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sexta-feira, 29 de julho de 2016

O que são as Áreas Protegidas de âmbito privado?

Áreas Protegidas de âmbito privado são áreas propostas e geridas pelos proprietários, através dos procedimentos previstos na Portaria n.º 1181/2009, de 7 de Outubro, sendo a designação efectuada pela autoridade nacional. Tipologia admitida: Área protegida privada.

Neste âmbito, existe a Área Protegida Privada Faia Brava.

Na sequência da publicação do Aviso n.º 26026/2010, de 14 de Dezembro (D.R. n.º 240, 2.ªsérie), referente à criação da Área Protegida Privada Faia Brava, disponibiliza-se o texto do Plano de Gestão daquela AP.



Procedimentos para a criação de Áreas Protegidas

O processo de criação de Áreas Protegidas (AP) é actualmente regulado pelo Decreto-Lei n.º 142/2008, de 24 de Julho. A classificação das AP de âmbito nacional pode ser proposta pela autoridade nacional (ICNB) ou por quaisquer entidades públicas ou privadas; a apreciação técnica pertence ao ICNB, sendo a classificação decidida pela tutela. No caso das AP de âmbito regional ou local a classificação pode ser feita por municípios ou associações de municípios, atendendo às condições e aos termos previstos no artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 142/2008, de 24 de Julho.

As tipologias existentes são Parque nacional, Parque natural, Reserva natural, Paisagem protegida e Monumento natural; com excepção do “Parque Nacional” as AP de âmbito regional ou local podem adoptar qualquer das tipologias atrás referidas, devendo as mesmas ser acompanhadas da designação “regional” ou “local”, consoante o caso (“regional” quando esteja envolvido mais do que um município, “local” quando se trate apenas de uma autarquia).


O Decreto-Lei n.º 142/2008, de 24 de Julho, prevê ainda a possibilidade de criação de Áreas Protegidas de estatuto privado (APP), a pedido do respectivo proprietário; o processo de candidatura, a enviar ao ICNB, está regulado pela Portaria n.º 1181/2009, de 7 de Outubro, envolvendo o preenchimento de um Formulário, disponível no subcanal "Formulário".

As AP de âmbito nacional e as APP pertencem automaticamente à RNAP (Rede Nacional de Áreas Protegidas); no caso das AP de âmbito regional ou local a integração ou exclusão na RNAP depende de avaliação da autoridade nacional.


DISCUSSÃO PÚBLICA - RECLASSIFICAÇÃO DE ÁREAS COM ESTATUTO DE PROTECÇÃO 

Formulário para Criação de Áreas Protegidas

- Requerimento de designação de uma área protegida privada (artigo 3º, nº 1, da Portaria n.º 1181/2009, de 7 de Outubro) - FORMULÁRIO

segunda-feira, 25 de julho de 2016

Resumo sobre a Estratégia Nacional de Educação Ambiental


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Powerpoint sobre os Refugiados Ambientais


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Powerpoint sobre os Princípios da Política do Ambiente na União Europeia



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Powerpoint sobre os Princípios Subjacentes à Política e Legislação do Ambiente



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Powerpoint sobre Compostagem Caseira


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sexta-feira, 22 de julho de 2016

Manual sobre Compostagem Doméstica


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Tartarugas-verdes ingerem cada vez mais lixo produzido pelo Homem


As tartarugas-verdes, uma espécie marinha em vias de extinção, são cada vez mais propensas a ingerir o lixo produzido pelo homem, como sacos de plástico que lhes podem provocar a morte, revela um estudo realizado na Austrália.

Segundo o estudo, publicado na revista científica Conservation Biology, seis das sete espécies de tartarugas marinhas existentes ingerem resíduos rejeitados pelo homem. As seis estão classificadas pela União Internacional de Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês) como vulneráveis ou em perigo.

“Para a tartaruga-verde [Chelonia mydas], a probabilidade de ingerir os resíduos quase duplicou em 25 anos”, disse à AFP Qamar Schuyler, que coordenou o estudo da Universidade de Queensland, na Austrália. “As tartarugas-verdes em particular ingerem muito mais [lixo] do que antes”, sublinha. A probabilidade passou de 30% em 1985 para cerca de 50% em 2012.

