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sexta-feira, 17 de março de 2017

Notícia - Fauna perigosa


Cuidado com as picadas e mordeduras

As férias levam-nos a um contacto mais próximo com a mãe-natureza, desde o frenesim balnear até às actividades mais radicais nas serranias, passando por uma sesta à sombra de uma árvore. O biólogo Jorge Nunes revela alguns dos riscos que podem resultar de encontros indesejáveis com a nossa fauna mais perigosa.

O Verão convida a passeios na natureza e o calor incita aos corpos desnudados, às t-shirts, aos tecidos finos e às sandálias. Como este é o período do ano em que a bicharada anda igualmente mais activa (numa roda-viva à cata de alimento, atarefada com a reprodução ou a alimentar e proteger a prole), tudo se conjuga para acontecerem alguns encontros indesejáveis. Os bichos nem sequer têm a intenção de nos incomodar: se puderem, evitam-nos a todo o custo e fogem a sete pés. Somos nós que, frequentemente, nos chegamos perto demais e os incomodamos ou ameaçamos com as nossas actividades de veraneio. E o mais curioso é que o perigo não vem dos grandes animais da nossa fauna. Alguns dos mais incómodos são até de reduzidas dimensões, uma vez que a perigosidade resulta principalmente dos seus arsenais químicos constituídos por substâncias venenosas (toxinas).

As mordeduras e picadas, muitas vezes, não passam de pequenos sustos e breves momentos de dor. Contudo, principalmente em pessoas alérgicas ou com saúde debilitada e ainda em crianças e idosos, podem ter consequências mais graves, como a reacção anafilática, uma reacção alérgica do organismo ao veneno que pode pôr em risco funções vitais como a respiração e a circulação sanguínea e por isso exige ajuda médica urgente. De igual modo, as ferroadas ou mordidelas infligidas por animais mais invulgares devem ser objecto de aconselhamento médico, pois cada pessoa apresenta reacções específicas às diferentes toxinas. Para quaisquer esclarecimentos sobre picadas e mordeduras de animais, telefone para o Centro de Informação Antivenenos (808 250 143 ou 112), entidade ligada ao Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM), que se encontra disponível 24 horas por dia.

Riscos à beira-mar

No litoral português, não se encontram animais verdadeiramente perigosos. No entanto, as picadas dolorosas dos peixes-aranha, dos ouriços-do-mar, das alforrecas, dos rascassos, das moreias e das raias (os dois últimos só constituem uma verdadeira preocupação para os mergulhadores) podem exigir acompanhamento médico. Apesar de a orla marítima não apresentar grande perigo, convém verificar onde põe os pés, designadamente em poças de água das zonas rochosas (onde podem esconder-se ouriços-do-mar e rascassos). Evite tocar em massas gelatinosas que podem ser alforrecas ou partes dos seus tentáculos e, em zonas em que ocorram frequentemente picadas de peixes-aranha, utilize sandálias de plástico, uma vez que é impossível ver ou prever onde se escondem.

Os peixes-aranha e os rascassos possuem espinhos venenosos nas suas barbatanas dorsais, pelo que as suas picadas não resultam de qualquer ataque, mas de serem pisados inadvertidamente. Os peixes-aranha surgem principalmente em praias arenosas, em águas pouco profundas, enterrados na areia. Picam nos pés quando são pisados e, em casos muito excepcionais, no abdómen das crianças, quando estas se deitam na água para chapinhar em pequenas poças de água. Os rascassos, por seu lado, são habitantes característicos das zonas rochosas, surgindo dissimulados entre a vegetação que atapeta as rochas submersas e as poças de água na maré baixa. Para aliviar a dor provocada pela picada dos peixes-aranha, pode recorrer-se ao calor, colocando o membro afectado em água quente. É ainda recomendável o uso de analgésicos e de antissépticos.

Os crustáceos (caranguejos e afins) e os polvos podem também infligir mordeduras, principalmente quando se introduzem as mãos em buracos ou espaços por baixo das pedras. Já os ouriços-do-mar, completamente revestidos de espinhos, criam algumas situações muito desagradáveis. Normalmente, exigem longas horas de pinça na mão para retirar todos os espinhos que ficam cravados na pele (a aplicação local de vinagre dissolve os espinhos, o que poderá tornar este tratamento menos moroso).

Fortalezas revestidas de veneno

As alforrecas e as caravelas-portuguesas, apesar do seu aspecto singelo e gelatinoso, constituem autênticas fortalezas revestidas pelos nematocistos (aparelhos de injecção de veneno). Trata-se de colónias de animais, com forma semelhante a um guarda-chuva, ou seja, com uma umbrela que serve de flutuador e a partir da qual pendem tentáculos em número e comprimento variável, consoante a espécie. Mesmo depois de chegarem mortas à praia e, por vezes, despedaçadas, os fragmentos de tentáculos mantêm as suas capacidades urticantes e são tão perigosos quanto o indivíduo vivo, pois os nematocistos permanecem activos durante muito tempo após a morte.

O contacto com as alforrecas provoca dor intensa, edema local, cãibras musculares e queimaduras dolorosas, que deixam flictenas (vesículas com líquido que caracterizam as queimaduras de segundo grau) na pele humana. O toque nas alforrecas pode ser especialmente perigoso quando a vítima está a nadar num local sem pé, uma vez que a dor insuportável pode levar o nadador a entrar em pânico, provocando o seu afogamento.

Os danos provocados pelas vesículas saram em dois ou três dias. Porém, nos casos mais graves, é possível que permaneçam cicatrizes por mais de um ano. Os sintomas são a dor aguda e imediata e o prurido persistente, apresentando como lesões os eritemas e as queimaduras. O tratamento, que deve fazer-se com a maior brevidade possível, consiste na remoção imediata dos fragmentos de tentáculos que fiquem presos à pele, seguido da aplicação local de creme gordo e de analgésicos e anti-inflamatórios sistémicos.

Ameaças por via aérea

Do ar, chegam igualmente perigos inesperados, que são perpetrados pelos insectos voadores. Nos himenópteros (insectos que possuem dois pares de asas membranosas), merecem destaque a abelha e a vespa. Uma simples picada de um desses insectos, para além da dor que provoca, pode acarretar situações mais graves. Assim, as pessoas que possuem antecedentes alérgicos devem trazer sempre consigo os “primeiros socorros” prescritos pelo médico, uma vez que pode ser-se picado nos lugares mais inusitados.

A abelha possui um ferrão farpado, ligado a três glândulas de veneno, que fica preso à ferida após a picadela e, caso não seja retirado, continuará a injectar veneno. Como o pequeno insecto fica extirpado aquando da picada, acabará por morrer (só consegue utilizar o ferrão uma única vez). O veneno das abelhas é constituído por várias substâncias (apitoxina, histamina, serotonina, cininas, entre outras). A quantidade injectada por uma única abelha é demasiado pequena para colocar em risco a vida de um ser humano. No entanto, picadas múltiplas, resultantes de um enxame, poderão originar situações potencialmente mortais.

No caso de a vítima ser alérgica, uma única picada pode desencadear igualmente reacções sistémicas graves (como urticária generalizada, reacção asmática ou choque anafilático). Também as picadelas na boca ou nas vias respiratórias superiores constituem sempre motivo de enorme preocupação e de emergência médico-cirúrgica, devido ao facto de o edema local poder obstruir as vias respiratórias e provocar a morte por asfixia. Felizmente, no comum dos mortais, a picada da abelha origina apenas dor intensa e leva à formação de um pequeno inchaço branco rodeado por uma zona avermelhada (que poderá evoluir para um edema local), que se vai desvanecendo nos dias subsequentes.

O tratamento de uma picada de abelha deve começar sempre pela remoção do ferrão para evitar que continue a injectar veneno. Deve seguir-se a desinfecção com um antisséptico, o controlo da dor com aplicação local de gelo e de compressas humedecidas de bicarbonato ou amónia (ajudam a neutralizar o veneno, de características ácidas). Por último, como terapêutica, utilizam-se analgésicos e anti-histamínicos.

A vespa distingue-se com facilidade da abelha devido à sua cor amarelada e às manchas negras nos segmentos abdominais. Este insecto possui um ferrão sem farpelas, pelo que não fica preso à vítima, o que lhe permite infligir picadas múltiplas. O seu veneno também é diferente do da abelha e, devido ao facto de o ferrão não ficar na ferida, é geralmente inoculado em pequena quantidade. No entanto, não há bela sem senão. As vespas podem originar infecções com mais facilidade, uma vez que o ferrão transporta agentes infecciosos, em virtude de se alimentarem de cadáveres em decomposição.

A picada da vespa provoca dor intensa e origina edema e inflamação local que, se não forem tratados, podem persistir até 15 dias. O tratamento é similar ao da picada de abelha, com duas pequenas diferenças: não é necessário retirar o ferrão e, devido ao facto de o seu veneno ter características alcalinas, as compressas de bicarbonato devem ser substituídas por compressas embebidas em vinagre ou sumo de limão (substâncias ácidas).

Nos dípteros (insectos que possuem um par de asas membranosas), incluem-se as moscas, os mosquitos e as melgas, insectos que são também muito incomodativos. As suas picadas, especialmente em destinos exóticos e climas tropicais, podem ter grande importância médica, devido à transmissão de agentes infecciosos de que são vectores. Por cá, as picadas das moscas e de insectos afins provocam apenas dor, podendo em alguns casos levar a inflamação local com formação de inchaço avermelhado e prurido intenso.

O tratamento das picadelas de dípteros é relativamente simples, uma vez que as suas consequências são limitadas e evoluem geralmente de forma rápida e favorável. A aplicação local de gelo, a lavagem com água corrente e a aplicação de uma loção calmante permitem diminuir o sofrimento. O melhor método para evitar estas picadas consiste em utilizar cremes repelentes e fazer nebulizações das casas com insecticidas.

Perigos terrestres

Os passeios pedestres, como não podia deixar de ser, também escondem os seus perigos, que tanto podem vir de pequenas carraças e aranhas como de alguma cobra venenosa que seja perseguida ou importunada.

Apesar de quase todas as aranhas produzirem venenos neurotóxicos (que afectam o sistema nervoso) ou necrosantes (que matam as células), a esmagadora maioria das espécies europeias não possui quelíceras (agulhas de injecção de veneno) suficientemente robustas para perfurar a pele humana. Assim, as picadas de aranha são extremamente raras no nosso país, sendo a viúva-negra-europeia e a tarântula-europeia duas das poucas espécies que poderão incomodar o homem.

A viúva-negra-europeia tem cerca de um centímetro de comprimento, é escura, com algumas linhas brancas, e possui 13 manchas vermelhas vivas no abdómen. Só a fêmea parece ser perigosa, e a gravidade da sua picada varia com a estação do ano e com a sensibilidade da vítima. Embora o seu veneno seja considerado mais tóxico do que o da maioria das serpentes venenosas, devido às suas reduzidas dimensões e à ínfima quantidade que é injectada numa picada, os especialistas consideram que só poderá existir perigo de morte em crianças com peso inferior a 15 quilos.

A picada da viúva-negra pode quase não ser sentida, embora na maioria dos casos exista alguma dor localizada. No local de penetração das quelíceras, notam-se, geralmente, dois pontos vermelhos e surge edema. Dez a quinze minutos após a picadela, aparecem os primeiros sintomas essencialmente neurotóxicos (agitação, abrandamento das frequências cardíaca e respiratória, cãibras musculares generalizadas, suores profusos e hipersalivação, entre outros). O tratamento consiste no repouso absoluto, na colocação de um garrote acima do local da picada e na administração de analgésicos (a colocação de um cubo de gelo sobre o local da picada permite aliviar a dor). As vítimas deverão ser conduzidas à presença de um médico o mais rapidamente possível (assim, evitam consequências maiores, poderão começar a recuperar ao fim de 12 a 24 horas e curam-se em um ou dois dias).

A tarântula que se encontra em Portugal é uma aranha que não produz teia e que usa as cavidades naturais do terreno para se refugiar. As suas patas são robustas e peludas, apresentando o cefalotórax também peludo e vermelho escuro, com bandas castanhas. O abdómen é acastanhado com manchas negras. Apesar do seu aspecto feroz, não é agressiva. Com efeito, só pica quando é atacada e o seu veneno não é dos mais perigosos. Após a picada, pode existir localmente dor não muito intensa, seguida de edema e formação de uma pequena acumulação de pus que acabará em bolhas de água. Esta lesão pode deixar uma ulceração profunda, com necrose e eventualmente gangrena ao fim de uma semana. A cura tardará cerca de seis a oito semanas. Também neste caso, é aconselhável assistência médica com urgência.

Escorpiões ao entardecer

Essencialmente ao entardecer, em zonas secas e pedregosas, os escorpiões (também conhecidos como “lacraus” em muitas regiões do país) deixam os seus abrigos subterrâneos e tornam-se mais activos. A gravidade das suas picadas depende de vários factores, como a quantidade de veneno inoculado, a idade e o peso da vítima e o local do corpo afectado. No que respeita à quantidade de veneno, obviamente que quanto maior for a porção de veneno inoculado, mais graves serão as consequências. No que concerne à idade e ao peso da vítima, quanto menor a idade e o peso, maiores as preocupações, pois o veneno tenderá a ficar em concentrações muito maiores num organismo que possua menor massa corporal.

Quanto ao local da picada, ele é geralmente circunscrito aos membros inferiores e superiores, pois as picadas costumam ocorrer quando se pisam os lacraus com os pés descalços ou se apertam inadvertidamente com as mãos. Felizmente, nas plantas dos pés e nas palmas das mãos, devido à espessa camada epidérmica, a difusão do veneno é geralmente limitada. O mesmo não acontece com outras zonas do corpo onde, apesar de serem muito mais raras, as picadas inspiram cuidados maiores, devido ao perigo de inoculação profunda do veneno.

Após a picada, os sinais no local podem ser quase imperceptíveis, mas a dor é muito intensa e o membro afectado tenderá a formar edema, podendo até ficar temporariamente paralisado. Os sintomas são variados: ansiedade, arrepios, cãibras musculares e hipotensão. A dor manter-se-á várias horas, especialmente se o paciente não for medicado, e os sintomas podem persistir durante vários dias (podendo os neurológicos prolongar-se por mais de uma semana). O efeito do veneno geralmente não é fatal, excepto quando as vítimas são crianças de tenra idade ou sofrem de hipersensibilidade.

O membro afectado tem de ser imediatamente imobilizado e colocar-se um garrote na proximidade da picada. Para controlar a dor, sugere-se a aplicação de gelo ou de cloreto de etilo no local da picada ou de compressas quentes embebidas numa solução de bicarbonato de sódio, para neutralizar o veneno. O acompanhamento médico deve fazer-se com a maior brevidade possível, principalmente quando se trata de crianças, que podem facilmente entrar em estado de choque.

Vectores de bactérias

As carraças, também vulgarmente denominadas “carrapatos”, para além de injectarem neurotoxinas aquando da sua picada, podem ainda ser vectores de diferentes bactérias. A febre da carraça ou dos fenos é apenas um dos exemplos e, se não for tratada, pode levar a afecções articulares, neurológicas ou cardíacas graves. Os primeiros sinais da doença consistem no surgimento de uma grande mancha cutânea nas duas a três semanas após o encontro indesejável, que é usualmente acompanhada de febre, rigidez nas articulações e fadiga intensa. Mas estes parentes afastados das aranhas podem também inocular uma forma benigna de tifo, designada por “tularémia”. Neste caso, a picadela origina febre e manchas vermelhas (semelhantes às do sarampo), que surgem geralmente cerca de quinze dias após a picada. O acompanhamento médico e a utilização de antibióticos adequados costumam resolver o problema com alguma facilidade.

Para nossa felicidade, nem todas as carraças são portadoras de bactérias e como tal nem sempre provocam doenças. As suas picadelas costumam ser indolores, pelo que, após realizar um passeio no meio da vegetação, deve verificar-se a roupa e o corpo para despistar a eventual companhia de um destes parasitas (que se fixa no hospedeiro através da sua zona bucal, o rostro, por onde suga o sangue). Como se fixam firmemente, é conveniente evitar puxá-las, pois poderão partir-se e deixar o rostro preso à pele, podendo originar infecções. Para as remover na sua totalidade, é preferível utilizar algodão embebido em éter, o que provoca a retracção do rostro e fá-las desprenderem-se. O tratamento da picada faz-se essencialmente a nível local, através da utilização de pomadas.

Cobras e víboras

Embora as pessoas em geral nutram pouca simpatia por estes magníficos animais rastejantes, os ofídios (cobras e víboras) tudo fazem para evitar cruzar-se connosco. No entanto, dada a coabitação de algumas espécies com as construções humanas, é natural que ocorram encontros inusitados, que se forem aproveitados para admirar a beleza dos animais, a distância segura, só deixarão boas recordações.

Das dez espécies de ofídios existentes no nosso país, apenas quatro podem ser potencialmente perigosas (as restantes são totalmente inofensivas), uma vez que são as únicas que possuem dentes inoculadores de veneno. Duas dessas, a cobra-rateira e a cobra-de-capuz, embora venenosas, não são consideradas perigosas para o homem, dado que os seus dentes venenosos se localizam na região posterior dos maxilares: só conseguem inocular o veneno ao deglutir as presas. Assim, com dentes inoculadores de veneno que se localizam na região anterior dos maxilares superiores, surgem como eventualmente perigosas apenas duas espécies: a víbora-cornuda e a víbora-de-Seoane.

Apesar da perigosidade da mordedura das víboras, convém lembrar que são répteis habitualmente pacíficos e que facilmente se distinguem das outras serpentes: possuem a cabeça triangular bem diferenciada do pescoço, a pupila vertical, a ausência de placas cefálicas (escamas de grandes dimensões presentes na parte superior da cabeça), uma linha dorsal escura em ziguezague, comprimento inferior a 70 cm, corpo robusto e cauda curta. As suas mordeduras atingem geralmente os membros inferiores, pelo que é aconselhável utilizar calçado protector e calças grossas, especialmente nas zonas rochosas e montanhosas que constituem os seus habitats.

