Páginas

terça-feira, 5 de setembro de 2017

Notícia - Um canivete suíço à escala da célula

Numa célula, o ADN/DNA (ácido desoxirribonucleico) - presente, fundamentalmente, no núcleo - determina os parâmetros segundo os quais ela se vai reproduzir. "Podemos dizer que está para a reprodução celular, como a planta do arquitecto para a construção de uma casa", explica Cecília Arraiano, coordenadora do Laboratório de Controlo de Expressão Génica do Instituto de Tecnologia Química e Biológica (ITQB) da Universidade Nova de Lisboa.

Um grupo de trabalho do ITQB, dirigido por esta investigadora acaba de publicar um artigo na edição online da revista 'Nature Structural and Molecular Biology' expondo uma nova descoberta.

Esta tem a ver com o ARN/RNA (ácido ribonucleico). As respectivas moléculas existem em toda a célula (núcleo, citoplasma, organelos, etc) e, dentro da mesma analogia, vão funcionar como os diversos executores da obra da 'casa celular' (cujos 'tijolos' serão as proteínas e os aminoácidos). Para que tudo funcione de acordo com o plano, há 'fiscais da obra' que são as ribonucleases. Estas enzimas actuam a diversos níveis, exercendo um controlo apertado sobre a quantidade e a qualidade de moléculas de ARN/RNA.

Sabia-se já, até por um trabalho publicado há dois anos na revista britânica 'Nature' por uma outra equipa do ITQB com a mesma coordenação, que o exossoma (complexo de proteínas), assumia um papel fulcral neste processo de controlo, actuando, quando necessário, como 'assassino molecular'. O que agora se descobriu foi a função desempenhada por uma zona, até agora mal compreendida, desta substância.

Observando o exossoma de células de leveduras (cujo metabolismo do ARN/RNA é semelhante ao das células humanas) esta equipa verificou que o mecanismo de degradação é muito mais sofisticado do que se pensava. Assim, além de fazer o que já se sabia, ou seja, 'segurar' e degradar as moléculas de ARN/RNA a partir das pontas, também as 'corta' internamente, à maneira de uma tesoura molecular.

Ou seja, revela-se, no dizer de Cecília Arraiano, "um mecanismo versátil de degradação", com várias funções, "à maneira de um canivete suíço" em que cada lâmina tem uma função específica.

As aplicações são 'enormes', uma vez que abrem a possibilidade de combater doenças de origem genética, não pela modificação física do genoma humano mas mediante o silenciamento da expressão de certos genes, por exemplo, os que podem causar doenças graves. "É como impedir que um aparelho funcione, não o removendo mas desligando-lhe as fichas ou os cabos da corrente eléctrica".

O trabalho agora publicado envolveu, também, as investigadoras do ITQB Ana Barbas e Filipa Pereira Reis, bem como colegas da universidade norte-americana de Houston.
Rui Cardoso

Sem comentários: