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terça-feira, 4 de setembro de 2018

A Terra já foi mais quente mas vai bater recorde de 11.000 anos



O aquecimento global de origem humana nas últimas décadas é reconhecido pelos cientistas como uma evidência. Mas ao longo dos últimos 11 mil anos, a Terra ainda foi mais quente. É isto o que sugere um estudo pioneiro, que tentou fazer uma reconstituição mais consistente da temperatura global ao longo de milénios.

O estudo, publicado na revista Science, não deixa porém margem para optimismos: os termómetros estão hoje a um nível em que nunca estiveram em 75% de todo o Holoceno –  a época geológica que se estende desde a última glaciação e que corresponde ao auge da civilização humana – e podem chegar a 2100 ao maior nível de sempre nesse período.

O passado climático da Terra tem sido escrito com base em diferentes fontes. Para o último século e meio, há dados de termómetros. Para além deste período recente, no entanto, é preciso inferir a temperatura a partir de dados indirectos – sejam naturais, como fósseis, ou humanos, como registos históricos.

Para os últimos 1000 anos, as reconstituições basearam-se até agora sobretudo em secções de árvores, calculando-se a temperatura a partir dos anéis de crescimento. É esta a principal fonte que deu origem a um famoso gráfico, produzido por cientistas em 1999 e cunhado como “gráfico do stick de hóquei”, que mostra a temperatura da Terra mais ou menos estável desde o ano 1000, mas com um súbito aumento a partir de 1900.

O novo artigo agora publicado – de autoria de investigadores das universidades norte-americanas do Estado de Oregon e de Harvard – coloca este último capítulo da Terra num contexto maior, dos últimos 11.300 anos. A reconstrução da temperatura média global foi feita através da combinação de 73 conjuntos de dados, de vários pontos do mundo, obtidos através de sedimentos, amostras de gelo e até pólen.

O resultado sugere que houve inicialmente uma subida de aproximadamente 0,6 graus Celsius e que a temperatura manteve-se a um nível elevado entre 9500 e 5500 antes da data actual. Depois, o termómetro baixou 0,7 graus Celsius, lenta e progressivamente, até há mais ou menos um século. E então voltou a subir, mas desta vez exponencialmente.

“Esta investigação mostra que tivemos quase a mesma amplitude de variação da temperatura desde o início da Revolução Industrial do que nos últimos 11.000 anos da história da Terra, mas esta alteração ocorreu muito mais rapidamente”, afirma, num comunicado, Candace Major, da Fundação Científica Nacional, a agência norte-americana destinada ao financiamento da investigação, e que apoiou este projecto.

“Já sabíamos que, à escala global, a Terra é mais quente hoje do que na maior parte dos últimos 2000 anos. Agora, sabemos que é mais quente do que na maior parte dos últimos 11.300 anos”, completa Shaun Marcott, um dos principais autores do estudo, no mesmo comunicado.

Os cenários do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas colocam a temperatura média da Terra em 2100 entre 1,1 e 6,4 graus Celsius mais quente do que a da era pré-industrial. Segundo o estudo, o termómetro global estará, por isso, acima de qualquer nível dos últimos 11 mil anos.

Ainda segundo o estudo, as alterações de longo prazo desde a última glaciação podem em parte ser explicadas com as variações na orientação da Terra. Verões progressivamente menos quentes no Hemisfério Norte terão contribuído para grande parte da descida da temperatura global entre a partir de 5500 anos antes da data presente.

http://www.publico.pt/

segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Matriarca do ambiente



Judith Cortesão: do Porto para o resto do mundo
É difícil encontrar, no Brasil, um ambientalista que não se sinta devedor do legado de Judith Cortesão. No entanto, a vida aventureira desta portuense tem muito mais facetas, convergindo num ponto focal: Judith era uma entusiasta da felicidade geral.

Até à década de 1970, nenhuma criança sabia o que era ecologia, poluição, etc.”, dizia, em 2000, a ambientalista Judith Cortesão, constatando com algum optimismo a clara mudança de mentalidade ambiental que ocorreu nas décadas seguintes. Se a transformação não estava ainda perto de resolver todos os problemas ecológicos, ela era, para esta incansável luso-brasileira, “a maior força de esperança de um futuro em que haja mais dignidade para todos os seres e mais paz entre os homens”.

Através da “formação de quadros”, como gos­tava de dizer, da criação e concretização de projectos nas mais diversas áreas, das pes­qui­sas realizadas ou das batalhas empreendidas em nome da conservação e da integração, Ju­dith (que morreu aos 92 anos, em 2007) foi uma das grandes pioneiras desse processo no Bra­sil, com uma trajectória que lhe rendeu o ape­lido de “matriarca do ambientalismo brasileiro”.

Mas mesmo com o destaque cada vez maior dado aos assuntos ecológicos em todo o mundo e após uma eleição presidencial em que os temas “verdes” pautaram como nunca o debate político brasileiro, o nome de Judith Cortesão manteve-se, de modo geral, restrito aos círculos ambientalistas no Brasil, apesar de os seus feitos serem visíveis por todo o país. Em Portugal, de modo semelhante, pouco se sabe de Judith para além do facto de ser filha do historiador Jaime Cortesão ou de ter sido casada com o filósofo Agostinho da Silva.

Judith não procurava fama ou dinheiro, mas apenas concretizar os seus projectos e mudar as mentes, levasse isso o tempo que levasse. E assim participou, citando uma pequena parte dos seus feitos, em expedições à Antárctida, na concepção de organizações não-governamentais como o SOS Mata Atlântica e o Instituto Acqua, na criação de diversas reservas ecológicas e na redacção da Constituição do Brasil no capítulo dedicado ao meio ambiente, além de ter sido consultora da UNESCO, representante do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional do Brasil (SPHAN), professora de pós-graduação em educação ambiental na Universidade Federal do Rio Grande (Rio Grande do Sul) e muito mais.

Vida de aventura
Para Judith, a vontade de acção, a militância e a busca de aventuras nunca se desligaram de uma insaciável sede de conhecimento. Ao longo da vida, frequentou seis cursos universitários (medicina, letras, biblioteconomia, antropologia, climatologia e meteorologia), estudou desde a espeleologia à história e aprendeu 14 línguas, incluindo árabe e chinês. Mas a sua incrível trajectória começara muito antes de tudo isso, ainda no Portugal do início do século XX.

Cidadã de ideias mais do que de países, como a definiu o intelectual português Manuel António Pina, Maria Judith Zuzarte nasceu no Porto em 1914 e teve uma vida digna de filme. Ainda jovem, mudou-se para Paris, onde cursou letras na Sorbonne, voltando a Portugal para continuar os estudos em Lisboa. Por pouco tempo: perseguida pelo governo de Salazar, a família Cortesão muda-se para Barcelona nos anos 30. Durante a Guerra Civil, o edifício em que vivem é bombardeado e Ju­dith fica ferida num braço. A família foge para França, atravessando os Pirinéus a pé. “Ela muitas vezes me contou dos horrores que presenciou na Guerra Civil. Com certeza foi o despertar da ambientalista, estrategista devota pela preservação da vida em todas as suas formas”, diz Manuel Touguinha, amigo próximo de Ju­dith e seu parceiro em projectos no Brasil a partir dos anos 90.

No fim dos anos 30, Judith é presa pelo regime salazarista quando regressa a Portugal, mas foge da prisão, e em seguida do país, regressando a Espanha. É nessa época, já durante a Segunda Guerra Mundial, que a família se transfere para o Brasil, onde recebe asilo e onde Jaime Cortesão se dedica aos estudos da história do país. Nesse período, convivem com importantes nomes da intelectualidade brasileira, como Manuel Bandeira, Murilo Mendes, Sérgio Buarque de Holanda, Assis Chateaubriand e Cecília Meireles, o que viria a influenciar muito a formação de Judith.

No Brasil, Judith casa com Agostinho da Silva, que também abandonara Portugal perseguido pelo governo de Salazar. Nos anos seguintes, o casal tem seis filhos e mora sucessivamente no Rio de Janeiro, em Itatiaia, em Santa Catarina e também no vizinho Uruguai.  Ali, já separada de Agostinho, durante o regime militar, no início dos anos 70, Judith é novamente presa e torturada, sob a acusação de estar ligada aos guerrilheiros tupamaros. “Contava que deixava os torturadores mais agressivos, porque nos interrogatórios ela dormia profundamente, de propósito, e não sentia os golpes de tortura”, conta Touguinha.

Após passar pelo Chile, pelo Peru e possivelmente por muitos outros lugares (nunca parou muito tempo no mesmo sítio), Judith regressa a Portugal e vive intensamente os dias da Revolução dos Cravos. No final dos anos 70, volta ao Brasil, onde se estabelece e, já com mais de 60 anos, mas com o espírito aventurei­ro de sempre, começa a sua trajectória mais directamente ligada ao ambientalismo.

Ambientalista educadora
Em tudo o que fazia, Judith carregava um persistente optimismo e um olhar profundamente humanista. Com uma visão sempre à frente do seu tempo, compreendeu e difundiu a necessidade de preservação ecológica antes mesmo de o ambientalismo se tornar um movimento organizado, em meados dos anos 80.