O primeiro sintoma de se ter sido mordido é a dor local, de início súbito e intensidade variável. O edema inicia-se rápida e progressivamente durante as 24 horas seguintes. Os sintomas gerais são habitualmente moderados: ansiedade, hipotensão, hipertermia, dores abdominais, náuseas, vómitos, diarreia nos casos mais graves e ocasionais alterações cardíacas. A evolução é habitualmente benigna, embora possa haver necrose da zona mordida e o edema possa demorar várias semanas a ser reabsorvido.

Mais vale prevenir

A mordedura torna-se muito perigosa e preocupante se a vítima for uma criança ou se ocorrer em zonas do corpo mais sensíveis, como o rosto e o pescoço. Como tratamento inicial, sugere-se o posicionamento da vítima em repouso, a lavagem imediata da ferida com água e a aplicação de gelo no local da mordedura, para acalmar a dor. Um dos procedimentos clássicos consiste ainda na colocação de um garrote, embora exista muita controvérsia sobre a eficácia desta prática. Após estes cuidados iniciais, deve providenciar-se o tratamento hospitalar com a maior brevidade possível.

Como diz o adágio popular, “mais vale prevenir do que remediar”. Por isso, caso se cruze com alguma víbora, afaste-se para uma distância segura e nunca tente capturar ou matar o animal. Lembre-se que essa visão fugaz é um prémio da natureza, pois esses répteis são animais raros e devem merecer o nosso respeito e protecção. Afinal, tal como muitos outros “animais perigosos”, só atacam e mordem se forem incomodados.

Retirado de:
J.N.
SUPER 147 - Julho 2010

Powerpoint sobre Educação Ambiental - Finalidade e Objetivos

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quinta-feira, 16 de março de 2017

Notícia - Como é que as bactérias respiram enxofre? Equipa portuguesa dá a resposta


Em vez de oxigénio, muitas bactérias respiram enxofre, mas alguns passos desta respiração não estão totalmente esclarecidos. Agora desvendou-se um desses passos – uma descoberta com aplicações potenciais na saúde humana ou na indústria do petróleo.

Quem já remexeu nas areias de uma ria durante a maré baixa talvez já tenha reparado que, por debaixo de uma camada fina de sedimentos claros, está outra camada quase negra. Esta cor escura deve-se à presença de bactérias que respiram enxofre em vez de oxigénio. Uma equipa do Instituto de Tecnologia Química e Biológica (ITQB) da Universidade Nova de Lisboa, em Oeiras, em conjunto com cientistas de outros países, desvenda na edição desta sexta-feira da revista Science o mistério do processo de obtenção de energia durante a respiração destes microrganismos.

Afinal, no processo de respiração do sulfato, um dos compostos de enxofre mais abundante na Terra, existe um passo adicional. Sulfato, sulfito e sulfureto? Agora já não é só assim e a nova sequência de passos é esta: sulfato, sulfito, trissulfureto e sulfureto.

Certos microrganismos começam por respirar o sulfato (uma molécula que tem um átomo de enxofre e quatro átomos de oxigénio), que depois é convertido em sulfito (uma molécula de enxofre e três oxigénios) e o resultado final é o sulfureto (um átomo de enxofre sem oxigénio). Só que na passagem do sulfito para o sulfureto existe ainda mais um intermediário, até agora desconhecido – o trissulfureto, uma molécula mais complexa com três átomos de enxofre.

As bactérias que respiram enxofre formam um grupo muito variado e habitam muitos ambientes diferentes. “Onde existe uma maior concentração destes organismos é nos sedimentos marinhos”, conta ao PÚBLICO Inês Pereira, do ITQB, líder deste projecto de investigação. O resultado da sua respiração – o sulfureto – é precisamente o que dá a cor negra aos sedimentos da ria Formosa, por exemplo.

“O sulfato é muito abundante na água do mar. Nas camadas superficiais dos sedimentos, há oxigénio e vivem bactérias que respiram oxigénio. Como têm um metabolismo muito elevado, consomem muito oxigénio, de tal forma que um pouco mais abaixo já não existe oxigénio”, continua a investigadora. Nas camadas inferiores dos sedimentos, vivem outras bactérias, que respiram sulfato. “O sulfureto resultante da respiração reage com os metais existentes nos sedimentos, como o ferro, a que se deve a cor escura dos sedimentos.”

Mas em certos contextos, o sulfureto resultantes da respiração destas bactérias podem ter consequências negativas. “Estas bactérias existem também [naturalmente] nos nossos intestinos. Porém, nalgumas pessoas os sulfuretos podem causar uma resposta inflamatória nos intestinos”, refere Inês Pereira.

Os sulfuretos são também monitorizados, por exemplo, nas explorações petrolíferas no mar, onde o contacto entre estas bactérias presentes na água e o petróleo pode levar à produção de sulfureto, que é tóxico para os trabalhadores e reduz a qualidade do petróleo.

Voltando ao processo de respiração, é através dela que as células obtêm energia dos nutrientes. Durante o processo, libertam-se electrões dos nutrientes que têm de ser transferidos para outro composto químico: “No nosso caso, de cada vez que respiramos os electrões que extraímos dos alimentos são transferidos para o oxigénio, que é reduzido à água que sai na nossa respiração”, explica Inês Pereira.

Mas em ambientes em que não há oxigénio vivem organismos que respiram compostos alternativos, como o sulfato. “As bactérias redutoras de sulfato usam-no em vez do oxigénio e, em vez de produzirem água, produzem sulfureto”, continua a investigadora.

Sabia-se já que durante este tipo de respiração o sulfato, ao receber electrões, passa a sulfito e depois a sulfureto. Sabia-se também que era nesta fase que se produzia energia. Mas não se sabia como se formava o sulfureto nem como se produzia a energia. “Há muito tempo que tentávamos desvendar este mistério do último passo. Em 2008, conseguimos determinar a estrutura das duas proteínas envolvidas neste passo”, conta Inês Pereira.

A partir daqui, a equipa foi estudar o modo de acção destas duas proteínas em dois grandes grupos de seres vivos que respiram sulfato – bactérias e arqueobactérias. Foi um projecto que envolveu a equipa do ITQB durante mais de três anos e que contou com a colaboração de investigadores da Universidade de Bona (Alemanha) e da Universidade de Harvard (Estados Unidos).

Os cientistas isolaram estas proteínas e estudaram como actuavam tanto in vitro como nas próprias bactérias, alterando algumas partes, para compreender a sua acção. E assim desvendaram o mistério: uma das proteínas actua sobre o sulfito, que por sua vez se liga a partes da segunda proteína, formando assim um composto intermédio, o trissulfureto.

Descobriram também que este trissulfureto é depois transformado em sulfureto na membrana da célula — e, como em todos os processos envolvidos na produção de energia na célula, este último passo está associado à membrana celular.

“Agora que percebemos como se dá a produção do sulfureto a nível molecular, podemos arranjar inibidores para este passo”, conclui Inês Pereira. A equipa do ITQB está agora a iniciar esta investigação, que passa por criar moléculas pequenas capazes de impedir a respiração destas bactérias.

A respiração do sulfato é um processo muito antigo. Há 2500 milhões de anos, ainda antes de haver oxigénio na Terra, já existiam bactérias a respirar sulfato. “Mesmo antes disso, desde há 3500 milhões de anos, havia organismos a respirar compostos de enxofre, principalmente sulfito, tiossulfato e o próprio enxofre. O sulfato só apareceu mais tarde na atmosfera.”

A descoberta de um novo passo na respiração do sulfato terá assim implicações para o estudo da evolução do ambiente na Terra, pois os geoquímicos usam as taxas de processamento do enxofre para desenvolver modelos da evolução do ambiente na Terra ao longo das eras geológicas, sublinha um comunicado do ITQB. Esta descoberta afecta estes cálculos e estes modelos terão de ser revistos.

Em suma, a partir de agora os manuais de microbiologia terão de ser reescritos na parte sobre a respiração anaeróbica. E assim passa agora a constar sulfato, sulfito, trissulfureto e sulfureto.

Texto editado por Teresa Firmino
Noticia retirada daqui

quarta-feira, 15 de março de 2017

Notícia - Fundador da Wikipedia promete mais qualidade e facilidade de edição


O fundador da Wikipedia, Jimmy Wales, afirmou-se hoje apostado na melhoria da qualidade e na implementação de programas que facilitem a edição da popular enciclopédia online de acesso livre construída por cidadãos comuns.

"A coisa mais importante que estamos a fazer é ter a atenção da comunidade focada na qualidade, fornecendo-lhes as melhorias de software que precisam para controlar melhor a qualidade do conteúdo", disse Jimmy Wales, em entrevista por e-mail à agência Lusa.

O presidente da Fundação Wikimedia, organização sem fins lucrativos gestora da Wikipedia e de outros serviços em suporte wiki, manifestou-se "satisfeito com o progresso", refletido no facto de "a maioria das pessoas considerar já a Wikipedia bastante útil".

"Queremos tornar o software mais fácil de usar para que mais pessoas nos possam ajudar a editar", referiu, salientando que a Wikipedia precisa tanto de doadores como de editores, porque "todos podem contribuir à sua maneira".

