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segunda-feira, 18 de maio de 2015

Notícia - O reino dos gigantes

Os oceanos pré-históricos eram lugares perigosos, povoados pelos mais sanguinários monstros marinhos. Reconstituímos esses tempos.

O mar tem sido tradicionalmente considerado um lugar perigoso, cheio de mistérios. Privado das adaptações necessárias para poder viver dentro de água, o ser humano criou uma mitologia diversificada de terríveis criaturas ocultas nas profundezas, numa atitude que reflectia o grau de desconhecimento que tinha, até há pouco tempo, de tão extenso meio. Na realidade, porém, não era necessário recorrer à mitologia nem à imaginação: durante boa parte da sua história, os oceanos foram espaços habitados por perigosas feras, autênticos monstros aquáticos. Esses seres eram o resultado da evolução ao longo de dezenas de milhões de anos e o reflexo dos processos de adaptação ao meio marinho. O estudo dos vestígios petrificados permitiu aos paleontólogos desvendar os remotos mundos oceânicos, actualmente sepultados sob as rochas abissais. Os estratos geológicos contêm uma antiquíssima história da qual, por enquanto, ainda só conseguimos arranhar a superfície.

Os mares de finais do Devónico (há cerca de 375 milhões de anos) tinham águas cálidas e eram ricos em fauna e flora marinhas. Entre os invertebrados, havia abundantes briozoários, braquiópodes, corais, amonites e trilobites. Havia também uma grande variedade de peixes, como os ostracodermos, que não pos­suíam mandíbulas, e os placodermos, que apresentavam, pelo contrário, um maxilar forte e contavam com férreas couraças protectoras. Neste último grupo, o rei incontestado era o Dun­kleos­teus, um terrível gigante cuja secção frontal estava protegida por uma autêntica armadura de placas. Em vez de dentes, o predador possuía um conjunto de projecções pontiagudas de osso que podiam penetrar na carne das vítimas ou mesmo partir-lhes o esqueleto. Um estudo elaborado, em 2007, pelos zoólogos Philip S.L. Anderson e Mark W. West­neat indica que exercia uma extraordinária força quando mordia, capaz de penetrar a couraça de qualquer outro placodermo que tivesse o azar de atravessar-se no seu caminho. A poderosa mordedura, aliada ao comprimento de seis metros, transformava o Dunkleosteus terrelli no campeão daqueles mares.

Ao longo do Devónico, os peixes diversificaram-se de forma impressionante. Todavia, não foram os únicos vertebrados a dominar o meio marinho. Cerca de 60 milhões de anos depois, durante o Pérmico (há 290 milhões de anos), os répteis começaram a invadir os habitats marinhos. O seu apogeu chegaria no Mesozóico (há cerca de 250 milhões de anos), a “idade de ouro” dos dinossauros. Naquele período, que se prolongou por 185 milhões de anos, os grandes lagartos também cederam parte do protagonismo aos répteis de água salgada, os quais viveram os seus dias de glória durante o Triássico, primeira etapa da era secundária.

No início, surgiram três grupos: Sauropterygia, Ichthyopterygia e Thalattosauria (este juntou-se aos outros dois passados seis milhões de anos). Os sauropterígios chegaram a alcançar uma diversidade próxima dos cem géneros, mas foi no grupo dos ictiopterígios que se encontravam alguns dos gigantes mais espectaculares, incluindo os ictiossauros, cuja forma, semelhante à de peixes e golfinhos, lhes valeu a denominação: em grego, ichthyosauria significa “lagartos-peixes”.

Foi no Triássico que se registou a maior diversidade de ictiossauros. O que atingiu maior tamanho foi o género Shonisaurus, que chegou até nós através de duas espécies. Nas montanhas Shoshone, no estado norte-americano do Nevada, o paleontólogo Charles Camp descobriu a primeira variedade, o Shonisaurus popularis. Os ictiossauros devem ter-se sentido confortáveis naquelas águas, pois a equipa de Camp recuperou mais de uma trintena de exemplares do réptil, que chegava a alcançar 15 metros de comprimento.

Uma segunda jazida, desta vez situada na Colúmbia Britânica (Canadá), permitiu descobrir outra espécie ainda maior. Tratava-se do Shonisaurus sikanniensis, que ostentava uns fabulosos 21 metros de comprimento. Apesar disso, os especialistas Elizabeth L. Nicholls e Makoto Manabe consideram que pode ter havido espécimes ainda mais corpulentos, uma proeza que transformaria o Shonisaurus no maior réptil marinho da história. Dado que os exemplares adultos não tinham dentes, podemos imaginar como seriam estes enormes e plácidos animais a alimentar-se através da sucção de enormes quantidades de lulas e belemnites (moluscos cefalópodes).