E preservar, para ela, significava pensar o homem integrado na natureza, sabendo das necessidades humanas e do dever de melhorar a qualidade de vida, principalmente num país tão desigual como o Brasil. “Nunca vi a Judith dizer: vamos salvar tal coisa em detrimento daquela população. Ou seja, se for preciso desmatar alguma coisa para poder plantar, porque não se tem o que comer, ela achava isso possível”, diz o ambientalista Theodoro Hungria, discípulo de Judith e seu parceiro em projectos no cerrado do país.

Assim, de facto, definir Judith apenas como “ambientalista” ou “ecologista” parece excluir as suas incontáveis outras facetas, ­áreas de interesse e de actuação: a antropóloga, a historiadora, a bióloga ou a médica (idealizou um dos mais importantes centros de formação de médicos na renomada rede de hospitais Sarah Kubitchek). Mas, para ela, falar em ecologia incluía tudo isso e muito mais; incluía animais e homens, natureza e sociedade, desenvolvimento e conservação, já que não compartilhava de uma visão segmentada do mundo. “Tudo era uma grande teia da vida. Nada estava separado e tudo se unia”, explica Touguinha.

Bom exemplo dessa visão é o seu depoimento para o documentário Intérpretes do Brasil, no qual explica aspectos da colonização brasileira e da mentalidade portuguesa da época a partir da beleza da ecologia marinha: “Os relatos [dos portugueses] falam da transparência das ondas e dos pequenos peixes rubros. Aquelas ilhas representavam o triunfo da vida sobre a matéria (...), eram cheias de coisas extraordinárias. Tudo isso é natural que tenha levado os navegadores ao mito, que tenha feito com que o Brasil, pela circunstância do esplendor e da variedade de sua paisagem, virasse a terra, por excelência, do mito.”

É difícil encontrar entre os mais importantes ambientalistas brasileiros de hoje (nas ONG, nas universidades, no governo, etc.) quem não tenha tido alguma influência, directa ou indirecta, de Judith. A sua vontade de formar “agentes multiplicadores de educação ecológica”, fossem crianças ou jovens universitários, moradores das comunidades, políticos e gente variada, parece ter resultado.

Legado de direitos e deveres
“Ela nunca falava com o cargo, ela falava com a pessoa. Então, era um relacionamento humano, em todos os sentidos. Você via almirantes trocando confidências com a Judith da mesma maneira que o pescador, um indígena ou um ambientalista. E essa facilidade dela de falar com as pessoas e ir encantando, isso teve um peso muito grande”, diz Clayton Ferreira Lino, presidente da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, um dos projectos que teve a mão de Judith.

O seu encanto fazia parte da sua estratégia. E com essas estratégias Judith foi criando infindáveis projectos ao longo da vida. Quando eram tantos que não podiam ser executados pela própria criadora, Judith instigava os seus discípulos a levá-los por diante. “Todos os dias nascia um projecto novo”, conta Touguinha. E foi com ele, em 1998, que a senhora Cortesão se mudou para Ilópolis, uma pequena cidade de colonização italiana no Sul do Brasil, onde concebeu, além de projectos ecológicos, a recuperação dos históricos moinhos de farinha da região.

Já muito doente e fragilizada, Judith muda-se para a Suiça em 2002, para cuidar da saúde e para “estar com os meninos”, já que a maioria de seus filhos vivem na Europa. Em 2003, ainda regressou ao Brasil para receber do presidente Lula da Silva a Grã-Cruz da Ordem do Mérito Cultural Brasileiro, o que fez com grande satisfação e a sensação do dever cumprido. Em 2007, morreu na Suiça, sem deixar fortuna (fora a grandiosa colecção de livros e de artesanato), mas legando muitos olhos abertos para “o esplendor da vida no planeta”, e atentos para os deveres que este esplendor implica.

M.G.F.
SUPER 154 - Fevereiro 2011

sábado, 11 de agosto de 2018

O que diz a Antárctida



Estudar o aquecimento global no meio do gelo
Durante um mês, acompanhámos o trabalho e partilhámos o frio com os cientistas norte-americanos na base polar Palmer, onde se estudam os efeitos das alterações climáticas.

Da ponte do navio oceanográfico, vemos surgir seis construções de metal ondulado à luz cremosa do amanhecer. Chegámos à mais pequena das três estações de investigação norte-americanas na Antárctida, a mais distante do Pólo Sul geográfico. Ancorada num promontório rochoso na encosta do glaciar Marr, nas margens da ilha de Anvers, a Base Palmer assenta num pedaço de gelo fendido onde nem uma avioneta pode aterrar. É difícil conceber um local mais solitário e isolado.

Este reduto da civilização existe desde 1974 para estudar a comunidade biológica da península antártica, a mais rica do continente branco. Durante um mês, convivemos com as dezenas de pessoas que se dedicam a conhecer a reacção de um ecossistema particularmente sensível à mudança climática, desde a forma como afecta uma simples molécula de água até uma baleia. Alguns dos cientistas já visitam regularmente esta animada estação há quatro décadas.

Devido a diferentes circunstâncias oceanográficas, atmosféricas e geológicas, a península antárctica está a aquecer até cinco vezes mais depressa do que o resto do planeta. Através do projecto Investigação Ecológica a Longo Prazo (LTER, nas siglas em inglês), coordenado pelo Marine Biological Laboratory (MBL) do Massachusetts, procura-se compreender como irá reagir o resto do globo. Os resultados obtidos em Palmer ao longo de várias décadas são tão exactos e minuciosos que têm constituído a base de diversas legislações e acordos internacionais.

Manda o gelo
Equipados com laboratórios relativamente complexos e seis lanchas Zodiac, os biólogos estudam, ao longo de quase todo o ano, a evolução de aves e peixes, mamíferos marinhos, fitoplâncton, crustáceos, invertebrados, bactérias e o zooplâncton conhecido por krill, principal fonte de alimento dos habitantes do extremo sul do planeta. Observam igualmente as alterações produzidas na composição química da água, o modo como a luz a penetra e a estrutura dos glaciares.

“A resposta reside no gelo”, assegura Hugh Ducklow, investigador principal em Palmer e director do Centro de Ecossistemas do MBL, que se dedica há décadas ao trabalho de campo na zona. “Quando o seu volume aumenta ou diminui, as alterações químicas, físicas e biológicas associadas a essa variação afectam o planeta a nível global. Configuram a base de muitos processos, numa cadeia que começa no mar e na atmosfera e termina nas nossas despensas e bolsas.”

A diversidade biológica da península antárctica e das suas águas costeiras evoluiu no contexto de um clima que permaneceu relativamente estável durante milénios. Aqui, onde a profundidade do mar desce, abruptamente, dos 700 para os 3000 metros, a corrente circumpolar antárctica despeja na superfície gigantescas quantidades de nutrientes. Esse “tapete rolante” aquático que rodeia o continente, com a força e o caudal equivalentes aos dos dez maiores rios do mundo multiplicados por cem, recebe água quente dos outros oceanos e transfere a temperatura para o litoral da península antárctica.

“É neste lugar que principia o efeito dominó”, explica Chris Neill, do MBL. “A brancura do gelo reflecte em direcção à atmosfera 80 por cento dos raios solares, e evita assim que estes aqueçam o planeta. Porém, com a redução da camada de gelo, a água absorve o calor solar e o degelo aumenta, o que faz subir, por sua vez, a temperatura do mar. Deste modo, o ciclo é reforçado: é aquilo a que chamamos ‘amplificação polar’. Por exemplo, o glaciar Marr chegava, anteriormente, a escassos metros dos laboratórios de Palmer. Agora, encontra-se a três quilómetros.”

Icebergues do tamanho de países
Por sua vez, Ducklow avisa que, se o aquecimento prosseguir, “a temperatura invernal subirá acima do ponto de congelação em mea­dos deste século, um acontecimento que provocará enormes alterações no ecossistema”: “O gelo que cobre a superfície marinha diminuiu cerca de 40%, e o tempo de duração dessa camada viu-se reduzido em 80 dias. Nos últimos 25 anos, desprenderam-se plataformas de gelo de tamanho semelhante a pequenos países, como a Larsen B e a Wilkins (de 150 por 110 quilómetros).” Este declínio afecta várias frentes, incluindo as aves marinhas voadoras e os pinguins, que habitam a tripla fronteira entre o gelo, o ar e a água.“

Aqui, havia uma colónia de pinguins-de-adélia (Pygoscelis adeliae); ali outra e, acolá, mais outra”, assinala a bióloga Kristen Gorman enquanto caminhamos, com a neve pelos joelhos, no meio das afiadas arestas de granito da ilha de Torgersen. “Nesta zona, chegaram a viver cerca de 9000 casais; agora, restam menos de 2000. É frustrante”, queixa-se, enquanto inicia uma rápida contagem dos membros da colónia. Com pouco mais de quatro quilos e uma altura de 70 centímetros, o Pygoscelis adeliae é uma das duas espécies de pinguins autóctones do gelo antárctico (a outra é o imperador, Aptenodytes forsteri). Habitam ilhas rochosas no meio do manto de neve e os seus ninhos cónicos são feitos de pedras.