Jimmy Wales reconheceu que o futuro da Wikimedia passa pela colaboração das associações locais ("local chapters"), sublinhando que estas entidades "têm sido bem sucedidas em toda a Europa e, cada vez mais, por todo o Mundo".

"Em todo o mundo, o crescimento dos 'chapters' tem sido muito útil no apoio à popularidade e, sobretudo, à qualidade da enciclopédia", salientou.

Wales afirmou-se "muito entusiasmado" com a recente criação da Associação Wikimedia Portugal, notando que "é o primeiro 'chapter' formal a operar em língua portuguesa, que é atualmente "a nona mais forte" na Wikipedia.

Especialistas e utilizadores da Wikipedia vão reunir-se sexta feira na Exponor, Matosinhos, para analisar formas de melhorar a versão portuguesa da enciclopédia, naquele que será o primeiro evento público da Associação Wikimedia Portugal, criada em 2009.

Na opinião de Jimmy Wales, ainda "há muito a ser feito" para que a Wikipedia, lançada em 2001, atinja o seu objetivo maior: "um mundo no qual cada ser humano possa livremente partilhar a soma de todo o conhecimento".

"Acho que ainda estamos a cerca de 10/20 anos desse objetivo. O nosso crescimento em todas as línguas da Índia é forte, mas o nosso crescimento em línguas africanas ainda é lento. Há muito a ser feito", disse.

A Wikimedia recebeu recentemente um donativo de dois milhões de dólares (cerca de 1,47 milhões de euros) da Google, mas Jimmy Wales considerou "impossível" que esta empresa possa um dia querer comprar a fundação, dado o seu estatuto de organização sem fins lucrativos.

Sobre o projeto Wikinews, um site noticioso lançado em 2004 pela Wikimedia e que tem sido alimentado exclusivamente por cidadãos comuns, Wales referiu que "há muitas razões" para não ter tido o mesmo sucesso da Wikipedia, mas frisou que este serviço "continua a crescer".

Jimmy Wales comentou também o insucesso do Wikia Search, um motor de busca que lançou em janeiro de 2008 mas que acabou por não vingar.

"Foi um projeto da minha completamente separada empresa com fins lucrativos www.wikia.com. Pensamos que o Wikia Search estava a ter sucesso até ao momento em que, devido à crise financeira, não fomos capazes de reunir mais fundos para apoiá-lo", disse.

"Entretanto, tudo na Wikia estava a crescer tão rapidamente que não tivemos tempo para nos concentrarmos no projeto de pesquisa. Por isso, virámos a nossa atenção para o que estava a funcionar melhor", acrescentou.

Notícia - Não sou um monstro

O psicólogo norte-americano Mark Blumberg assegura que as deformações congénitas proporcionam informação valiosíssima sobre os mecanismos da evolução e da vida.

Numa das cenas mais impressionantes de Freaks (1932, intitulado A Parada de Monstros em Portugal), vários seres disformes encurralam uma rapariga entre as carripanas de um estranho circo. Depois de atacarem o amante da jovem, procuram apanhá-la no meio de uma terrível tempestade. Antes, ela tentara assassinar um dos perseguidores para ficar com todo o seu dinheiro. É verdade que a visão dos indivíduos provoca calafrios. Um deles, o príncipe Randian, não tem braços nem pernas; como se fosse um torso vivo, serpenteia pela lama com uma faca entre os dentes. Zip e Pip, os gé­meos siameses, sofrem de microcefalia, isto é, os crânios são diminutos em comparação com o de uma pessoa normal. Um anão com pouco mais de 60 centímetros de altura exibe uma navalha diante da mulher que tenciona matar. Outra personagem, interpretada pelo actor ­Johnny Eck, não tem pernas mas desloca-se com agilidade sobre as mãos.

Realizado pelo cineasta norte-americano Tod Browning (1882–1962), este filme é normalmente incluído no género de terror, mas pode também ser considerado um documentário, pois mostra sem contemplações os efeitos das mutações genéticas nos seres humanos. Os actores (atracções de feira ou de circo na vida real) deixaram uma marca profunda no psicólogo norte-americano Mark S. Blumberg, da Universidade do Iowa (http://www.psychology.uiowa.edu/faculty/blumberg). “Reparem no Johnny Eck. É tão gracioso que parece ir­real. Nós não evoluímos para nos deslocarmos como ele”, afirma, acrescentando: “O mais curioso é que o processo pelo qual aprendeu a caminhar com as mãos não é muito diferente daquele que todos têm de utilizar para poder andar sobre os pés e as pernas.” Blumberg é o autor do livro Freaks of Nature (que se poderia traduzir por “Extravagâncias da Natureza”), no qual desconstrói todos os estereótipos sobre o que habitualmente se considera serem aberrações físicas.

Esqueçamo-nos, pois, desses pobres indíviduos exibidos diante de um público crédulo e apreensivo por empresários sem escrúpulos como Phineas Taylor Barnum (1810–1891), criador de um lendário circo ambulante que possuía o seu próprio freak show. O psicólogo norte-americano defende, pelo contrário, que os “monstros” nos permitem reflectir sobre o produto de um projecto biológico diferente. Proporcionam-nos, em concreto, uma oportunidade para penetrarmos nos mistérios que a evolução biológica ainda esconde, 200 anos depois do nascimento de Charles Darwin.

Essas criaturas desenvolvem-se de uma forma tão extraordinária que a noção de que se trata de algo aberrante se desvanece quando as temos diante dos olhos. Se analisarmos as biografias de alguns dos participantes em ­Freaks, descobrimos factos tão surpreendentes como os que o filme mostra. Assim, Johnny Eck parecia cerceado pela cintura mas tinha, na realidade, uma espécie de pernas rudimentares ou cotos que escondia por baixo da roupa. O seu irmão gémeo Robert, colega em diversos espectáculos, nascera com um corpo normal. Nos seus 79 anos de vida, Johnny chegou a tocar piano com uma orquestra, foi piloto de corridas, conduziu locomotivas, pintou quadros, participou em três filmes de Tarzan e dedicou-se à magia. No filme de Brow­ning, apoia-se sobre um braço enquanto dirige, com o outro, um coro. “Temos um corpo capaz de fazer certas coisas e aprendemos a adaptar-nos. Não vejo diferenças entre aqueles que designamos, erradamente, por ‘monstros’ e o resto das pessoas”, sentencia Blumberg.

De acordo com esta perspectiva inovadora, cada um de nós representa uma dádiva da natureza, e aprendemos evolutivamente a lidar com os nossos corpos. O investigador conta que a ideia de escrever um livro com um ponto de vista tão original surgiu quando levava o seu cão a passear. O animal andava, corria de um lado para o outro, desacelerava, voltava a correr. Passados dois dias, o psicólogo reparou noutro cão que tinha perdido uma das patas traseiras num acidente e conseguia arranjar-se para andar na perfeição. Blumberg teve a ideia de averiguar em que consiste, verdadeiramente, o instinto animal. “Só nos lembramos de verificar de onde surge quando contemplamos corpos perfeitos. Foi por isso que comecei a estudar as chamadas ‘anormalidades’.”

Ao puxar pelo fio da meada, o psicólogo norte-americano descobriu outra excentricidade canina. Tratava-se de Faith, que nasceu no estado do Oklahoma sem as patas da frente. Em 2003, foi fotografado a andar tranquilamente: o cão tornara-se bípede! A investigação conduziu-o a outros exemplos semelhantes, como o de um babuíno selvagem com os braços muito pouco desenvolvidos que também se deslocava de pé. Houve, ainda, o caso da cabra nascida na Holanda, em 1942, e minuciosamente estudada pelo zoólogo Everhard Johannes Slijper. Tal como nos exemplos anteriores, veio ao mundo com apenas dois membros, mas corria e andava de forma natural, para espanto de quem a via.

Este derradeiro caso tem mais que se lhe diga. A especialista em evolução Mary Jane West-Eberhard, do Smithsonian Tropical Re­search Institute, descreve a surpresa do cientista holandês quando dissecou a cabra bípede, morta acidentalmente. Relata a experiência na revista norte-americana Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS): “Descobriu alterações muito apreciáveis nos músculos e nos ossos, incluindo transformações alucinantes nas patas traseiras e nos glúteos, mais espessos e alongados. Apresentava igualmente uma disposição inovadora dos pequenos tendões, uma caixa torácica modificada e importantes alterações na bacia.”

Sabia-se que o animal nascera com uma deficiência congénita, mas será que as adaptações tinham a mesma origem? Ou produziram-se devido à pressão ambiental? West-Eberhard admite que nos encontramos diante de um mistério evolutivo. E fala de um fenómeno, descrito como “fenótipo adaptado” (o fenótipo é a expressão física dos genes), que “podia ter desempenhado um papel na evolução da bipedestação dos vertebrados, incluindo os seres humanos”.

Everhard Johannes Slijper já tinha notado que as adaptações do seu exemplar andarilho eram muito semelhantes às de cangurus e orangotangos (estes últimos também andam, por vezes, na postura erecta). “A evolução da postura erecta nos seres humanos pode ter sido menos árdua ou longa do que se pensava, como suspeitam alguns antropólogos”, conjectura West-Eberhard. As características anatómicas do bipedismo incluem alterações na massa muscular, no comprimento dos tendões e no tamanho do tórax e da bacia. “As mesmas singularidades que se observavam na cabra”, sublinha a autora do ensaio.