Para chegar a estes números, os investigadores basearam-se em 37 estudos publicados entre 1985 e 2012, que têm informação detalhada sobre os objectos encontrados desde 1900 no estômago das tartarugas.

As tartarugas-verdes, assim designadas por terem uma carapaça verde, chegam a medir 1,50 metros quando são adultas. Encontram-se sobretudo no Oceano Índico mas também no Atlântico, em áreas costeiras com muita vegetação – há registo da ocorrência da espécie nos Açores, por exemplo. Têm uma esperança média de vida de 80 anos mas esta longevidade pode inverter-se.

Os resíduos de plástico que ingerem acidentalmente, por os confundirem com algas ou águas-vivas, podem matá-las, bloqueando-lhes o estômago ou perfurando os intestinos. Estes resíduos podem também libertar toxinas no corpo destes répteis e afectar o seu ciclo reprodutivo.

Noticia retirada daqui

A Terra já foi mais quente mas vai bater recorde de 11.000 anos



O aquecimento global de origem humana nas últimas décadas é reconhecido pelos cientistas como uma evidência. Mas ao longo dos últimos 11 mil anos, a Terra ainda foi mais quente. É isto o que sugere um estudo pioneiro, que tentou fazer uma reconstituição mais consistente da temperatura global ao longo de milénios.

O estudo, publicado na revista Science, não deixa porém margem para optimismos: os termómetros estão hoje a um nível em que nunca estiveram em 75% de todo o Holoceno –  a época geológica que se estende desde a última glaciação e que corresponde ao auge da civilização humana – e podem chegar a 2100 ao maior nível de sempre nesse período.

O passado climático da Terra tem sido escrito com base em diferentes fontes. Para o último século e meio, há dados de termómetros. Para além deste período recente, no entanto, é preciso inferir a temperatura a partir de dados indirectos – sejam naturais, como fósseis, ou humanos, como registos históricos.

Para os últimos 1000 anos, as reconstituições basearam-se até agora sobretudo em secções de árvores, calculando-se a temperatura a partir dos anéis de crescimento. É esta a principal fonte que deu origem a um famoso gráfico, produzido por cientistas em 1999 e cunhado como “gráfico do stick de hóquei”, que mostra a temperatura da Terra mais ou menos estável desde o ano 1000, mas com um súbito aumento a partir de 1900.

O novo artigo agora publicado – de autoria de investigadores das universidades norte-americanas do Estado de Oregon e de Harvard – coloca este último capítulo da Terra num contexto maior, dos últimos 11.300 anos. A reconstrução da temperatura média global foi feita através da combinação de 73 conjuntos de dados, de vários pontos do mundo, obtidos através de sedimentos, amostras de gelo e até pólen.

O resultado sugere que houve inicialmente uma subida de aproximadamente 0,6 graus Celsius e que a temperatura manteve-se a um nível elevado entre 9500 e 5500 antes da data actual. Depois, o termómetro baixou 0,7 graus Celsius, lenta e progressivamente, até há mais ou menos um século. E então voltou a subir, mas desta vez exponencialmente.

“Esta investigação mostra que tivemos quase a mesma amplitude de variação da temperatura desde o início da Revolução Industrial do que nos últimos 11.000 anos da história da Terra, mas esta alteração ocorreu muito mais rapidamente”, afirma, num comunicado, Candace Major, da Fundação Científica Nacional, a agência norte-americana destinada ao financiamento da investigação, e que apoiou este projecto.

“Já sabíamos que, à escala global, a Terra é mais quente hoje do que na maior parte dos últimos 2000 anos. Agora, sabemos que é mais quente do que na maior parte dos últimos 11.300 anos”, completa Shaun Marcott, um dos principais autores do estudo, no mesmo comunicado.

Os cenários do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas colocam a temperatura média da Terra em 2100 entre 1,1 e 6,4 graus Celsius mais quente do que a da era pré-industrial. Segundo o estudo, o termómetro global estará, por isso, acima de qualquer nível dos últimos 11 mil anos.

