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domingo, 19 de fevereiro de 2017

Notícia - Como a rápida Internet está a conquistar o cérebro aos vagarosos livros

É só mais uma desculpa para não ler ou é para levar a sério? A Internet está a mudar-nos o cérebro, isso é certo, mas estará a interferir com a nossa capacidade de ler? O grande problema, diz um neurologista português, é que as pessoas não têm consciência das transformações que se estão a viver.

A Internet está a mudar-nos o cérebro. Esta frase tem saltado para títulos de jornais e para tema de discussões na própria Internet - por vezes, em tom de alarme (DR)

Maryanne Wolf tem na sua lista de livros preferidos O Jogo das Contas de Vidro, de Herman Hesse, uma elaborada biografia ficcionada do mestre de uma austera ordem de intelectuais que se treina para jogar um jogo sofisticadíssimo que é uma síntese de todas as artes e de todo o conhecimento. Não é um romance fácil - mas esta cientista norte-americana que estuda a forma como o cérebro se adapta para aprender a ler também não é uma leitora qualquer. No entanto, ela teve uma enorme surpresa, quando resolveu voltar a lê-lo: "Não conseguia! A minha necessidade de velocidade, fomentada nos últimos anos pela Internet, tornava-me impossível desacelerar e concentrar-me!", confessou.

A Internet está a mudar-nos o cérebro. Esta frase tem saltado para títulos de jornais e para tema de discussões na própria Internet - por vezes, em tom de alarme. Convenhamos que, dito assim, a seco, parece algo assustador - "Oh não, mais uma coisa moderna que está a dar-nos cabo da vida!" Mas esta mudança na intimidade do órgão que nos permite pensar não é algo anormal: se está a ler estas linhas, o seu cérebro já mudou irreversivelmente, e de forma única: aprendeu a ler, algo para o qual os seus genes nunca o prepararam.

A verdade é que todas as nossas experiências nos modificam o cérebro, redesenham-nos os circuitos, como se fosse um computador - mas estes chips cerebrais são feitos de axónios e dentrites, as extensões através das quais os neurónios comunicam, por impulsos eléctricos e sinais químicos, dando forma a ideias e a memórias.

E, quanto mais repetitivas e praticadas forem as nossas acções, mais intenso será esse efeito de plasticidade do cérebro. Os músicos profissionais têm mais matéria cinzenta nas áreas cerebrais relacionadas com o planeamento dos movimentos dos dedos. Os cérebros dos atletas são mais volumosos nas zonas responsáveis por controlar a coordenação entre os olhos e as mãos.

Numa experiência célebre, feita na década de 1990, cientistas britânicos espreitaram para dentro do cérebro de taxistas londrinos, alguns com 42 anos de experiência de trabalho nas ruas da capital britânica, e descobriram que o seu hipocampo posterior, uma área cerebral onde são armazenadas representações espaciais da área que nos rodeia, era muito maior do que em pessoas normais - enfim, que não fossem taxistas com décadas de experiência e um verdadeiro mapa das ruas da cidade de Londres na cabeça...

Vendo bem, parece óbvio que o cérebro vá mudando à medida que aprendemos coisas novas. Mas a descoberta desta plasticidade do cérebro, desta capacidade permanente de se alterar, é algo recente, que ficou assente apenas na década de 1990. Até então, o que se aceitava era algo que a sabedoria popular traduzia no provérbio "de pequenino se torce o pepino": o cérebro não mudava grande coisa desde a infância. O que não se aprendia em pequenino dificilmente se aprenderia em adulto.

Mas tanto a arquitectura do cérebro como as próprias células que o compõem vão mudando bastante ao longo de toda a vida. O que é redesenhado são as ligações entre os neurónios, a comunicação entre as várias áreas do cérebro, a sequência em que são activadas para que completemos uma determinada tarefa.

"Isso que está a fazer, a escrever assim, à mão", diz o neurologista Alexandre Castro Caldas, do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Católica de Lisboa, notando como a Pública tira notas da conversa, "é-lhe possível porque existe uma pequena área no seu cérebro que guardou memória gráfica das palavras". É por isso, explica, "que às vezes escreve uma palavra à mão, para ver como lhe parece correcto, mesmo quando está a escrever no computador".

Público

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