Trata-se da luz que um monstro pode lançar sobre a evolução. “Esse tipo de indivíduos não é tomado em consideração quando se aborda a questão”, afirma Blumberg. “Não digo que um cão com duas patas vá dar origem a uma nova espécie, pois semelhantes efeitos podem ser causados tanto pelos genes como pelo ambiente. Tenho na minha frente, precisamente, a fotografia de uma serpente bicéfala. Sabemos que a anomalia não é congénita; deve-se a uma alteração profunda no meio ambiente.”

Blumberg refere-se à população da cobra-de-água-de-colar (Natrix natrix) do Reino Unido. O ofídio põe os ovos entre montes de esterco, cuja decomposição produz o calor necessário para poderem eclodir e as crias sair. Contudo, se a temperatura ultrapassar os 40 graus, poucas conseguem sobreviver e, dessas, uma pequena percentagem nasce com mais uma cabeça. Os zoólogos têm conhecimento de centenas de casos.

Ainda no campo da bicefalia, poucos sabem que dois por cento dos ovos de pato produzem siameses com essa característica. Não foi possível discernir causas genéticas, mas há, em contrapartida, factores que se podem atribuir à forma como o próprio ovo gira dentro do útero largo e elástico da fêmea. Determinados movimentos de rotação dão origem a freaks: ao que parece, os elementos químicos do interior são subtilmente alterados.

O próprio Darwin erguia as sobrancelhas perante semelhantes anomalias. A origem da variabilidade sempre constituiu um mistério para o “pai da evolução”, embora seja indispensável para a intervenção da selecção natural. Hoje, sabemos que toda a maravilhosa e sofisticada versatilidade que observamos na natureza, as adaptações dos animais mais exóticos, o modo como encaixam perfeitamente em cada habitat, resultam da acção que essa selecção exerce sobre uma infinidade de opções proporcionadas pelo material genético.

Todavia, como já vimos, não é a única fonte de modificação biológica. Os misteriosos caminhos do processo embrionário podem também ser frutíferos nesse sentido. É aquilo que alguns especialistas designam por “desenvolvimento plástico”. Blumberg rebate, no seu livro, um comentário de West-Eberhard: “Argumentos poderosos contradizem a sua opinião, segundo a qual as inovações causadas pelas mutações genéticas possuem um potencial evolutivo superior. Um factor ambiental pode afectar diversos indivíduos, enquanto uma mutação influencia, em princípio, apenas um.”

Perfeito. Nesse caso, perguntaria um cauteloso Charles Darwin, que vantagens pode proporcionar uma aberração? “No século XX, depois de redescobrir as experiências de Mendel, os cientistas modificaram a perspectiva da evolução darwinista, transformando-a num processo contínuo de alterações cuja origem era exclusivamente genética. Trata-se de uma postura inflexível”, responde Blumberg. No entanto, houve quem se opusesse à todo-poderosa tendência de pensamento. Blumberg refere dois nomes fundamentais: o do biólogo inglês William Bateson (1861–1926) e o do seu colega espanhol Pere Alberch (1954–1998).

Segundo Alberch, não existe apenas um rio de informação genética que corre inexoravelmente até esgotar o seu percurso e desaguar numa forma biológica. A analogia é mais vasta e interessante: a química e a regulamentação dos genes navegam através de muitos cursos, remoinhos e afluentes que restringem as infinitas possibilidades de produzir qualquer criatura. Falamos de um jogo com regras específicas, e as anomalias tornam-se possíveis devido a essas normas. Por conseguinte, também merecem um lugar no tabuleiro de xadrez evolutivo.

Muito antes, em 1894, William Bateson já antecipava a ideia de que determinados factores presentes durante o desenvolvimento embrionário decidem a configuração que um animal poderá ter. As etapas iniciais de vida exerceriam uma poderosa força interna, enquanto a selecção exterior ou natural se faria sobretudo sentir na versatilidade das espécies. Os crocodilos e as tartarugas, por exemplo, não possuem cromossomas sexuais, mas nascem também machos e fêmeas consoante a temperatura exterior. Experiências com embriões de peixes de água doce cujos ovos são submetidos a temperaturas baixas nas primeiras 24 horas após a fertilização produzem um bestiário de estranhos seres: com duas cabeças, um único olho...

Resumindo: os darwinistas mais ortodoxos garantem que as espécies, embora sejam consideradas como entes próprios e independentes, estão na realidade ligadas entre si. Representam a expressão de um todo. Por sua vez, a corrente de pensamento de Bateson e Alberch acha que as espécies são descontínuas, o que seria demonstrado, precisamente, pelos animais disformes, verdadeiras excepções no império absoluto da selecção natural.

Na nossa espécie, a lista de excepções que confirmam a regra é longa e está bem documentada: desde homens com dois seios ou com um polegar a mais aos bebés com o rosto duplicado (o termo clínico é “diprosopia”).

Blumberg recorda o caso das irmãs Abigail e Brittany Hensel, nascidas em 1990: um único corpo e duas cabeças completamente desenvolvidas. “Estes exemplos talvez não constituam o motor da evolução, mas ajudam-nos a entendê-la melhor. Quer sejam produto dos genes ou consequência do desenvolvimento embrionário, conseguem sobreviver às alterações e adaptá-las à sua vida.”

Os ciclopes existem
Blumberg dedicou atenção especial ao caso das pessoas com um único olho, verdadadeiros ciclopes que, em vez de nariz, desenvolvem uma estrutura tubular por cima do órgão da vista. Ter ou não o apêndice nasal depende de os olhos ficarem separados no rosto durante o desenvolvimento embrionário, e de as células conseguirem migrar até ao centro da face para poder construí-lo. Não existe um gene específico que dê origem ao ciclopismo, mas determinadas alterações no ADN afectam, seguramente, o nariz e desencadeiam de forma indirecta a deficiência. Por outro lado, o gigante da Odisseia pode ter sido inspirado pelos fósseis de elefantes que povoavam antigamente Creta. Os gregos talvez acreditassem que a enorme fossa nasal era a cavidade ocular de uma criatura ciclópica.


L.M.A.
Super Interessante

Resumo sobre Educação Ambiental


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terça-feira, 7 de março de 2017

Tipologias de Áreas Protegidas

PARQUE NACIONAL
Entende-se por parque nacional uma área que contenha maioritariamente amostras representativas de regiões naturais características, de paisagens naturais e humanizadas, de elementos de biodiversidade e de geossítios, com valor científico, ecológico ou educativo.
A classificação de um parque nacional visa a protecção dos valores naturais existentes, conservando a integridade dos ecossistemas, tanto ao nível dos elementos constituintes como dos inerentes processos ecológicos, e a adopção de medidas compatíveis com os objectivos da sua classificação.

PARQUE NATURAL
Entende-se por parque natural uma área que contenha predominantemente ecossistemas naturais ou seminaturais, onde a preservação da biodiversidade a longo prazo possa depender de actividade humana, assegurando um fluxo sustentável de produtos naturais e de serviços.
A classificação de um parque natural visa a protecção dos valores naturais existentes, contribuindo para o desenvolvimento regional e nacional, e a adopção de medidas compatíveis com os objectivos da sua classificação.

RESERVA NATURAL
Entende-se por reserva natural uma área que contenha características ecológicas, geológicas e fisiográficas, ou outro tipo de atributos com valor científico, ecológico ou educativo, e que não se encontre habitada de forma permanente ou significativa.
A classificação de uma reserva natural visa a protecção dos valores naturais existentes, assegurando que as gerações futuras terão oportunidade de desfrutar e compreender o valor das zonas que permaneceram pouco alteradas pela actividade humana durante um prolongado período de tempo, e a adopção de medidas compatíveis com os objectivos da sua classificação.

PAISAGEM PROTEGIDA
Entende-se por paisagem protegida uma área que contenha paisagens resultantes da interacção harmoniosa do ser humano e da natureza, e que evidenciem grande valor estético, ecológico ou cultural.
A classificação de uma paisagem protegida visa a protecção dos valores naturais e culturais existentes, realçando a identidade local, e a adopção de medidas compatíveis com os objectivos da sua classificação.

MONUMENTO NATURAL
Entende-se por monumento natural uma ocorrência natural contendo um ou mais aspectos que, pela sua singularidade, raridade ou representatividade em termos ecológicos, estéticos, científicos e culturais, exigem a sua conservação e a manutenção da sua integridade.
A classificação de um monumento natural visa a protecção dos valores naturais, nomeadamente ocorrências notáveis do património geológico, na integridade das suas características e nas zonas imediatamente circundantes, e a adopção de medidas compatíveis com os objectivos da sua classificação.

ÁREA PROTEGIDA PRIVADA
Pode ser classificada área protegida de estatuto privado, designada área protegida privada, em terrenos privados não incluídos em áreas protegidas onde se regista a ocorrência de valores naturais que apresentem, pela sua raridade, valor científico, ecológico, social ou cénico, uma relevância especial que exija medidas específicas de conservação e gestão.
A designação é feita a pedido do respectivo proprietário, mediante um processo especial de candidatura (regulado pela Portaria n.º 1181/2009, de 7 de Outubro) e o reconhecimento pela autoridade nacional. Os terrenos a que for atribuída a designação de área protegida privada integram a RNAP e ficam sujeitos ao protocolo de gestão que for acordado com a autoridade nacional na sequência do seu reconhecimento.

domingo, 5 de março de 2017

Lista dos Concelhos na Rede Nacional de Áreas Protegidas - (2011)


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Notícia - Morreu peixe-lua do Oceanário

O único peixe-lua presente no Oceanário de Lisboa, que estava no aquário desde 2005, morreu há cerca de um mês de causas naturais.
Trata-se do maior peixe ósseo do Mundo e o Oceanário prevê ter um novo exemplar até ao fim do ano.
Com o nome científico de mola mola, o peixe-lua transporta consigo mais de 50 espécies de parasitas e costuma andar à tona de água.

sábado, 4 de março de 2017

Notícia - Portugueses lideram estudo do solo gelado

São apenas dez anos de recolha de dados na Antárctida, mas a informação obtida pelo Grupo de Investigação em Ambientes Antárcticos e Alterações Climáticas do Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa (CEG-UL) já permite concluir que o solo gelado está a aquecer significativamente, em especial durante o Verão.


Gonçalo Vieira, coordenador da missão portuguesa, explicou que a diminuição da camada de ‘permafrost’ – solo sempre gelado durante um período mínimo de dois anos – é uma consequência e uma causa das alterações climáticas.


“Tratando-se de matéria orgânica que está sempre gelada, com a sua fusão são libertados Dióxido de Carbono e Metano para a atmosfera. São dois gases com graves efeitos de estufa”, afirmou, ressalvando porém que o ideal será ter os mesmos dados mas durante um período de tempo mais longo: “Pelo menos 20 anos já será bom. O que temos agora é uma tendência de aquecimento. A temperatura do ar é cada vez mais quente durante o Verão e o solo gelado começa a aquecer, embora ainda num ritmo muito lento”.


Se no Árctico, a situação do ‘permafrost’ é já conhecida com algum pormenor, o mesmo não acontece no Antárctico. É no hemisfério Norte que está concentrada a maior parte do permafrost do planeta Terra, cerca de 25 por cento, enquanto na Antárctida é de apenas 1 por cento.


A Associação Internacional do Permafrost tem uma rede mundial de monitorização do solo gelado bastante desenvolvida, em especial no hemisfério Norte. O Grupo de Investigação em Ambientes Antárcticos e Alterações Climáticas do Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa está na vanguarda do estudo do permafrost na Antárctida, colocando sondas em locais estratégicos para o seu estudo e monitorização.

André Pereira

sexta-feira, 3 de março de 2017

Conteúdo - História do estudo da célula

   

1590 – Jansen inventou o microscópio óptico / composto
1665 - Robert Hooke descreveu pela primeira vez a célula (células da cortiça)
1676 – Anton Van Leeuvvenhock, observou pela primeira vez bactérias
1831/ 1836 – Robert Brown, descobriu um corpo esférico nas células das plantas (núcleo)
1840 – Purkinje deu o nome de protoplasma ao conteúdo das células
1866 – Haeckel estabeleceu o núcleo como sendo o responsável pelos caracteres genéticos
1930 – V. Zworkin inventou o microscópio electrónico
1935 – Watson e Crick propõem o modelo de D. N. A. (dupla hélice)
1983 – Equipa do Prof. Montagnier do Instituto Pasteur, descobre o vírus HIV

Rede Nacional de Áreas Protegidas - RNAP

A classificação de uma Área Protegida (AP) visa conceder-lhe um estatuto legal de protecção adequado à manutenção da biodiversidade e dos serviços dos ecossistemas e do património geológico, bem como à valorização da paisagem

O processo de criação de Áreas Protegidas é actualmente regulado pelo Decreto-Lei n.º 142/2008, de 24 de Julho. A classificação das AP de âmbito nacional pode ser proposta pela autoridade nacional (ICNB) ou por quaisquer entidades públicas ou privadas; a apreciação técnica pertence ao ICNB, sendo a classificação decidida pela tutela. No caso das AP de âmbito regional ou local a classificação pode ser feita por municípios ou associações de municípios, atendendo às condições e aos termos previstos no artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 142/2008, de 24 de Julho.
As tipologias existentes são Parque nacional, Parque natural, Reserva natural, Paisagem protegida e Monumento natural; com excepção do “Parque Nacional” as AP de âmbito regional ou local podem adoptar qualquer das tipologias atrás referidas, devendo as mesmas ser acompanhadas da designação “regional” ou “local”, consoante o caso (“regional” quando esteja envolvido mais do que um município, “local” quando se trate apenas de uma autarquia).

O Decreto-Lei n.º 142/2008, de 24 de Julho, prevê ainda a possibilidade de criação de Áreas Protegidas de estatuto privado (APP), a pedido do respectivo proprietário; o processo de candidatura, a enviar ao ICNB, está regulado pela Portaria n.º 1181/2009, de 7 de Outubro, envolvendo o preenchimento de um Formulário, disponível num canal deste site.

As AP de âmbito nacional e as APP pertencem automaticamente à RNAP (Rede Nacional de Áreas Protegidas); no caso das AP de âmbito regional ou local a integração ou exclusão na RNAP depende de avaliação da autoridade nacional.

Notícia - Um quinto das espécies de lagartos do mundo pode estar extinta em 2080 devido ao calor


Em Abril de 2009, a população de Sceloporus serrifer já tinha desaparecido da região de Iucatão, no México. Se alguém voltasse a repovoar o local com estes lagartos, observaria o mesmo fenómeno. As manhãs de Primavera seriam demasiado quentes e os répteis iam sair da toca, vasculhar por comida, e passado pouco tempo voltariam para a protecção da sombra. O tempo para a alimentação não chegaria para a reprodução dos indivíduos, que teriam o mesmo destino da população anterior: desapareceriamEste é só um exemplo da avaliação de 200 locais no México, entre 2006 e 2008, que chegou à conclusão que 12 por cento das populações de 34 espécies deste grupo de répteis tinham desaparecido devido à subida das temperaturas, devido às alterações climáticas. O estudo publicado hoje na revista Science partiu desta informação para construir um modelo que prevê o impacto da subida da temperatura nas espécies, que serviu para avaliar os níveis de extinção global. Os investigadores estimam que 20 por cento das espécies de lagartos estejam extintas em 2080.

“Existem períodos do dia em que os lagartos não podem sair e têm que voltar para locais mais frescos”, explicou por comunicado Barry Sinervo, investigador da Universidade da Califórnia e primeiro autor do artigo. “Quando não estão fora, os lagartos não podem procurar comida. Por isso medimos em diferentes locais quantas horas por dia os lagartos eram obrigados a abrigarem-se do sol. Depois, fomos capazes de criar parâmetros para o nosso modelo global.”

Os investigadores aplicaram o modelo a espécies de lagartos nos cinco continentes e o resultado predisse o que já está a acontecer na realidade. Um dos casos foi na costa do estado do Rio de Janeiro, no Brasil, em que a lagartixa-da-areia desapareceu em sete dos 24 locais onde existia, de 1984 para cá. “Para muitas espécies já se ultrapassou o patamar de extinções, a nível local”, disse por telefone ao PÚBLICO Carlos Rocha, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, que fez parte do estudo.

Segundo Octávio Paulo, investigador da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, o estudo é pioneiro. “Consegue-se localizar e prever o desaparecimento de populações de algumas espécies, o que parece mostrar que o modelo está muito bem construído”, disse por telefone ao PÚBLICO.

Tanto o português como o brasileiro consideram que o artigo obriga os especialistas em répteis de todo o mundo a voltarem ao campo para verificar o que está à acontecer.

O artigo estima que as regiões mundiais mais afectadas serão os trópicos. A forma como cada ecossistema vai reagir assim que uma espécie de lagarto desaparecer, permanece uma incógnita. “Estamos no processo de ir degradando os ecossistemas. Se a tendência de extinção se vai manter? Sim. Em que proporções? Não sei”, disse Octávio Paulo.

quinta-feira, 2 de março de 2017

Notícia - Os pioneiros da Internet em Portugal


Corria o ano de 1994. Mês de Abril. “A Lista de Schindler” tinha acabado de ganhar o Óscar de melhor filme. Nos Estados Unidos, os telespectadores já se andavam a rir com “Seinfeld”, mas em Portugal as televisões privadas ainda davam os primeiros passos. Eram tão recentes que o “Big Show SIC” ainda não tinha sido inventado. Paralelamente, no país que ainda não conhecia o Macaco Adriano, um grupo de académicos já andava a mexer na Internet, à revelia dos restantes milhões de portuguesesA partir de Abril de 1994, as coisas começam a mudar: num seminário intitulado "Portugal na Internet", em Lisboa, foi mostrada ao público e aos jornalistas, pela primeira vez, a Internet em funcionamento. A partir desse dia, cada um de nós ficou um bocadinho mais perto do mundo que conhecemos hoje.

