquele em que ambos os organismos vivem juntos numa associação física muito próxima e em que pelo menos um deles não poderia viver independente do outro. A simbiose é por isso sempre um caso de mutualismo obrigatório.

Na verdade, apesar das relações de simbiose existirem um pouco por todo o lado, na sua maioria não são nada óbvias, e muitas vezes utiliza-se essa designação (simbiose) de forma abusiva para outros tipos de mutualismo. As relações entre organismos simbiontes são por vezes tão profundas que chega a ser difícil distingui-los. Um exemplo disso é uma associação de algas e fungos que constitui os líquenes. Também no coral, os Celenterados associam-se a algas que lhes fornecem mais de 80% da energia de que necessitam, em troca da retenção de nutrientes essenciais que provêm da sua habilidade em capturar o zooplancton em suspensão no Oceano. Nas raízes de muitas plantas, que vivem em solos pobres, estabelecem-se relações simbióticas com fungos, que em troca da energia fotossintética fornecida pelas plantas fornecem nutrientes minerais que captam do solo.

O mutualismo obrigatório não simbiótico é um tipo de mutualismo mais frequente do que o anterior. Neste caso, os intervenientes dependem um do outro para sobreviver mas não vivem fisicamente tão próximos. A polinização de flores e a dispersão de sementes está em alguns casos absolutamente dependente de um agente, que pode ser um insecto, uma ave, ou outro animal, que dependa desse recurso, néctar, pólen ou fruto, para sobreviver. Também algumas espécies de formigas vivem dentro dos troncos de árvores, que para alem de abrigo, lhes fornecem alimento através de substâncias açucarinas que segregam, em troca de protecção contra insectos desfolhadores. Também as térmitas da savana africana criam fungos dentro dos seus ninhos, que lá encontram as características indispensáveis para se desenvolverem e que lhes degradam parcialmente o alimento.

O mutualismo facultativo ou oportunista não só é o mais frequente, como provavelmente o mais visível de todos os tipos de mutualismo, já que opera em maior escala ao nível dos animais vertebrados.

Para muitas plantas, apesar de não ser a única forma de se reproduzirem, a ajuda prestada por alguns animais torna-se preciosa e em troca fornecem-lhes alimento. Noutros casos, como em alguma orquídeas de florestas tropicais, as flores não fornecem qualquer alimento aos machos das abelhas que as polinizam. Em vez disso, os machos encontram no interior das flores fragrâncias segregadas por células específicas, que utilizam para desenvolver as suas próprias feromonas para atrair as fêmeas. Como essas abelhas visitam orquídeas de diferentes espécies, estas estão adaptadas de forma a que o pólen se deposite numa parte específica do corpo da abelha, de forma a esta poder visitar muitas outras flores sem que o pólen se perca e para, quando vários dias ou semanas mais tarde entrar uma flor da mesma espécie, poder cumprir o seu papel.

Ao nível da dispersão das sementes, as relações mutualísticas entre animais e plantas desempenham também um papel preponderante. Muitas espécies de plantas evoluíram no sentido de produzirem frutos com cores coloridas, odor intenso e um valor nutritivo elevado. Dentro destes frutos existem sementes pequenas, que podem atravessar o tubo digestivo dos animais sem se degradarem. Desta forma, essas plantas convidam diferentes animais a ingerirem os seus frutos e sementes, por forma a excretarem mais tarde as sementes num outro local.

Para além das relações entre animais e plantas, mais raramente também se estabelecem relações entre animais, como algumas aves que catam parasitas em cima de grandes mamíferos. Um outro caso muito curioso disso mesmo, é a cooperação entre uma ave da mesma Ordem dos pica-paus, o Indicador e uma espécie de texugo que habita em África. Estas aves têm a capacidade de encontrar colmeias de abelhas, mas dificilmente consegue extrai-las das cavidades em que se encontram. Por isso, atraem um texugo que com as suas garras afiadas consegue fazer o trabalho. O texugo come o mel e o Indicador ingere as larvas e a cera de que é feito o ninho. Curiosamente, a capacidade para digerir a cera depende, também ela, da existência de bactérias simbiontes no intestino da ave, que lhe fornecem as enzimas necessárias para a digestão. Na ausência de texugos, os indicadores estabelecem esta relação com humanos que também procuram o mel.

O limite entre as relações mutualísticas e outras de outro tipo nem sempre é claro. Será que os tubarões beneficiam de alguma forma da presença das rémoras que os seguem para ingerir os restos de alimento por si deixados? Se lhes fosse absolutamente indiferente seria uma relação de comensalismo. Mas em alguns casos, as fronteiras são tão ténues que pode mesmo ser difícil de distinguir algumas formas de parasitismo de outras de mutualismo. De certa forma, o mutualismo é por vezes um caso de parasitismo recíproco.

A complexidade das relações entre os diferentes seres vivos faz com que, apesar de muito se investigar nesta área da ecologia, como nas demais ciências, o aprofundar dos conhecimentos conduza a um refinar de conceitos que mesmo assim ficarão sempre aquém da complexidade da realidade.


Alexandre Vaz