Ainda segundo o estudo, as alterações de longo prazo desde a última glaciação podem em parte ser explicadas com as variações na orientação da Terra. Verões progressivamente menos quentes no Hemisfério Norte terão contribuído para grande parte da descida da temperatura global entre a partir de 5500 anos antes da data presente.

http://www.publico.pt/

Em Portugal há um contentor de lixo para cada 33 pessoas


Portugal tem 320 mil contentores para receber o lixo dos portugueses, o que corresponde a uma média de um contentor por cada 33 cidadãos, revela a primeira avaliação realizada pela Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR), divulgada esta quinta-feira.

O estudo permitiu fazer um retrato do sistema de resíduos urbanos em Portugal, revelando que existem 40 mil ecopontos e 2500 viaturas de transporte de lixo para as instalações de triagem, unidades de valorização orgânica ou de incineração e aterros.

 O universo das entidades prestadoras de serviços de resíduos urbanos abrange praticamente a generalidade da população portuguesa e serve mais de cinco milhões de alojamentos, através de 263 entidades gestoras a operar em baixa (recolha dos resíduos) e 23 que fazem o tratamento dos resíduos (sistema em alta), o presidente da ERSAR em declarações à agência Lusa.

Jaime Melo Baptista avançou que, por este serviço, uma família paga, em média, 43 euros por ano, valor que considera baixo, sublinhando que as tarifas “não cobrem os custos” de funcionamento.

Em Portugal, entram no sistema 4,6 milhões de toneladas de resíduos urbanos por ano, das quais cerca de 800 mil através de recolha selectiva. Do total de lixo, 400 mil toneladas destinam-se a reciclagem, enquanto a valorização orgânica recebe 300 mil toneladas e a incineração um milhão. Ainda são depositadas em aterro cerca de 3,1 milhões de toneladas.

No que diz respeito ao destino do lixo dos portugueses, avaliação da ESAR identificou 200 ecocentros, 29 instalações de triagem, 35 aterros, 13 unidades de valorização orgânica e duas de incineração.

Trata-se de “um parque de infraestruturas muito significativo, que é operado por mais de nove mil trabalhadores nos serviços em baixa e 3.500 em alta”, salientou Jaime Melo Baptista.

As empresas do serviço em alta apresentam rendimentos de cerca de 330 milhões de euros por ano para gastos de 300 milhões, um saldo positivo que não se estende à recolha de lixo, onde estão 6.800 entidades municipais e 2.400 privadas.

O presidente da ERSAR explicou que, na recolha “o levantamento desta informação revelou grande dificuldade de muitos operadores em saberem contabilizar quer os custos, quer, por vezes, as receitas”, uma situação que preocupa o responsável.

No que respeita a gastos e receitas, apenas metade dos operadores forneceram dados considerados credíveis pela ERSAR, grupo em que se encontram “rendimentos de cerca de 200 milhões de euros e gastos de 300 milhões, o que quer dizer que, neste setor, os operadores, em média, não recuperam os custos que têm”.

Jaime Melo Baptista salientou que “grande parte dos operadores não tem ainda mecanismos de avaliação dos custos dos serviços” e que “é muito difícil evoluir para uma prática tarifária correta, definindo um tarifário suficiente para recuperar custos e socialmente aceitável”.

Os consumidores apresentaram 11 mil reclamações e sugestões relativas à recolha de lixo, num total de 40 mil referentes aos serviços de água, saneamento e resíduos.

As unidades de tratamento de lixo gastam energia, mas produzem muito mais. Este trabalho da ERSAR concluiu que os operadores consomem 71 milhões de quilowatts por hora num ano, mas vendem 650 milhões de quilowatts por hora.

http://www.publico.pt/

Vigilantes do ambiente


Numa fase em que os avanços tecnológicos parecem imparáveis, a utilização de líquenes para monitorizar a qualidade do ar pode parecer uma prática retrógrada. O biólogo Jorge Nunes mostra como estas fascinantes manchas vivas têm vindo a afirmar-se na monitorização ambiental e a conquistar seguidores em Portugal.