“Esse seminário marcou claramente o aparecimento ao grande público da Internet em Portugal”. Quem recorda o evento é o homem apontado como o “pai” da Internet em Portugal: José Legatheaux, actual sub-director da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa. Mas em 1994 era o “homem do momento”. A Internet em Portugal passava, necessariamente, por ele.

Em 1994 andava, portanto, o mundo académico português deslumbrado com a Internet, imerso num frenesim de oportunidades, apesar de o português médio, o típico “António Silva”, não fazer ainda ideia que os computadores se podiam ligar em rede e que era possível enviar uma mensagem para o outro lado do mundo e receber a resposta no próprio dia. Na própria hora. No próprio minuto.

Pedro Ramalho Carlos, o homem que ajudou a fundar uma das primeiras empresas privadas de fornecimento de Internet (ISP), a IP, em 1995, era por esses dias um jovem estudante do Instituto SuperiorTécnico mas ainda se lembra bem da emoção que sentiu quando tomou o pulso a “isso” da Internet, quando enviou e recebeu os seus primeiros e-mails. “Era inacreditável enviar uma mensagem para o outro lado do mundo, na Califórnia, e poucos minutos depois ter uma resposta (...) Hoje este imediatismo é mais que natural”, mas na altura as coisas podiam arrastar-se, por correio normal, durante várias semanas. “Com a Internet e o e-mail tudo se passava em poucos minutos”.

Alguns meses depois da “apresentação oficial” da Internet em Portugal, o deputado José Magalhães (actual Secretário de Estado da Justiça e da Modernização Judiciária e um dos primeiros “rostos” da Internet no nosso país) publicou o primeiro livro em Português sobre como usar a Internet e, a partir daí, a palavra começou a penetrar no léxico, embora só se generalizasse dois ou três anos depois. Mas a comercialização e acessibilidade da Internet ao grande público, isso só se verificaria a partir de 1999/2000.

No início era o isolamento

Começando, porém, o relato em Abril de 1994, fica por explicar como chegou, de facto, a Internet a Portugal. Para isso teremos que recuar quase uma década e meia, até 1978. Os verdadeiros pioneiros da Internet em Portugal tomaram contacto com ela por esta altura, definitivamente ainda na década de 1970.

Pedro Veiga - presidente da Fundação para a Computação Científica Nacional (FCCN) - era então assistente do Instituto Superior Técnico, em Lisboa, e começou a ter contacto com o universo das redes de computadores, “embora apoiadas em tecnologias muito diferentes das da actual Internet”, explica.

José Legatheaux teve o seu primeiro contacto com a Internet em França, enquanto fazia o doutoramento, entre 1983 e 1987. “Nessa altura só algumas universidades e alguns institutos de investigação estavam ligados à rede na Europa (muitos poucos). Nos EUA existiam mais universidades e empresas ligadas, mas tudo estava confinado no essencial ao mundo académico”, explica.

“As principais aplicações eram o e-mail (a principal), a transferência de ficheiros por FTP (File Transfer Protocol) e o login remoto. A Internet era um campo de estudo e simultaneamente uma ferramenta de trabalho para a colaboração internacional e o acesso a informação e a computadores remotos”, indica ainda o professor universitário.

Numa altura em que os “pioneiros” portugueses ainda só estavam a começar a tomar contacto com este “maravilhoso mundo novo”, nos Estados Unidos já era possível trocar, quotidianamente, e-mails entre computadores através da ARPANET, a rede precursora da Internet e que derivava de um programa militar chamado ARPA.

Mas em Portugal a Internet continuava a ser uma coisa confinada apenas a um punhado de pessoas. “No meio académico português no final dos anos de 1980 já existiam alguns académicos que conheciam a Internet - visto que a tinham utilizado esporadicamente quando estavam no estrangeiro, ou ouvido falar nela - e que desejavam interligar as universidades entre si e estas com a Internet para potenciar o seu trabalho de investigação e contactos com o estrangeiro”, recorda Legatheaux.

Paralelamente, uma nova geração de engenheiros informáticos começou a aprender o “bê-a-bá” do TCP/IP (Transmission Control Protocol/Internet Protocol), desenvolvido nos EUA entre 1972 e 1973 por Vinton Cerf - e que, basicamente, punha os computadores a comunicar entre si de forma simples, fiável e flexível. Este é o protocolo sobre o qual ainda hoje assenta a Internet.

“Na altura (finais da década de 1980) não havia nenhuma ligação de Portugal à Internet, mas comecei a utilizar essa tecnologia [TCP/IP] em vários projectos. Era um pouco como se aprendêssemos a falar uma língua de um país longínquo, mas apenas a falávamos entre os colegas, sem poder praticar com os ‘nativos’ pois não havia ligações entre os computadores portugueses e os do resto da Internet (que na altura era praticamente totalmente americana)”, recorda Pedro Ramalho Carlos.

Universidades portuguesas ficam ligadas

Só a partir de 1990 é que, finalmente, as universidades portuguesas puderam ligar-se à Rede. “O projecto de ligação das universidades portuguesas à Internet e o estabelecimento da primeira ligação internacional decorreu sob a minha coordenação entre 1990 e 1991”, explica José Legatheaux.

“No final do projecto, que foi subsidiado pela Fundação para a Computação Científica Nacional (FCCN), as principais universidades portuguesas passaram a ter acesso à Internet”. Minho, Porto, Aveiro, Coimbra, Instituto Superior Técnico, Laboratório Nacional de Engenharia Civil, e as Faculdades de Ciências da Universidade de Lisboa e da Universidade Nova passaram a poder aceder à Rede das redes. “A maioria de nós queria estar ligado ao mundo e ter a informação na ponta dos dedos, era esse o sentimento dominante”, explica Legatheaux.

Também o domínio “.pt”, passou a existir por volta desta altura, depois da invenção do Domain Name System, ou DNS (introduzido em 1984), que veio organizar o sistema de gestão de endereços IP (é, por exemplo, aquilo que transforma o URL www.publico.pt num endereço internet passível de ser usado por máquinas).

Em 1990 o domínio ‘.pt’ passou a ser reconhecido internacionalmente”, recorda Legatheaux, que veio a assumir a tarefa de coordenar o “estabelecimento das ligações, o registo dos domínios abaixo de ‘.pt’, por delegação da FCCN, que mantém a gestão do domínio de Portugal”.

Após a invenção da World Wide Web, no início da década de 1990, ainda baseada no software desenvolvido no Centro Europeu de Física das Partículas (CERN), na Suíça, começam igualmente a ser desenvolvidos os primeiros browsers.

“Quando a Web foi inventada lembro-me bem de realizarmos um seminário para universitários por volta do fim de 1992 ou 1993 onde se mostrou a Web a funcionar ainda baseada no software do CERN. A Netscape só apareceu com o primeiro browser em 1994/95, se bem me lembro. Depois a maioria das universidades começou a transformar os seus sites - que estavam a usar outras tecnologias - para a tecnologia Web”.

Efectivamente, só após a institucionalização do www é que Internet se tornou apelativa para a maioria das pessoas. “Ainda na fase inicial, o surgimento da Web e dos browsers, enquanto aplicação que tira partido da Internet para partilhar e organizar informação de qualquer tipo, é que tornou a Internet acessível e interessante à maioria da população capaz de utilizar um computador”, comenta Pedro Carlos.

A “World Wide Wait”

No início da década de 1990, ainda não havia empresas privadas que fornecessem Internet aos cidadãos nacionais. Edifícios cobertos por wireless eram ainda do domínio da ficção científica. “As primeiras ofertas comerciais só apareceram no final de 1994 e, depois, com uma oferta mais diversificada, entre 1995 e 1996”, recorda José Legatheaux.

Até 1994, quem se queria ligar à Internet a partir de Portugal, só tinha uma hipótese: fazê-lo através do INESC (Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores) e do PUUG (Portuguese Unix Users Group), a associação de utilizadores de sistemas operativos Unix que, em parceria, estabeleceram uma ligação internacional - na altura, a Amesterdão - “à estonteante velocidade de 19.2 kilobits por segundo (mil vezes mais lenta do que aquilo que hoje cada um de nós tem em suas casas)”, recorda Pedro Ramalho Carlos.

“Essa ligação funcionou durante vários anos como a ligação de Portugal à Internet até surgirem os ISP [Internet Service Providers – operadores de serviço de acesso à Internet]”, explica.

Para além de virtualmente inacessível aos cidadãos comuns, esta ligação era, cumulativamente, bastante cara. “Ter acesso ao e-mail (ainda não havia Web) custava 40 contos nessa altura [200 euros] mensais (...) Não havia outros ISP”, recorda Mário Valente, que, querendo colmatar esta falha, resolveu criar, ainda em 1994, o primeiro ISP privado português: a Esotérica.

Recém-estreada no mercado luso, a Esotérica cobrava dez contos (cerca de 50 euros) por trimestre, o que dava cerca de 16 euros por mês, com a vantagem de não cobrar por tráfego. Ou seja, o preço era fixo e o acesso era ilimitado.