Detemo-nos diante de uma comunidade com cerca de 500 casais, em pleno processo de nidificação. Há um forte odor a guano no ar, mas as biólogas nem se apercebem disso. Machos e fêmeas, alguns com o peito manchado de excrementos, fazem turnos para chocar os seus dois ovos. Colocam-nos mesmo no meio de uma dobra de pele abdominal, revestida de uma espessa rede de vasos sanguíneos que transferem o calor para o ovo. As primeiras crias da estação estão a nascer neste preciso momento; o débil piar perde-se entre o estridente clamor dos adultos, que, surpreen­den­temente, se reconhecem pela voz.

“Os pinguins precisam dos blocos e das extensas camadas de gelo que cobrem o mar para descansar sobre eles. Além disso, se houver menos gelo, são obrigados a nadar para mais longe para obter krill, pois esses crustáceos põem os ovos sob a água em estado sólido”, explica Gorman. Os pinguins-de-adélia formam uma das espécies mais robustas do planeta: parecem esferas de músculo sólido e conseguem nadar quase 6000 quilómetros durante as migrações invernais. Todavia, estão a ficar encurralados pelo aquecimento.

Descobertas inesperadas
“Não se trata apenas da comida”, indica Bill Fraser, director da investigação sobre estas aves, acrescentando: “Com menos gelo, há mais evaporação, o que se traduz num aumento das quedas de neve durante o Verão, a qual se acumula em locais protegidos do vento. É aí, precisamente, que as colónias tendem a estabelecer-se. Quando vem o sol, a neve derrete, inunda os ninhos e mata tanto os ovos como as crias recém-nascidas.”

Alguns exemplares migraram em direcção a Sul. Todavia, como adverte Fraser, há-de chegar o momento, à medida que as temperaturas continuarem a subir, em que já não terão mais Sul para onde ir. Até agora, apenas os 300 mil casais que habitam a península antárctica estão em perigo. Os outros 2,2 milhões de pinguins-de-adélia, distribuídos por outras zonas, encontram-se a salvo. “Mas por quanto tempo?”, interroga-se o especialista. Enquanto diminui a população dos pinguins-de-adélia, aumenta a do pinguim-gentoo (Pygoscelis papua), de bico vermelho, uma espécie subantárctica destas aves esfenisciformes que evita o gelo, pois depende das águas limpas para obter alimento.

O território onde os cientistas da base Palmer desenvolvem as suas actividades já não é o mesmo. “Em apenas 30 anos, assisti à transformação do sistema polar em subantárctico”, explica Fraser. “A lição número um é que os habitats podem mudar num nanossegundo. Os animais, as plantas e os insectos do planeta já estão a adaptar-se a uma alteração climática moderada, adiando as datas de migração ou os ciclos de acasalamento e floração. Os organismos que não se adaptam desaparecerão em muito pouco tempo.”

A confluência de diferentes instrumentos e disciplinas na estação está a dar frutos. Por exemplo, se não seguisse a pista dos pinguins, outro grupo de biólogos não teria descoberto que o fitoplâncton (algas fotossintéticas das quais se alimenta o krill) está a mudar a sua localização na coluna de água. “Descobrimos que, na ausência de gelo, grande parte desse plâncton vegetal tende a concentrar-se nos íngremes declives subaquáticos. O Slocum Glider, um robô autónomo que vai obtendo todo o tipo de parâmetros oceanográficos durante semanas, só teve de seguir os pinguins marcados com transmissores controlados por satélite para descobri-lo. É o género de interacção que enriquece a ciência moderna”, esclarece Alex Kahl, da Universidade de Rutgers (Nova Jersey).

O Slocum Glider é um sofisticado tubo amarelo carregado de sensores. Em 2009, uma versão relativamente maior fez história após atravessar, de forma autónoma, o Atlântico, entre Nova Jersey e os Açores. A versão antárctica ajudou Kahl e o seu colega Brian Gaas a recolher informação sobre a geologia local e a verificar o estado de saúde dos nutrientes marinhos.

“O robô está equipado com um sistema que dispara impulsos de luz ultravioleta”, explica Gaas. “Se estiverem em boas condições, os minúsculos seres vegetais reagem e absorvem ou reflectem os flashes. Usamos também uma grua com sensores para determinar, até aos cem metros de profundidade, até onde penetram os raios solares, assim como os níveis de salinidade e temperatura.” Esses parâmetros são cotejados com outros, como a concentração e a qualidade do krill e das bactérias e a alimentação dos pinguins. A informação ajuda igualmente a interpretar os dados fornecidos pelos satélites.

Um dos elementos essenciais é a quantidade de azoto, na forma de nitrato, que se encontra dissolvida na água. “Esse sal é consumido pelo fitoplâncton, que produz clorofila. Na gíria científica, é costume dizer que é o elemento que determina o seu crescimento. Por isso, é preciso medir a concentração de azoto quase diariamente”, afirma Maggie Waldron, uma jovem bióloga do MBL.

Costeletas de porco e vinho tinto
Sob a neve e as rajadas de vento, ajudamos Maggie a recolher as amostras de água a cinco profundidades diferentes (entre os dez e os 50 metros), sempre nos mesmos dois locais. “Trata-se de verificar o que acontece com os microrganismos (por exemplo, as bactérias), à medida que o Verão avança e tanto a concentração de azoto como os restantes parâmetros se alteram”, explica a bióloga.

De regresso ao laboratório, tiramos o incómodo fato que nos permitiria flutuar no caso de cairmos nas águas gélidas (estão a um grau negativo) e começamos a processar as amostras antes de as condições ambientais em que foram recolhidas se alterarem demasiado. Depois, voltamos ao conforto da estação. O almoço consiste em costeletas de porco acompanhadas de vinho tinto. As grandes janelas da cantina dão para a baía, povoada por blocos de gelo esculpidos em formas caprichosas. Três baleias-corcunda deixam ver as suas caudas dentadas enquanto se aproximam do cais. “A grande diferença em relação aos outros mares é que o plâncton vegetal só pode introduzir biomassa no sistema quando há luz suficiente, isto é, durante o Verão austral. Isso significa que se produz, na época estival, uma enorme alteração energética que penetra na cadeia alimentar”, explica Alex Kahl.

“Isso leva-nos a pensar na variação dos níveis de gelo formados sobre o mar”, prossegue este perito em ecossistemas polares, enquanto observo os cetáceos com os binóculos. “Os pinguins-de-adélia precisam de uma plataforma gelada para repousar durante as suas expedições em busca de alimento. Todavia, nos últimos tempos, essa camada começou a deslocar-se para Sul, onde chega menos luz do Sol. O problema é que será difícil, nessas zonas mais austrais e sombrias, prosperar o plâncton vegetal responsável pela função da fotossíntese.”

O dia extingue-se numa claridade leitosa tingida de tons alaranjados, rosa e violeta. O fulgor estival coloca os investigadores sob o risco de sofrerem de extremo cansaço: esquecem-se, simplesmente, de dormir. Os 35 comensais dispersam em todas as direcções. Uns vêem vídeos sentados em cómodos sofás de pele; outros tiram fotos das mil faces do gelo; há os que escrevem diários e os que marcam encontro no fumegante jacuzzi voltado para a baía.

Os peritos em baleias ainda não chegaram à estação. Ao longo dos anos, aprenderam a ajustar as suas deslocações e horários aos das baleias-corcundas. Todavia, este ano, os cetáceos parecem ter-se antecipado aos humanos. Será melhor os cientistas adaptarem os seus itinerários aos novos ciclos biológicos.

A.P.S.
SUPER 154 - Fevereiro 2011

quinta-feira, 9 de agosto de 2018

Temos um ano para salvar o Planeta

A comunidade internacional foi advertida, esta segunda-feira, na abertura da conferência sobre alterações climáticas, em Poznan, oeste da Polónia, de que dispõe de um ano para se reunir e salvar o Planeta de um aquecimento fatal.

No encontro foi lançado um apelo para que seja concluído, no fim de 2009, em Copenhaga, um acordo global ambicioso no intuito de travar as alterações climáticas, apesar das dificuldades agravadas pela crise financeira.

Perante 9.000 delegados, cerca de 185 países reunidos a partir de hoje, e até 12 Dezembro, para a XIV Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas, o presidente dos trabalhos e anfitrião do encontro, o ministro do Ambiente polaco, Maciej Nowicki, considerou que "a humanidade, através dos seu comportamento, já levou o sistema do Planeta ao seu limite".

"Continuar assim provocaria ameaças de uma intensidade nunca vista: enormes secas e inundações, ciclones devastadores, pandemias de doenças tropicais (...) e mesmo conflitos armados e migrações sem precedentes", afirmou, aconselhando os negociadores a não "cederem aos obscuros interesses privados (quando) devemos modificar o perigoso rumo que a humanidade tomou".