Em finais do Triássico (há cerca de 199 milhões de anos), produziu-se uma extinção em massa e grande parte das famílias de répteis neptunianos desapareceu. No entanto, alguns grupos de sauropterígios e ictiossauros sobreviveram e deram origem a novas formas ao longo do período jurássico (há 199 a 145 milhões de anos). Alguns podem ser incluídos na lista de predadores mais sinistros que os ocea­nos conheceram. Por sua vez, a Plesiosauria é uma das ordens do grupo dos Sauropterygia cujos membros atingiram grandes dimensões. A característica fundamental foi a evolução das extremidades para uma forma de barbatana rígida; importantes modificações ao nível do pulso e do joelho permitiram que utilizasse essas barbatanas para nadar mais vigorosamente do que outros sauropterígios.

Em função da forma do corpo, a ordem divide-se em dois tipos diferentes. Os que tinham o pescoço comprido e uma cabeça pequena são os plesiossauros, enquanto os que exibem o aspecto oposto (pescoço curto e cabeça maior) apresentam a disposição física característica dos pliossauros.

É entre estes gigantes de pescoço comprido que encontramos um monstro que aterrorizava a fauna marinha do Jurássico médio, há 164 milhões de anos: o Liopleurodon. Era um majestoso superpredador que passeava pelos oceanos, orgulhosamente, um corpo que atingia os cinco ou seis metros. Além disso, exibia um aspecto verdadeiramente ameaçador, com fabulosos dentes afiados de tamanho diferente, marca inconfundível de um carnívoro voraz.

Todavia, aquelas águas não foram apenas o cenário escolhido por numerosos répteis, pois houve também peixes enormes. De facto, foi no Jurássico médio que viveu o maior peixe de todos os tempos, o Leedsichthys. Com cerca de nove metros, tratava-se de um gigante sem dentes que pertencia a uma estranha família aquática já extinta, a Pachycormidae. Pensa-se que o Leedsichthys,tal como os actuais grandes vertebrados oceânicos, se alimentava de organismos muito pequenos, como plâncton e peixinhos diminutos. Assim, para comer, só tinha de abrir a boca e filtrar selectivamente a água e os alimentos. Além disso, do ponto de vista paleoecológico, os cadáveres de Leedsichthys devem ter sido como uma espécie de “bufete de praia”, pois propocionavam uma espectacular quantidade de nutrientes a répteis marinhos necrófagos e outros organismos.

O domínio dos “pescoços curtos” e “cabeçudos”, ou seja, dos pliossauros, estende-se até ao Jurássico superior (há 161 a 145 milhões de anos), se tomarmos em consideração uma recente descoberta ocorrida no arquipélago de Svalbard (Noruega), junto das águas do Árctico. Ali, uma equipa de paleontólogos da Universidade de Oslo, liderada por Jorn Hurum, encontrou um espécime espectacular. Em Junho de 2008, desenterraram do gélido solo polar um enorme pliossauro com cerca de 15 metros, um dos maiores descobertos até agora e um verdadeiro tesouro que ainda está a ser estudado. Os jornais baptizaram-no como “o Monstro”, mas os especialistas que se dedicam à sua análise preferem chamar-lhe “Predador X 3”, pois ainda não recebeu uma denominação científica específica.

Com 147 milhões de anos, o mediático Monstro parece bater todos os records pliossáuricos: os primeiros estudos preliminares indicam que pesava cerca de 45 toneladas, que se tratava de um nadador rápido e enérgico, e que possuía uma força de mordedura absolutamente demolidora. O biólogo evolutivo Gregory M. Erickson, que se especializou no estudo de dentadas de répteis, concluiu que o bichinho tinha uma força de mordida dez vezes superior à de qualquer animal actual. Assim, parece que nenhum habitante dos mares jurássicos estaria a salvo dos maxilares da fera.

A dinastia de pliossauros predadores não termina no Jurássico. Durante o Cretácico inferior (há 145 a 100 milhões de anos), os oceanos foram habitados por outro sinistro senhor dos mares, o Kronosaurus: com nove a dez metros, exibia um crânio robusto de dois metros de comprimento e cada dente possuía uma coroa de 12 centímetros.

No decurso do Cretácico superior, manteve-se a rica diversidade de peixes e répteis de água salgada, moradores de oceanos que continuavam a ser lugares extremamente arriscados. Partilhavam as águas tanto gigantes pacíficos, como o Bonnerichthys, com seis metros de comprimento, como sanguinários caçadores, caso do Xiphactinus, de cinco metros. Equipado com enormes dentes afiados que enchiam uma boca semelhante à de um buldogue, este caçador foi um feroz carnívoro.