A Esotéria, a IP e a Telepac foram os três primeiros fornecedores privados de Internet em Portugal. Quem tem hoje pelo menos 30 anos lembrar-se-á com certeza destas empresas, mas quem não cresceu com isto deve achar implausível o facto de um utilizador, tomado pela esperança mas receando o pior, se encolher diante dos “ghrrrr” e dos “biiiiiiiiiiiiips” até que, finalmente, o ecrã do seu computador ganhava vida. Era a “World Wide Wait”, no trocadilho jocoso proposto por Pedro Ramalho Carlos, que, por seu lado, resolveu fundar a IP em Julho 1995, com mais quatro sócios.

Nessa altura, recorda Pedro Carlos, chegou a ir propor à Portugal Telecom a criação de uma empresa que fornecesse o acesso de Internet ao mercado em geral e de o responsável pelo departamento de operação de dados da empresa lhe ter dito que não estava interessado em parcerias, porque “isso da Internet é uma coisa de académicos”.

À velocidade da luz

A partir de 1999/2000 tudo muda, em grande medida devido à liberalização do mercado das telecomunicações. O acesso também deixa, por esta altura, de se fazer exclusivamente via modem, passando-se a fazer via cabo ou ADSL.

“Começámos pela velha linha telefónica, passámos no início dos anos 2000 com a banda larga always on, e mais recentemente com a mobilidade e a ultra-broadband. Tudo isto induzido pela concorrência entre operadores, em benefício dos consumidores. Infelizmente a concorrência nesta área em Portugal foi sempre muito desnivelada, o que fez com a maioria dos pequenos operadores já tenha desaparecido”, recorda Pedro Carlos.

“Por volta do ano 2000, o panorama do acesso à Internet estava totalmente mudado. A maioria dos acessos era providenciada de forma pública por operadores de telecomunicações de grandes dimensões nacionais ou estrangeiros. Todas as empresas pioneiras tinham sido compradas pelos operadores internacionais”, resume Legatheaux.

O futuro é amanhã, ou terá sido ontem?

Chegados aos dias de hoje, estamos já na idade madura da Web 2.0, a das redes sociais, dos blogues, da comunicação interpessoal em tempo recorde, do Twitter e do Facebook, do iTunes e do YouTube. Dos chats, mensagens instantâneas, Net no telemóvel e wireless no café.

Questionados sobre se conseguiriam adivinhar que, em apenas uma década e meia desde a sua apresentação aos portugueses, a Internet se transformaria naquilo que é hoje - praticamente um bem de primeira necessidade -, as respostas dividem-se.

“Quem disser que sim [que conseguia adivinhar], deve estar a mentir. Era difícil de imaginar a generalização e extraordinária descida dos preços por bit transferido”, argumenta Legatheaux.

Mário Valente assume, porém, sem falsas modéstias, a sua antevisão: “Não só imaginei como exigi! Numa conferência em 1995, onde estava presente José Magalhães, disse que aquilo que queria era, daí a uns anos, poder estar na praia a aceder à Internet com o meu portátil. Parecia ficção científica e, na altura, as pessoas riram-se muito. Mas aconteceu”.

Pedro Ramalho Carlos corrobora: “Tive a certeza que com a Internet estava ‘em cima’ de algo que ia mudar a maneira como trabalhávamos, como nos divertíamos e como nos organizávamos enquanto sociedade. Confirmou-se e estou certo que a Internet vai continuar a ser uma peça fundamental no progresso da Humanidade”.

Sobre o futuro da Internet e sobre os saltos qualitativos que a Rede ainda dará, quase todos os “pioneiros” são unânimes: a Rede vai estar em todo o lado, vai antecipar as nossas chegadas a casa, dizer-nos o que falta no frigorífico e ajudar-nos a circular pela cidade: “É a Internet das Coisas, aquela que vai permitir ligar à Rede muitos dispositivos domésticos, pessoais e objectos do dia-a-dia”, vaticina Pedro Veiga.

Mário Valente partilha da mesma opinião: “outro salto que terá grandes consequências é a ligação de tudo à Internet. Semáforos, luzes, paragens de autocarro, carros, portas, edifícios, televisores, etc.; tudo o que é objecto com o qual interagimos. Isso vai ter enormes repercussões na forma como o mundo funciona. Especialmente quando isso for ligado ao factor localização (GPS). Eu posso estar numa cidade, apontar para um monumento, e obter uma descrição falada do mesmo, por via da identificação da imagem e por via do posicionamento GPS”.

E não esquecer “a facilidade com que trataremos de coisas que dantes exigiam ir pessoalmente para filas”. “Será um facto marcante”, assinala Legatheaux.

Por outro lado, quase todos coincidem no mesmo: haverá Internet cada vez mais rápida e para mais pessoas, a partir de terminais móveis.

Outros grandes saltos qualitativos que se espera que a Internet venha a apresentar nos próximos tempos são a generalização do vídeo e da televisão através da Rede e a banalização do cloud computing (o armazenamento das informações pessoais em servidores online, independentemente dos terminais usados por cada utilizador).

Acerca dos riscos e das ameaças que o futuro da Internet poderá vir a trazer, quase todos os “pioneiros” concordam: por um lado haverá cada vez maiores problemas de segurança e de fiabilidade na Rede e, por outro, “crescerão também, e muito, os problemas de privacidade”, indica Legatheaux. “Este problema está a ser desprezado e vai custar caro às liberdades individuais que conhecemos”, alerta.

E, em última análise, imaginando um futuro em que passe a existir uma “fusão da maioria das tecnologias de acesso a redes numa grande rede gigantesca, omnipresente, de alta velocidade, com base na tecnologia da desenvolvida na Internet”, há o risco de as coisas fugirem ao controlo das instituições. “Há a possibilidade de se criarem empresas e organizações tentaculares a nível mundial completamente fora do controlo das leis que conhecemos”, alerta o “pai” da Internet em Portugal.

Convém, porém, não esquecer, que Portugal continua a ter mais de metade da sua população “desligada”. De acordo com os mais recentes dados do Bareme Internet da Marktest, só perto de 4,5 milhões de portugueses acedem regularmente à Internet. Apesar deste indicador, o número de utilizadores em Portugal Continental aumentou dez vezes nos últimos 13 anos e cerca de 2,95 milhões de utilizadores estavam ligados, no final do segundo trimestre de 2009, através de banda larga móvel, segundo a ANACOM.

quarta-feira, 1 de março de 2017

Parque Nacional

Entende -se por «parque nacional» uma área que contenha maioritariamente amostras representativas de regiões naturais características, de paisagens naturais e humanizadas, de elementos de biodiversidade e de geossítios, com valor científico, ecológico ou educativo.
A classificação de um parque nacional visa a protecção dos valores naturais existentes, conservando a integridade dos ecossistemas, tanto ao nível dos elementos constituintes como dos inerentes processos ecológicos, e a adopção de medidas compatíveis com os objectivos da sua classificação.

No território português a única Área Protegida que beneficia deste estatuto é o Parque Nacional da Peneda-Gerês, criado em 1971.

Notícia - Mosca do vinagre mostra como o cérebro decide o que se come


Como é que o cérebro toma a decisão para comer este ou aquele tipo de alimento? Carlos Ribeiro, um cientista suíço de pai português, procurou uma resposta nas moscas do vinagre: passou semanas de roda delas, em experiências, até que identificou moléculas nos neurónios envolvidas no processo de decisão sobre a comidaNessa altura, Carlos Ribeiro estava no Instituto de Investigação de Patologia Molecular, em Viena (Áustria). Em 2009, mudou-se para Portugal, como investigador do Programa de Neurociências da Fundação Champalimaud, e agora, aos 34 anos, vê os resultados das experiências em Viena publicados na revista Current Biology.

Para descobrir como é que as moscas decidiam o que iam comer, Carlos Ribeiro e o outro co-autor do artigo, Barry Dickson, do mesmo instituto austríaco, engendraram uma experiência com comida e corantes.

Tingiram com um corante azul a comida enriquecida com proteínas, o que em alimento de moscas significa ter leveduras. A comida sem leveduras foi corada de encarnado. Pela observação da cor das barrigas das moscas, sabiam o que elas tinham comido.

Primeiro as observações: quando as moscas já tinham a sua dose de proteínas, não aceitavam mais. “Mas se as privarmos de proteínas durante um período, acabam por escolher a comida com proteínas”, diz Carlos Ribeiro, citado numa nota de imprensa. “E as fêmeas que acasalaram são mais rápidas a mudar de dieta do que fêmeas virgens.”

Como é que as moscas, em todas as situações, sabem quantas proteínas estavam na dieta ingerida antes? “Sabem porque há um receptor [uma molécula] no cérebro que detecta quantas proteínas estão no corpo.”

E, no caso de uma mosca grávida, outro receptor detecta a presença de uma molécula do esperma dos machos, que diz ao cérebro que ela está grávida e a faz preferir comida com proteínas.

Embora obtidos na famosa mosca do vinagre, um dos organismos favoritos dos cientistas para as experiências, os resultados podem ajudar a compreender como outros seres vivos escolhem os seus alimentos. Mas ainda não se sabe se as mesmas moléculas envolvidas nas escolhas alimentares das moscas estão em acção nos seres humanos. Sabe-se apenas que, nos ratinhos, o mesmo receptor para a detecção de proteínas no organismo controla a quantidade de comida ingerida: “Mas não sabemos se também controla as escolhas.”