O presidente do Grupo de Peritos sobre a Evolução do Clima (GIEC) e prémio Nobel da Paz de 2007, Rajendra Pachauri, referiu também os graves impactos da "inacção".

Um número suplementar de pessoas, mais 4,3 mil milhões a 6,9 mil milhões, ou seja, "quase a maioria da humanidade", que vive nas grandes bacias fluviais, arrisca-se a ser afectado pela seca, alertou.

Em Dezembro de 2007, a conferência de Bali fixou um roteiro que deveria levar os 192 Estados signatários da Convenção da ONU sobre as alterações climáticas (CNNUCC) à conclusão, até 2009, de novos compromissos contra o efeito de estufa.

Esses compromissos foram reforçados e alargados para incluir os Estados Unidos e as grandes economias emergentes, entre as quais a China, que se tornou o primeiro poluidor mundial.

Até hoje, apenas 37 países industrializados (todos, excepto os Estados Unidos) que ratificaram o Protocolo de Quioto estão obrigados a uma redução de emissão de poluentes, no período entre 2008 e 2012.

"O trabalho que vos espera é, ao mesmo tempo, difícil e crítico: mas perante cada dificuldade surgem oportunidades, se souberem concentrar-se naquilo que vos une em vez daquilo que vos divide", afirmou o secretário executivo da Convenção da CNNUCC, Yvo De Boer.

"Têm um ano, de agora, até Copenhaga. O tempo voa. É preciso andar a uma velocidade superior", disse, admitindo que a crise financeira vai complicar a tarefa.

"A realidade é que mobilizar os recursos financeiros à escala necessária constituirá um verdadeiro desafio", disse.

Contudo, ressalvou, esta "crise não nos deve impedir de nos comprometermos no que diz respeito ao clima ou à redução da pobreza", considerou o primeiro-ministro dinamarquês, Anders Fogh Rasmussen.

"Não nos podemos permitir abrandar o passo", afirmou, por sua vez, Brice Lalonde, embaixador de França para o clima, país que detém actualmente a Presidência rotativa da União Europeia. JN

quarta-feira, 1 de agosto de 2018

Porto Rico aprova lei para proteger maior tartaruga do mundo


Chama-se Corredor Ecológico Nordeste, tem 14 quilómetros quadrados e é a mais recente área protegida na ilha de Porto Rico, nas Caraíbas. É um dos locais onde a tartaruga-gigante, também conhecida como tartaruga-de-couro, desova.

A tartaruga-gigante é a maior de todas as tartarugas, podendo pesar 600 quilos e medir dois metros de comprimento. A carapaça tem uma camada de pele, daí o seu nome. A espécie está em perigo crítico de extinção e é uma das mais ameaçadas devido à caça, apesar de viver no oceano e ter vários locais no mundo onde faz a desova. A nova lei aprovada, depois de 15 anos de luta legal.

“Este recurso importante, muito valioso em termos ecológicos, vai ser protegido para sempre. Está a ser feita história”, diz o governador de Porto Rico, Alejandro Garcia Padilla, citado pela BBC News.

A área protegida estende-se ao longo de 21 quilómetros de comprimento, abrangendo vários ecossistemas, com centenas de espécies diferentes, 50 das quais estão ameaçadas. Além da tartaruga-gigante, na baía abrangida pela área protegida vivem microorganismos que brilham no escuro, devido à sua bioluminescência.

Esta vitória, comemorada pelos ambientalistas, foi o capítulo final de uma luta intensa. Por diversas vezes a lei foi adiada, porque políticos e autarcas queriam fomentar o turismo para desenvoler a economia da região. Vários projectos de mega-hotéis, campos de golfe e de casas de luxo foram desenhados para aquela parte da ilha, mas foram sendo sucessivamente recusados.

Apenas 8% do território da ilha – que tem um décimo da área de Portugal continental – estão protegidos. É uma percentagem pequena quando comparada com as Ilhas Virgens norte-americanas, onde 54% do território é protegido, ou com a República Dominicana, em que 42% da ilha é protegida.

Cerca de um terço do Corredor Ecológico Nordeste está nas mãos de privados, e o Estado vai ter de comprar este território. Mas, a partir de agora, os mais de 400 ninhos de tartarugas que existem ao longo do corredor vão deixar de ter o futuro ameaçado.

Uma das ideias para a região é o desenvolvimento de turismo ecológico, com caminhadas e observações da eclosão dos ovos das tartarugas.

http://www.publico.pt/

sexta-feira, 27 de julho de 2018

Alterações climáticas podem levar lince-ibérico à extinção neste século



Modelo mostra que nas próximas décadas o Sul da Península Ibérica deixará de ter condições para o felino mais ameaçado da Terra. Paradigma de conservação tem de mudar para salvar a espécie, defende estudo

O lince-ibérico é o felino que está mais próximo da extinção. Na última década, o número de animais não ultrapassava na natureza a centena e meia. Em Portugal, avistar um deles passou a estar no patamar dos sonhos, com uma ou outra excepção. Os imensos esforços de conservação reverteram, para já em Espanha, esta tendência e a população de linces tem aumentado. Mas de acordo com um novo estudo, este esforço não chega. As alterações climáticas podem mudar, em poucas décadas, as paisagens do Sul da Península Ibérica e tornar inviáveis as regiões onde hoje o felino tem condições para viver: se nada for feito, o lince desaparecerá da face da Terra ainda neste século, avança um artigo publicado agora na revista Nature Climate Change.

"As alterações climáticas vão rápida e severamente diminuir a abundância do lince e provavelmente levar à extinção da espécie na natureza dentro de 50 anos, mesmo que haja um forte esforço global de mitigar as emissões de gases com efeito de estufa", avança o artigo da equipa internacional que conta com dois portugueses.

A equipa teve em conta os cenários anuais do clima futuro na Península Ibérica fornecidos pelo Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas das Nações Unidas, mas cruzou esses dados com a ecologia das populações de lince-ibérico e coelho-selvagem. "A maior parte dos modelos aborda as alterações climáticas e os solos, nunca aborda as interacções bióticas", explica ao PÚBLICO Miguel Araújo, coordenador do estudo e que divide o seu tempo entre a Universidade de Évora e o Museu Nacional de Ciências Naturais de Madrid.

Para sobreviver na natureza, o lince-ibérico (Lynx pardinus) está dependente do coelho-bravo (Oryctolagus cuniculus), que perfaz 90% da alimentação do felino. Nas últimas décadas, o coelho tem-se debatido com duas doenças que dizimaram as populações. Além disto, a diminuição do habitat disponível, a caça e uma terceira doença que afecta o lince-ibérico têm sido fatais para este felino. A área do lince reduziu 33 vezes entre 1950 - quando existiam mais de 5000 animais na Península Ibérica - e 2005. Neste ano, já só ocupava 1200 quilómetros quadrados, em Espanha. E as alterações climáticas podem dar o golpe de misericórdia, se nada for feito. "Se houver menos pluviosidade [um dos efeitos esperados para o Sul da Península Ibérica], há menos vegetação e menos coelhos", diz o biogeógrafo. "Menos coelhos implica menos linces."

O artigo mostra que, na melhor das hipóteses - tendo em conta a conservação actual que só contempla a reintrodução da espécie no Sul e uma mitigação agressiva da emissão de gases com efeito de estufa -, o lince-ibérico tem 89% de probabilidades de extinção. O que ocorrerá por volta de 2065. Apesar de os modelos não incluírem todos os aspectos, "a mensagem qualitativa da extinção nas próximas décadas é robusta", diz o investigador português.

Mas há uma alternativa. "Está nas nossas mãos assegurar a continuação da espécie, só que isso exige uma alteração de paradigma", defende o biogeógrafo. "Se tivermos uma política de reintrodução do lince-ibérico tendo em conta critérios geográficos e ambientais, poderemos esperar um aumento da população até aos 800 indivíduos [no final do século]."

Atendendo a esses novos critérios, o lince-ibérico deveria ser introduzido em várias zonas mais a norte da Península Ibérica, como a meseta ibérica, a costa da Catalunha, a zona perto dos Pirenéus e ainda na Beira Alta, a Beira Baixa e Trás-os-Montes. Todos estes locais, onde o lince-ibérico já existiu no passado, vão ter no futuro as condições climáticas para o coelho e o lince viverem.

"A mensagem mais geral é que as políticas de conservação têm de passar a considerar as mudanças de paisagem devido às alterações climáticas", resume o cientista.

Para Eduardo Santos, da Liga para a Protecção da Natureza e um dos coordenadores do Projecto LIFE Lince Moura/Barrancos - um dos potenciais locais onde o lince poderá ser reintroduzido em Portugal -, este artigo é importante quando se pensa na conservação a médio prazo deste felino. "O tempo e o investimento para fazer a conservação é grande e depende do esforço de diferentes entidades, não só das da conservação mas de proprietários, agricultores, caçadores e da sociedade em geral", considera. "A reintrodução sozinha não tem sucesso", diz.