A maioria dos líquenes assemelha-se a salpicos de tinta que parecem ter caí­do de uma tela de pintura, formando manchas coloridas espalhadas ao acaso pela paisagem. São organismos bastante ubíquos, encontrando-se desde os píncaros mais agrestes das montanhas geladas até às inóspitas zonas das marés, ao nível do mar, onde apenas organismos altamente especializados conseguem sobreviver à dureza da rebentação das ondas e à ininterrupta alternância entre o mundo terrestre e aquático. Com as suas múltiplas cores e formas geralmente bizarras, qualquer superfície lhes serve de suporte, desde o património natural (rochas, troncos de árvores, etc.) ao construí­do pela mão humana (monumentos, muros, telhados, etc.).

Ainda que a maioria das pessoas já tenha reparado nestas curiosas pinturas abstractas, estão longe de imaginar que, por detrás daqueles borrões, se escondem curiosos seres vivos que se contam entre os mais antigos da Terra. Custa a acreditar que aquelas estranhas manchas possam nascer, crescer e reproduzir-se como a maioria das plantas e dos animais que conhecemos, mas quanto a isso parece não haver quaisquer dúvidas. Aliás, as curiosidades dos líquenes não se ficam por aqui, pois julga-se que possam existir actualmente mais de 15 mil tipos de “manchas”, ou seja, mais de 15 mil espécies de líquenes, cada uma com os seus segredos e especificidades.

A palavra “líquen” tem a sua etimologia no grego e significa literalmente “musgo das árvores”. Foi utilizada pela primeira vez por Teofrasto (372–287 a.C.) para se referir aos organismos que cresciam sobre as cascas das oliveiras. Até ao século XVIII, os líquenes foram incluídos no reino das plantas, mais propriamente no grupo dos musgos. Contudo, com a evolução da tecnologia e concomitantemente das ciências biológicas, por volta de 1869, o botânico alemão Schwendener desvendou uma das mais fascinantes características dos líquenes, constatando que não são um único organismo, mas a associação de dois seres vivos diferentes que se ajudam mutuamente, vivendo em estreita cooperação. Esta descoberta foi tanto mais importante quanto a constatação de que os organismos que constituem o líquen são oriundos de reinos diferentes: geralmente, uma alga verde (pertencente ao reino dos protistas) e um fungo (reino dos fungos). Actualmente, sabe-se que os líquenes até podem envolver seres de três reinos distintos, uma vez que as algas verdes poderão dar lugar a (ou coexistir com) cianobactérias, também conhecidas por “algas azuis”, que pertencem ao reino Monera.

Os líquenes surgem em quase todos os ecossistemas da Terra, desde os desertos gelados dos pólos às regiões áridas e escaldantes dos trópicos. Esta capacidade de sobreviver em condições extremas advém-lhes do facto de serem organismos simbióticos, que resultam da união e cooperação de vários parceiros. Existe um fungo, também denominado “micobionte”, a que se juntam um ou mais indivíduos fotossintéticos, chamados “ficobiontes”, como as algas verdes (que estão presentes em cerca de 85 por cento das espécies de líquenes) e as cianobactérias (que surgem em aproximadamente 10% dos líquenes). Os restantes 5% resultam da presença simultânea de dois tipos de ficobiontes (Protistas e Moneras).

A que se ficará a dever esta associação tão estranha entre dois seres vivos tão diferentes? A resposta em relação ao fungo é relativamente óbvia: ele recebe do parceiro fotossintético os compostos orgânicos necessários para a sua nutrição. Contudo, a forma como retira os nutrientes do ficobionte é pouco condizente com o que seria de esperar de uma união coo­pe­rativa. O enlace entre os dois seres não é propriamente uma romântica história de amor, pois começa com o fungo a capturar do meio as algas que mantém cativas no seu interior.

Como se não bastasse a reclusão das algas, o fungo ainda desenvolve filamentos sugadores que penetram no ficobionte e extraem dele a preciosa seiva que lhe vai servir de alimento. Esta aparente submissão do ficobionte ao micobionte levou vários investigadores a considerar os líquenes mais como um exemplo de parasitismo, onde o fungo nitidamente explora a alga, do que um caso de cooperação. Só que, embora se torne mais difícil enumerar os ganhos para o ficobionte, eles na realidade também existem. As algas são organismos muito frágeis e dependentes da água, que jamais sobreviveriam durante muito tempo sem a protecção dos filamentos do fungo (que evitam a exposição à luminosidade intensa e a desidratação resultante das temperaturas elevadas).