Um exemplar célebre foi descoberto, em 1952, pelo paleontólogo George Fryer Stern­berg no condado norte-americano de Gove (Kansas). Sternberg desenterrou um espécime de Xiphactinus em excelente estado de conservação e que até continha um “brinde”no seu interior: outro peixe inteiro, um Gillicus, de 1,8 metros de comprimento. A explicação mais provável é que o animal engolido, ao agitar-se com toda a força, tenha causado lesões irreversíveis em alguns órgãos internos do sôfrego Xiphactinus. Bem diz o ditado que “pela boca morre o peixe”; neste caso, o glutão não reparou no tamanho da iguaria, pelo que também se poderia dizer que “quem com ferro mata, com ferro morre”.

Não eram os únicos “vizinhos” dos oceanos, pois por ali também navegavam os plesiossauros, esses gigantes de cabeça pequena e pescoços que chegavam a alcançar uma extensão difícil de imaginar. O campeão, até à data, parece ser o Styxosaurus, que tinha 12 metros no total e um pescoço que atingia os seis metros de comprimento (o das girafas ronda os dois metros). Muito se tem debatido a função e a utilidade de semelhante anatomia, e trata-se de uma questão para a qual ainda não se encontrou uma resposta definitiva. O facto é que a flexibilidade do pescoço era muito limitada, devido às rígidas articulações entre as vértebras cervicais. Por isso, o Styxosaurus não podia dobrá-lo de forma ondulante, nem pôr a cabeça fora de água como se fosse um periscópio. O longo cachaço talvez lhe servisse para se aproximar das presas sem que estas pudessem detectar o seu grande corpo.

Os plesiossauros devem ter sido perseguidos por formidáveis esqualos como o Cretoxyrhina e o Squalicorax, os quais podiam alcançar sete e cinco metros, respectivamente, com uma envergadura e porte semelhantes aos dos actuais tubarões brancos. No entanto, apesar de grandes e bem equipados, estes peixes não podiam competir com os grandes senhores da época, os mosassauros. Um espécime, o Tylosaurus, foi encontrado numa jazida norte-americana. Com cerca de 15 metros de comprimento, tinha uma alimentação carnívora variada: alguns dos fósseis mostram o conteúdo das últimas refeições, que incluem peixes, aves marinhas e mesmo outros mosassauros menos ditosos. Houve também géneros mais sibaritas que se especializaram em comer marisco, como é o caso do Globidens e do Prognathodon. Os seus membros possuíam dentes arredondados em forma de cavilha que podiam triturar conchas e outros moluscos.

Grandes carapaças

As tartarugas também não quiseram ficar para trás e, após um tímido começo no Cretácico inferior, chegaram a produzir majestosos espécimes. Podemos referir o Protostega, de três metros, e o Archelon, que, com quatro metros de comprimento, é a maior tartaruga de todos os tempos. É difícil imaginar semelhantes animais, do tamanho de um automóvel utilitário e com um estilo de vida provavelmente não muito distinto daquele das actuais tartarugas. Todavia, a maior parte dos répteis marinhos desapareceu há 65 milhões de anos devido a uma gigantesca catástrofe: o impacto de um enorme bólide contra a Terra provocou a célebre extinção do Cretácico, a qual acabou também com os dinossauros.

A estirpe dos esqualos não terminou na altura mas atingiu, pelo contrário, o seu apogeu, com exemplares como o megalodon, com perto de 20 metros de comprimento. Não se dispõe de muitos dados sobre o animal, pois nunca se recuperou um exemplar completo, mas sabe-se que foi o maior tubarão da história e que dominou, durante mais de 20 milhões de anos, os oceanos do planeta. Para alívio de mergulhadores e surfistas, o megalodon extinguiu-se há 1,8 milhões de anos, possivelmente devido ao arrefecimento das águas ou porque a sua principal fonte de alimentação (os cetáceos) começou a diminuir.

As histórias dos monstros marinhos pré-históricos chegaram até nós na forma de fósseis, e essas rochas são verdadeiros tesouros que nos revelam como eram esses déspotas das profundezas.


Grandes dentadas
Os estudos de Jeff Liston, o maior especialista do mundo em Leeds­ichthys, indicam que o enorme peixe também não estava a salvo das mandíbulas dos superpredadores jurássicos. Liston estudou um exemplar de Leeds­ichthys com uma dentada de cerca de 13 centímetros e marcas de dentes de 47 mm de diâmetro. Uma mordedura de semelhante calibre só pode ter sido feita por um pliossauro que tentava caçá-lo sem o conseguir, pois a zona mostra um processo regenerativo. O segundo peixe analisado por Liston apresenta uma mordedura mais pequena, possivelmente feita por um plesiossauro ou um pliossauro ainda jovem.

Super Interessante
M.G.B.

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