Mas Eduardo Santos concorda com esta nova equação que inclui os efeitos das alterações climáticas: "Enquanto novo paradigma, faz todo o sentido."

Noticia retirada daqui

quarta-feira, 25 de julho de 2018

Um em cada cinco répteis está ameaçado de extinção



Aproximadamente um em cada cinco espécies de répteis está em risco de desaparecer para sempre da Terra, segundo um estudo que faz pela primeira vez uma avaliação global da situação desta classe de animais.

No estudo, publicado na revista Biological Conservation, cientistas avaliaram uma amostra aleatória de 1500 espécies de répteis e concluíram que 19% estão ameaçadas de extinção. Não havia, até agora, uma indicação fidedigna do estado dos répteis a nível global. A Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas, mantida e actualizada anualmente pela União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), identifica 807 répteis “criticamente ameaçados”, “em perigo” ou “vulneráveis”. Mas apenas 39% das 9547 espécies descritas de répteis foram até agora avaliadas, segundo dados da Lista Vermelha. E a avaliação não tem sido sistemática, incidindo mais sobre determinadas áreas do globo ou sobre alguns tipos de répteis.

Está em curso uma avaliação completa dos répteis do mundo (Global Reptile Assessment). Mas enquanto isso não fica concluído, o estudo agora publicado oferece um atalho, através de uma amostra com representatividade global. “É basicamente um retrato imediato do estado dos répteis”, disse ao PÚBLICO Philip Bowles, da Comissão de Sobreviência das Espécies da UICN e um dos autores principais do estudo.


Cerca de duas centenas de cientistas, de vários países, estiveram envolvidos nesta avaliação. Os resultados serão validados à medida que a avaliação global dos répteis for avançando, explica Philip Bowles.

A percentagem estimada de espécies ameaçadas não é tão grande como a da classe dos anfíbios – onde duas em cada cinco corre o risco de se extinguir. “Não é tão mau como poderia ser. Mas não são boas notícias”, afirma Philip Bowles.

As espécies ameaçadas concentram-se sobretudo nas regiões tropicais, onde têm sido vítimas da destruição do seu habitat, para dar lugar à agricultura ou à exploração de madeira. Os répteis de água doce apresentam maior número de espécies em risco: 30% no total e 50% só para as tartarugas.


De acordo com Philip Bowles, o estudo, embora seja apenas uma primeira abordagem à escala global, permite identificar desde já espécies para as quais é prioritário adoptar medidas de conservação.

sábado, 28 de outubro de 2017

Quase mil carros elétricos vendidos em Portugal em oito meses


Uma análise das emissões do ciclo de vida dos veículos revela que "os automóveis elétricos emitem menos emissões do que os carros a motor gasóleo"

Quase mil carros elétricos foram vendidos em Portugal até final de agosto, tendo sido atingida a quota de apoio do Fundo Ambiental, segundo divulgou esta quinta-feira a associação ambiental Zero que sublinha as vantagens destes veículos.

Em comunicado, a Zero defende que o Fundo Ambiental tenha uma maior quota de apoio em 2018, tendo em conta que a deste ano foi atingida em oito meses.

Uma análise das emissões do ciclo de vida dos veículos, conduzida pela Universidade Vrije de Bruxelas para a Federação Europeia de Transportes e Ambiente (T&E), de que a Zero é membro, revela que "os automóveis elétricos emitem menos emissões do que os carros a motor gasóleo".

"Mesmo em países com a maior intensidade de gases de efeito estufa da geração de eletricidade - Polónia e Alemanha - o veículo elétrico funciona melhor durante o ciclo de vida (incluindo as emissões na fabricação da bateria e do veículo) do que o automóvel a gasóleo", prossegue a Zero, em comunicado.

A T&E concluiu que "a revolução do veículo elétrico levará a um aumento acentuado da procura por metais críticos, mas as evidências mostram que não haverá restrições de oferta se houver investimentos em novas minas e processos. A indústria deve, no entanto, garantir que os minerais sejam obtidos de forma sustentável".

"Se toda a energia elétrica for proveniente de fontes renováveis, o impacte em termos de emissões de gases de efeito de estufa considerando o ciclo de vida dos automóveis elétricos será seis vezes e meia vezes menor por comparação com os veículos a gasóleo", prossegue a Associação Sistema Terrestre Sustentável.

Informação retirada daqui

segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Austrália cria a maior rede mundial de parques marinhos


A Austrália criou esta sexta-feira a maior rede mundial de parques marinhos, com mais do dobro da área da União Europeia.

São 2,3 milhões de quilómetros, repartidos por diferentes áreas ao largo da costa ao redor do país, incluindo uma vasto perímetro no Mar de Corais, que circunda a Grande Barreira de Recifes.

Nas áreas mais sensíveis agora classificadas, a exploração de petróleo e de gás, bem como a pesca comercial, serão limitadas. O objectivo é proteger a biodiversidade. “Não queremos que as pessoas saibam o quão magnífico são os nossos oceanos através de aquários ou assistindo ao “À Procura de Nemo”, disse o ministro australiano do ambiente, Tony Burke.

A decisão não foi bem recebida pela indústria pesqueira e também pelo sector da pesca desportiva, que também será interdita nalgumas áreas.

O Governo argumenta, no entanto, que as novas reservas marinhas irão afectar apenas um por cento da pesca comercial e que a maioria dos usos recreativos – como os mergulhos – será permitida.

Noticia retirada daqui

domingo, 15 de outubro de 2017

Estudo revela que espécies invasoras podem desencadear extinções em massa

A chegada de espécies invasoras a um ecossistema pode ser grave o suficiente para travar a formação natural de novas espécies e desencadear extinções em massa, revela um estudo da Universidade norte-americana de Ohio publicado na revista “PLoS ONE”.

Alycia Stigall estudou o colapso da vida marinha no planeta há entre 378 e 375 milhões de anos e concluiu que os ecossistemas que hoje lutam contra a perda da biodiversidade podem ter o mesmo destino.

O planeta já passou por cinco grandes extinções em massa mas a crise ambiental que ocorreu no fim do Devónico terá sido especial. “Referimo-nos ao fim do Devónico como uma extinção em massa. Mas na realidade foi uma crise da biodiversidade”, contou Alycia Stigall, citada em comunicado pela National Science Foundation.

Com base no estudo de um bivalve, dois braquiópodes e um crustáceo, a investigação, publicada a 29 de Dezembro, sugere que as espécies invasoras travaram a formação de novas espécies naquele período. Aqueles pequenos animais marinhos estavam entre os habitantes mais comuns nos oceanos do final do Devónico, período durante o qual apareceram as primeiras florestas e ecossistemas terrestres e que os anfíbios começaram a caminhar na terra. Com a subida do nível dos mares e a transformação dos continentes, algumas espécies tiveram acesso a ambientes onde nunca tinham estado. As espécies invasoras, mais resistentes, tornaram-se dominantes e erradicaram as espécies mais especializadas. Todo o ecossistema marinho entrou em colapso. Os corais que formavam recifes foram dizimados e estes só voltaram a aparecer no planeta cem milhões de anos depois. Os peixes gigantes, as esponjas e os braquiópodes entraram em declínio drasticamente.

Stigall considera que esta investigação é relevante no cenário actual de crise da biodiversidade, numa altura em que a actividade humana introduziu grande número de espécies invasoras em novas ecossistemas. “Mesmo que consigamos travar a perda de biodiversidade, o facto de estarmos a mover todas estas espécies invasoras pelo planeta vai adiar a recuperação natural. Tudo porque o elevado nível das invasões suprime o ritmo a taxa de especiação de forma substancial”, comentou Stigall, cuja investigação foi financiada pela American Chemical Society e pela Universidade de Ohio.

segunda-feira, 19 de junho de 2017

Seis milhões de árvores plantadas através de buscas na internet


“Donald Trump”, “Óscares 2017”, “Emma Watson”, “Festival da Canção”. A pesquisa de expressões ou até de perguntas é uma tarefa comum do quotidiano. Um acto quase mecânico, sem importância, que não merece reflexão. Mas, e se cada clique fizesse a diferença? Uma pequena empresa sediada na Alemanha tornou isso possível.

Fundada por Christian Kroll, em Dezembro de 2009, o Ecosia é um motor de busca amigo do ambiente, disponível para telemóveis e também em versão desktop. A premissa do projecto é doar pelo menos 80% das receitas geradas através de anúncios publicitários a projectos de reflorestação. Agora, ao atingir a marca das seis milhões de árvores, o próximo e ambicioso objectivo é o de plantar outras mil milhões até 2020.

A empresa alemã colabora actualmente com quatro programas de reflorestação no Peru, Burkina Faso, Madagáscar e Indonésia. Para comprovar os resultados, a empresa publica no seu site relatórios financeiros mensais, bem como vídeos e fotografias do trabalho desenvolvido. A responsável de comunicação do Ecosia diz que “tornar visível o impacto positivo que eles [os utilizadores] nos ajudam a atingir” é também uma maneira de solidificar a relação de confiança com os consumidores.

De acordo com dados fornecidos por Jacey Bingler, a empresa tem neste momento quase cinco milhões de utilizadores. Apesar de a maioria pertencer a países de língua francesa ou alemã, Bingler destacou o facto dos utilizadores portugueses terem triplicado nos últimos meses.

Mas como decidem onde plantar as árvores? Para ter a certeza que “cada euro investido tem o maior impacto positivo possível”, Pieter van Midwoud explica que a empresa rege-se por um conjunto bem definido de regras e directrizes. O responsável pela supervisão de todo o processo de plantação das árvores diz que o objectivo dos projectos de reflorestação é restaurar o ambiente, mas também melhorar a qualidade de vida das pessoas que vivem nas zonas afectadas desflorestação.

A empresa, explica van Midwouw, assume como áreas prioritárias de intervenção “as mais pobres do mundo, onde se pode fazer uma diferença maior na vida das pessoas”. E, ao mesmo tempo, as que são qualificadas como "hotspots de biodiversidade", seguindo o conceito estabelecido pelo ecologista britânico Norman Myers: "Áreas do nosso planeta que possuem espécies vegetais e arbóreas que são completamente únicas a essa região, mas que estão criticamente ameaçadas devido à forte deflorestação causada pela agricultura, cortes ilegais de madeira, mineração, entre outros”, explicou. 

No entanto, explica Bingler, também está a ser analisada a colaboração com organizações europeias. "É possível que, num futuro próximo, comecemos a plantar árvores na Europa"..

Em Dezembro de 2016, a Quercus alertou para dados que indicam que Portugal é o 4º país do mundo com maior taxa de desflorestação, com uma perda de 24,6% entre os anos de 2001 e 2014. No topo da lista de países com maior perda no mesmo período está a Mauritânia com 99,8%, seguido do Burkina Faso com 99,3% e Namíbia com 31%. Os dados são da Global Forest Watch (GFW), uma rede internacional de monitorização do fenómeno.

“Entre 2001 e 2014, Portugal perdeu 566.671 hectares de floresta e, entre 2001 e 2012, ganhou 286.549 hectares, o que revela menos 280.122 hectares de área florestal”, pode-se ler no comunicado da Quercus. “A situação é mais preocupante para o nosso país pois apenas três países apresentam pior desempenho do que Portugal, e todos eles têm vastas regiões desérticas e ou estão na orla de desertos.”


Para tentar combater a evolução da desflorestação em Portugal, António Costa anunciou na passada quarta-feira que a reforma florestal arrancará já no dia 21 deste mês. No encerramento da cerimónia que assinalou o “Dia da Protecção Civil”, o primeiro-ministro sublinhou a necessidade de tomar atitudes mais rigorosas.

"Infelizmente, estes últimos dez anos não foram devidamente aproveitados. Podemos até ter excelentes meios de combate aos incêndios florestais, mas, ou fazemos agora aquilo que não foi feito nos últimos dez anos ao nível da prevenção estrutural, ou os riscos serão sempre crescentes e os meios sempre crescentemente insuficientes", avisou.

Informação retirada daqui
Texto editado por Pedro Guerreiro

segunda-feira, 27 de março de 2017

Lista de Links Interessantes




Agência Portuguesa para o Ambiente - Link

Legislação Ambiental - Link

 Evolução do Direito e da Política do Ambiente - Link


sexta-feira, 22 de julho de 2016

A Terra já foi mais quente mas vai bater recorde de 11.000 anos



O aquecimento global de origem humana nas últimas décadas é reconhecido pelos cientistas como uma evidência. Mas ao longo dos últimos 11 mil anos, a Terra ainda foi mais quente. É isto o que sugere um estudo pioneiro, que tentou fazer uma reconstituição mais consistente da temperatura global ao longo de milénios.

O estudo, publicado na revista Science, não deixa porém margem para optimismos: os termómetros estão hoje a um nível em que nunca estiveram em 75% de todo o Holoceno –  a época geológica que se estende desde a última glaciação e que corresponde ao auge da civilização humana – e podem chegar a 2100 ao maior nível de sempre nesse período.

O passado climático da Terra tem sido escrito com base em diferentes fontes. Para o último século e meio, há dados de termómetros. Para além deste período recente, no entanto, é preciso inferir a temperatura a partir de dados indirectos – sejam naturais, como fósseis, ou humanos, como registos históricos.

Para os últimos 1000 anos, as reconstituições basearam-se até agora sobretudo em secções de árvores, calculando-se a temperatura a partir dos anéis de crescimento. É esta a principal fonte que deu origem a um famoso gráfico, produzido por cientistas em 1999 e cunhado como “gráfico do stick de hóquei”, que mostra a temperatura da Terra mais ou menos estável desde o ano 1000, mas com um súbito aumento a partir de 1900.

O novo artigo agora publicado – de autoria de investigadores das universidades norte-americanas do Estado de Oregon e de Harvard – coloca este último capítulo da Terra num contexto maior, dos últimos 11.300 anos. A reconstrução da temperatura média global foi feita através da combinação de 73 conjuntos de dados, de vários pontos do mundo, obtidos através de sedimentos, amostras de gelo e até pólen.

O resultado sugere que houve inicialmente uma subida de aproximadamente 0,6 graus Celsius e que a temperatura manteve-se a um nível elevado entre 9500 e 5500 antes da data actual. Depois, o termómetro baixou 0,7 graus Celsius, lenta e progressivamente, até há mais ou menos um século. E então voltou a subir, mas desta vez exponencialmente.

“Esta investigação mostra que tivemos quase a mesma amplitude de variação da temperatura desde o início da Revolução Industrial do que nos últimos 11.000 anos da história da Terra, mas esta alteração ocorreu muito mais rapidamente”, afirma, num comunicado, Candace Major, da Fundação Científica Nacional, a agência norte-americana destinada ao financiamento da investigação, e que apoiou este projecto.

“Já sabíamos que, à escala global, a Terra é mais quente hoje do que na maior parte dos últimos 2000 anos. Agora, sabemos que é mais quente do que na maior parte dos últimos 11.300 anos”, completa Shaun Marcott, um dos principais autores do estudo, no mesmo comunicado.

Os cenários do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas colocam a temperatura média da Terra em 2100 entre 1,1 e 6,4 graus Celsius mais quente do que a da era pré-industrial. Segundo o estudo, o termómetro global estará, por isso, acima de qualquer nível dos últimos 11 mil anos.

Ainda segundo o estudo, as alterações de longo prazo desde a última glaciação podem em parte ser explicadas com as variações na orientação da Terra. Verões progressivamente menos quentes no Hemisfério Norte terão contribuído para grande parte da descida da temperatura global entre a partir de 5500 anos antes da data presente.

http://www.publico.pt/

Matriarca do ambiente



Judith Cortesão: do Porto para o resto do mundo
É difícil encontrar, no Brasil, um ambientalista que não se sinta devedor do legado de Judith Cortesão. No entanto, a vida aventureira desta portuense tem muito mais facetas, convergindo num ponto focal: Judith era uma entusiasta da felicidade geral.

Até à década de 1970, nenhuma criança sabia o que era ecologia, poluição, etc.”, dizia, em 2000, a ambientalista Judith Cortesão, constatando com algum optimismo a clara mudança de mentalidade ambiental que ocorreu nas décadas seguintes. Se a transformação não estava ainda perto de resolver todos os problemas ecológicos, ela era, para esta incansável luso-brasileira, “a maior força de esperança de um futuro em que haja mais dignidade para todos os seres e mais paz entre os homens”.

Através da “formação de quadros”, como gos­tava de dizer, da criação e concretização de projectos nas mais diversas áreas, das pes­qui­sas realizadas ou das batalhas empreendidas em nome da conservação e da integração, Ju­dith (que morreu aos 92 anos, em 2007) foi uma das grandes pioneiras desse processo no Bra­sil, com uma trajectória que lhe rendeu o ape­lido de “matriarca do ambientalismo brasileiro”.

Mas mesmo com o destaque cada vez maior dado aos assuntos ecológicos em todo o mundo e após uma eleição presidencial em que os temas “verdes” pautaram como nunca o debate político brasileiro, o nome de Judith Cortesão manteve-se, de modo geral, restrito aos círculos ambientalistas no Brasil, apesar de os seus feitos serem visíveis por todo o país. Em Portugal, de modo semelhante, pouco se sabe de Judith para além do facto de ser filha do historiador Jaime Cortesão ou de ter sido casada com o filósofo Agostinho da Silva.

Judith não procurava fama ou dinheiro, mas apenas concretizar os seus projectos e mudar as mentes, levasse isso o tempo que levasse. E assim participou, citando uma pequena parte dos seus feitos, em expedições à Antárctida, na concepção de organizações não-governamentais como o SOS Mata Atlântica e o Instituto Acqua, na criação de diversas reservas ecológicas e na redacção da Constituição do Brasil no capítulo dedicado ao meio ambiente, além de ter sido consultora da UNESCO, representante do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional do Brasil (SPHAN), professora de pós-graduação em educação ambiental na Universidade Federal do Rio Grande (Rio Grande do Sul) e muito mais.

Vida de aventura
Para Judith, a vontade de acção, a militância e a busca de aventuras nunca se desligaram de uma insaciável sede de conhecimento. Ao longo da vida, frequentou seis cursos universitários (medicina, letras, biblioteconomia, antropologia, climatologia e meteorologia), estudou desde a espeleologia à história e aprendeu 14 línguas, incluindo árabe e chinês. Mas a sua incrível trajectória começara muito antes de tudo isso, ainda no Portugal do início do século XX.

Cidadã de ideias mais do que de países, como a definiu o intelectual português Manuel António Pina, Maria Judith Zuzarte nasceu no Porto em 1914 e teve uma vida digna de filme. Ainda jovem, mudou-se para Paris, onde cursou letras na Sorbonne, voltando a Portugal para continuar os estudos em Lisboa. Por pouco tempo: perseguida pelo governo de Salazar, a família Cortesão muda-se para Barcelona nos anos 30. Durante a Guerra Civil, o edifício em que vivem é bombardeado e Ju­dith fica ferida num braço. A família foge para França, atravessando os Pirinéus a pé. “Ela muitas vezes me contou dos horrores que presenciou na Guerra Civil. Com certeza foi o despertar da ambientalista, estrategista devota pela preservação da vida em todas as suas formas”, diz Manuel Touguinha, amigo próximo de Ju­dith e seu parceiro em projectos no Brasil a partir dos anos 90.

No fim dos anos 30, Judith é presa pelo regime salazarista quando regressa a Portugal, mas foge da prisão, e em seguida do país, regressando a Espanha. É nessa época, já durante a Segunda Guerra Mundial, que a família se transfere para o Brasil, onde recebe asilo e onde Jaime Cortesão se dedica aos estudos da história do país. Nesse período, convivem com importantes nomes da intelectualidade brasileira, como Manuel Bandeira, Murilo Mendes, Sérgio Buarque de Holanda, Assis Chateaubriand e Cecília Meireles, o que viria a influenciar muito a formação de Judith.

No Brasil, Judith casa com Agostinho da Silva, que também abandonara Portugal perseguido pelo governo de Salazar. Nos anos seguintes, o casal tem seis filhos e mora sucessivamente no Rio de Janeiro, em Itatiaia, em Santa Catarina e também no vizinho Uruguai.  Ali, já separada de Agostinho, durante o regime militar, no início dos anos 70, Judith é novamente presa e torturada, sob a acusação de estar ligada aos guerrilheiros tupamaros. “Contava que deixava os torturadores mais agressivos, porque nos interrogatórios ela dormia profundamente, de propósito, e não sentia os golpes de tortura”, conta Touguinha.

Após passar pelo Chile, pelo Peru e possivelmente por muitos outros lugares (nunca parou muito tempo no mesmo sítio), Judith regressa a Portugal e vive intensamente os dias da Revolução dos Cravos. No final dos anos 70, volta ao Brasil, onde se estabelece e, já com mais de 60 anos, mas com o espírito aventurei­ro de sempre, começa a sua trajectória mais directamente ligada ao ambientalismo.

Ambientalista educadora
Em tudo o que fazia, Judith carregava um persistente optimismo e um olhar profundamente humanista. Com uma visão sempre à frente do seu tempo, compreendeu e difundiu a necessidade de preservação ecológica antes mesmo de o ambientalismo se tornar um movimento organizado, em meados dos anos 80.

E preservar, para ela, significava pensar o homem integrado na natureza, sabendo das necessidades humanas e do dever de melhorar a qualidade de vida, principalmente num país tão desigual como o Brasil. “Nunca vi a Judith dizer: vamos salvar tal coisa em detrimento daquela população. Ou seja, se for preciso desmatar alguma coisa para poder plantar, porque não se tem o que comer, ela achava isso possível”, diz o ambientalista Theodoro Hungria, discípulo de Judith e seu parceiro em projectos no cerrado do país.

Assim, de facto, definir Judith apenas como “ambientalista” ou “ecologista” parece excluir as suas incontáveis outras facetas, ­áreas de interesse e de actuação: a antropóloga, a historiadora, a bióloga ou a médica (idealizou um dos mais importantes centros de formação de médicos na renomada rede de hospitais Sarah Kubitchek). Mas, para ela, falar em ecologia incluía tudo isso e muito mais; incluía animais e homens, natureza e sociedade, desenvolvimento e conservação, já que não compartilhava de uma visão segmentada do mundo. “Tudo era uma grande teia da vida. Nada estava separado e tudo se unia”, explica Touguinha.

Bom exemplo dessa visão é o seu depoimento para o documentário Intérpretes do Brasil, no qual explica aspectos da colonização brasileira e da mentalidade portuguesa da época a partir da beleza da ecologia marinha: “Os relatos [dos portugueses] falam da transparência das ondas e dos pequenos peixes rubros. Aquelas ilhas representavam o triunfo da vida sobre a matéria (...), eram cheias de coisas extraordinárias. Tudo isso é natural que tenha levado os navegadores ao mito, que tenha feito com que o Brasil, pela circunstância do esplendor e da variedade de sua paisagem, virasse a terra, por excelência, do mito.”

É difícil encontrar entre os mais importantes ambientalistas brasileiros de hoje (nas ONG, nas universidades, no governo, etc.) quem não tenha tido alguma influência, directa ou indirecta, de Judith. A sua vontade de formar “agentes multiplicadores de educação ecológica”, fossem crianças ou jovens universitários, moradores das comunidades, políticos e gente variada, parece ter resultado.

Legado de direitos e deveres
“Ela nunca falava com o cargo, ela falava com a pessoa. Então, era um relacionamento humano, em todos os sentidos. Você via almirantes trocando confidências com a Judith da mesma maneira que o pescador, um indígena ou um ambientalista. E essa facilidade dela de falar com as pessoas e ir encantando, isso teve um peso muito grande”, diz Clayton Ferreira Lino, presidente da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, um dos projectos que teve a mão de Judith.

O seu encanto fazia parte da sua estratégia. E com essas estratégias Judith foi criando infindáveis projectos ao longo da vida. Quando eram tantos que não podiam ser executados pela própria criadora, Judith instigava os seus discípulos a levá-los por diante. “Todos os dias nascia um projecto novo”, conta Touguinha. E foi com ele, em 1998, que a senhora Cortesão se mudou para Ilópolis, uma pequena cidade de colonização italiana no Sul do Brasil, onde concebeu, além de projectos ecológicos, a recuperação dos históricos moinhos de farinha da região.

Já muito doente e fragilizada, Judith muda-se para a Suiça em 2002, para cuidar da saúde e para “estar com os meninos”, já que a maioria de seus filhos vivem na Europa. Em 2003, ainda regressou ao Brasil para receber do presidente Lula da Silva a Grã-Cruz da Ordem do Mérito Cultural Brasileiro, o que fez com grande satisfação e a sensação do dever cumprido. Em 2007, morreu na Suiça, sem deixar fortuna (fora a grandiosa colecção de livros e de artesanato), mas legando muitos olhos abertos para “o esplendor da vida no planeta”, e atentos para os deveres que este esplendor implica.

M.G.F.
SUPER 154 - Fevereiro 2011

quarta-feira, 20 de julho de 2016

Partidos vão tentar encontrar consenso para nova Lei de Bases de Ambiente

As propostas da esquerda parlamentar para uma nova Lei de Bases do Ambiente vão baixar à comissão sem votação no plenário para um “debate alargado” sobre a matéria e numa tentativa de se chegar a um consenso.

PS, BE, PCP e PEV levaram ontem ao plenário da Assembleia da República propostas para rever a Lei de Bases do Ambiente, que tem 25 anos e que todos os partidos reconhecem estar desactualizada.

Apesar disso, CDS e PSD não apresentaram projectos de revisão porque o Governo anunciou recentemente a criação de uma comissão e de um conselho consultivo que trabalhará para elaborar uma proposta do Executivo.

A proposta do Governo juntar-se-á, assim, às dos partidos da esquerda e será com base em todos esses documentos que a Comissão Parlamentar de Ambiente trabalhará para tentar chegar a uma solução que seja consensual, tal como aconteceu com a lei ainda em vigor, que foi aprovada por unanimidade, em 1987.

O PS, através do deputado Renato Sampaio, recordou isso mesmo durante o debate de ontem no plenário e defendeu que a nova lei deve também resultar de um consenso o mais alargado possível de forma a “durar” outros 25 anos. Renato Sampaio reconheceu que a tarefa “não é fácil”, até porque é uma área que lida com “grandes interesses económicos”, acrescentando que a nova legislação terá necessariamente de ser “inovadora, equilibrada e realista”.

A deputada dos Verdes, Heloísa Apolónia, considerou ser “fundamental” rever esta legislação, que deixou de responder a questões e realidades que foram surgindo nos últimos 25 anos, e quando em Portugal “deixou de haver definitivamente Ministério do Ambiente, diluído na amálgama do MAMAOT [Ministério do Ambiente, Mar, Agricultura e Ordenamento do Território]”.

Heloísa Apolónia disse que a proposta do PEV “não esgota” todas as possibilidades e contributos e por isso considerou também “extraordinariamente importante um debate na especialidade alargado” para uma nova lei “sólida e robusta”.

Também Catarina Martins, do BE, manifestou a “abertura e o empenho” dos deputados do Bloco para “um debate na especialidade que seja abrangente”, sublinhando a necessidade de iniciar o processo de imediato: “O Ambiente está suspenso há nove meses e não podemos esperar outros 25 anos”, afirmou, numa referência a iniciativas na legislatura anterior que acabaram por não ter consequências.

Pelo PCP, o deputado Paulo Sá destacou que a lei em vigor atribuía ao Estado “um papel determinante” na protecção e na gestão ambiental mas devido à “omissão dos sucessivos Governos”, o Estado “não tem cumprido cabalmente o seu papel”. O deputado reforçou, por isso, a necessidade de contrariar a “estratégia de mercantilização dos recursos naturais e de destruição da riqueza” desses recursos.

O PSD, através do deputado Carlos Abreu Amorim, disse que os sociais-democratas “não estão satisfeitos” com os projectos apresentados ontem e defendeu que a revisão da Lei de Bases do Ambiente não se pode resumir a “um mero ajustamento legislativo” às directivas europeias e garantiu que o PSD “tudo fará” para ser levada a cabo uma verdadeira revisão, apelando ao PS “para se juntar à maioria nesta reforma importante”.

O apelo aos socialistas valeu a Carlos Amorim uma crítica de Heloísa Apolónia, que considerou que o PSD quer “encerrar” o debate entre três partidos (PS, PSD e CDS).

CDS e PSD defenderam que a nova lei deverá ser mais “sucinta” e “clara” do que os projectos apresentados ontem, para ser entendida e acessível a todos os cidadãos.

Porém, sublinhou a deputada do CDS-PP Margarida Neto, todos os projectos apresentados pela esquerda “serão certamente contributos” para o processo que será realizado pela comissão parlamentar.

Temos um ano para salvar o Planeta

A comunidade internacional foi advertida, esta segunda-feira, na abertura da conferência sobre alterações climáticas, em Poznan, oeste da Polónia, de que dispõe de um ano para se reunir e salvar o Planeta de um aquecimento fatal.

No encontro foi lançado um apelo para que seja concluído, no fim de 2009, em Copenhaga, um acordo global ambicioso no intuito de travar as alterações climáticas, apesar das dificuldades agravadas pela crise financeira.

Perante 9.000 delegados, cerca de 185 países reunidos a partir de hoje, e até 12 Dezembro, para a XIV Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas, o presidente dos trabalhos e anfitrião do encontro, o ministro do Ambiente polaco, Maciej Nowicki, considerou que "a humanidade, através dos seu comportamento, já levou o sistema do Planeta ao seu limite".

"Continuar assim provocaria ameaças de uma intensidade nunca vista: enormes secas e inundações, ciclones devastadores, pandemias de doenças tropicais (...) e mesmo conflitos armados e migrações sem precedentes", afirmou, aconselhando os negociadores a não "cederem aos obscuros interesses privados (quando) devemos modificar o perigoso rumo que a humanidade tomou".

O presidente do Grupo de Peritos sobre a Evolução do Clima (GIEC) e prémio Nobel da Paz de 2007, Rajendra Pachauri, referiu também os graves impactos da "inacção".

Um número suplementar de pessoas, mais 4,3 mil milhões a 6,9 mil milhões, ou seja, "quase a maioria da humanidade", que vive nas grandes bacias fluviais, arrisca-se a ser afectado pela seca, alertou.

Em Dezembro de 2007, a conferência de Bali fixou um roteiro que deveria levar os 192 Estados signatários da Convenção da ONU sobre as alterações climáticas (CNNUCC) à conclusão, até 2009, de novos compromissos contra o efeito de estufa.

Esses compromissos foram reforçados e alargados para incluir os Estados Unidos e as grandes economias emergentes, entre as quais a China, que se tornou o primeiro poluidor mundial.

Até hoje, apenas 37 países industrializados (todos, excepto os Estados Unidos) que ratificaram o Protocolo de Quioto estão obrigados a uma redução de emissão de poluentes, no período entre 2008 e 2012.

"O trabalho que vos espera é, ao mesmo tempo, difícil e crítico: mas perante cada dificuldade surgem oportunidades, se souberem concentrar-se naquilo que vos une em vez daquilo que vos divide", afirmou o secretário executivo da Convenção da CNNUCC, Yvo De Boer.

"Têm um ano, de agora, até Copenhaga. O tempo voa. É preciso andar a uma velocidade superior", disse, admitindo que a crise financeira vai complicar a tarefa.

"A realidade é que mobilizar os recursos financeiros à escala necessária constituirá um verdadeiro desafio", disse.

Contudo, ressalvou, esta "crise não nos deve impedir de nos comprometermos no que diz respeito ao clima ou à redução da pobreza", considerou o primeiro-ministro dinamarquês, Anders Fogh Rasmussen.

"Não nos podemos permitir abrandar o passo", afirmou, por sua vez, Brice Lalonde, embaixador de França para o clima, país que detém actualmente a Presidência rotativa da União Europeia. JN

terça-feira, 3 de julho de 2012

Efeitos de alterações ambientais


As alterações que têm ocorrido na atmosfera desde o início do século XX não se verificaram nos componentes maioritários (azoto e oxigénio), mas em componentes vestigiais. O dióxido de carbono, o metano, o ozono e os CFCs são exemplos desses componentes. Durante séculos, foram produzidos e consumidos na Terra, mantendo-se um equilíbrio entre a sua emissão para a atmosfera e a sua retirada da mesma. Quando a velocidade de emissão é superior à velocidade de retirada, os gases vestigiais tornam-se poluentes.
Há dois tipos de causas que explicam o aumento da concentração destes gases na atmosfera: as naturais, nas quais se incluem a actividade vulcânica e a própria biosfera, e as antropogénicas, que resultam da actividade humana. Entre estas últimas encontram-se a desflorestação, os incêndios florestais, a indústria, a agricultura, a circulação automóvel, e a produção de energia eléctrica através da queima de combustíveis fósseis.

Efeito de estufa
O efeito de estufa designa a taxa da temperatura global que é provocada pelo aumento de poluentes gasosos, principalmente o dióxido de carbono. Os gases poluentes absorvem as radiações infravermelhas, impedindo que se libertem para o espaço exterior durante a noite. Consequentemente, verifica-se um aumento da temperatura global, o que está na origem da subida do nível médio das águas do mar, da redução das chuvas, do aumento da desertificação e da destruição de seres vivos.

Camada de ozono
A camada de ozono é uma região pertencente às camadas superiores da atmosfera, entre os vinte e os trinta quilómetros de altitude. O ozono, um gás instável, encontra-se concentrado nesta zona, até cerca de 10 ppm (partes por milhão).
A camada de ozono absorve uma parte importante da radiação ultra-violeta que atinge a atmosfera da Terra e que é muito prejudicial a todas as formas de vida.
Os CFCs são os mais directos responsáveis pelo declínio da camada de ozono. Usados frequentemente como gases propulsores de aerossóis e em aparelhos de ar condicionado, os CFCs, depois de libertados para a atmosfera, sobem e decompõem-se sob a acção da luz solar, sendo os radicais livres resultantes responsáveis pela decomposição do ozono.
A constante destruição da camada de ozono leva a um aumento do raios ultra-violeta, altamente energéticos. Estes raios, ao atingirem a Terra, vão promover a destruição das proteínas e do ADN, provocando cancro de pele, cataratas, alterações no sistema imunitário, danos nas colheitas, nos peixes e no plâncton de que se alimentam.

Chuvas ácidas
Actualmente, as actividades humanas lançam para a atmosfera muitas toneladas de compostos tóxicos como óxidos de enxofre, de azoto, de carbono e fumos que vão para a atmosfera. A chuva reage com estes gases, formando ácidos (nítrico e sulfúrico) que baixam muito o pH normal da chuva.
As chuvas ácidas são muito prejudiciais para os solos, que se podem tornar improdutivos, e para as florestas, pois atacam fundamentalmente as folhas, acabando as árvores por morrer. São também um fenómeno altamente nocivo para o património construído, corroendo os edifícios.

Smog
O termo smog resulta da junção de duas palavras inglesas: smoke (fumo) e fog (nevoeiro) e, tal como o nome indica, é o resultado da mistura de um processo natural (nevoeiro) com os fumos resultantes da actividade industrial e queima de combustíveis fósseis, originando um tipo de nevoeiro que pode ser altamente tóxico.
Pode dividir-se em dois tipos, consoante as suas propriedades físico-químicas: smog ácido, resultante de elevadas concentrações de SO2 atmosférico, e smog fotoquímico oxidante, que resulta da decomposição do NO2 pela radiação solar.
O smog é sempre tóxico e prejudicial aos organismos vivos, afectando sobretudo as vias respiratórias e os olhos, estando ainda presente o risco de envenenamento.