Esta, no entanto, parece ser uma relação perversa e um verdadeiro casamento por interesse. As algas e os fungos parecem viver em equilíbrio precário, pois se fornecermos ao fungo condições nutritivas ideais, tais como hidratos de carbono dissolvidos, ele não se preocupará mais com a alga, acabando por asfixiá-la. Do mesmo modo, a alga apresentará vida livre na presença de condições ideais de luminosidade, disponibilidade de água e sais minerais. Perante estes factos, há quem defenda que a liquenização só se justifica quando os dois organismos encontram condições relativamente desfavoráveis que os impedem de sobreviver sozinhos.

Contudo, convém não esquecer que o líquen possui a sua própria individualidade, pelo que faz muito mais sentido analisar os benefícios do líquen como um todo do que as vantagens parcelares dos organismos que o constituem. É a união de dois seres vivos tão distintos que confere aos líquenes a resistência a condições ambientais totalmente adversas e faz deles espécies pioneiras em ambientes inóspitos (como é o caso das ilhas vulcânicas ou de qualquer outro lugar da Terra onde exista vida), criando as condições necessárias à fixação progressiva de espécies vegetais e animais cada vez mais complexas, num processo denominado de “sucessão ecológica”. Nesses lugares hostis, o fungo, sozinho, não conseguiria obter as substâncias nutritivas de que necessita e as algas, isoladas, seriam rapidamente destruídas. Juntos podem conquistar novos biótopos que de outro modo lhes seriam completamente interditos e isto traz-lhes manifestas vantagens.

Manchas vivas
Embora os líquenes sejam vulgarmente referidos como “manchas vivas”, convém esclarecer que nem todas as 15 mil espécies surgem sob a forma de manchas e, mesmo quando isso acontece, apresentam formas e cores muito variadas. Quem nunca reparou nos estranhos “cabelos” esverdeados que pendem dos ramos de diversas plantas ou nas ramificações multicolores que decoram os monumentos e os troncos de muitas árvores?

No que respeita às cores, vão desde o vermelho ao azul, passando pelo verde e o amarelo. Para além das cores padrão, apresentam uma enorme diversidade de tons que variam de espécie para espécie e dentro da mesma espécie em função do substrato onde se fixam.

Quanto à morfologia, podem considerar-se três tipos de líquenes: incrustados (semelhantes a manchas), folhosos (imitando folhas) e fruticolosos (idênticos a pequenos arbustos). As espécies incrustadas formam uma crosta colada ao substrato, geralmente rochas e cascas de árvores, estando por isso bem adaptadas para sobreviver nas mais extremas condições ambientais e tornando difícil ou impossível a sua remoção sem destruir a estrutura do líquen. Os líquenes folhosos, como sugere o seu nome, assemelham-se a pequenas folhas e encontram-se fixos ao substrato de forma mais ténue. Quanto aos fruticulosos, parecem pequenos arbustos mais ou menos ramificados que se encontram fixos ao substrato de forma bastante incipiente. Estes últimos si­tuam-se entre os maiores dos líquenes, podendo atingir dois metros de comprimento.

Os três tipos de líquenes não são apenas distintos do ponto de vista morfológico, mas a sua organização estrutural condiciona igualmente muitas das suas características, como, por exemplo, a longevidade. Assim, os líquenes fruticulosos, como a Cladonia, vivem no mínimo dez anos, enquanto os incrustados, como o Rizocarpon, podem ultrapassar um século de vida. Quando os líquenes vivem tantos anos, geralmente possuem um crescimento muito lento, que é muitas vezes inferior a um milímetro por ano. Nas espécies foliáceas, de que é exemplo a Peltigera, que apresentam uma longevidade intermédia, o crescimento é mais rápido, podendo atingir os três centímetros anuais.

Ao contrário da maioria dos seres vivos, não é fácil dizer quando é que um líquen está morto, dado que, mesmo quando totalmente seco durante vários anos, bastarão algumas singelas gotas de água para fazê-lo “ressuscitar”. Esta notável capacidade de passar rapidamente a um modo de vida retardado inibindo as funções vitais, devido à perda repentina da maior parte da água da sua constituição, poderá ser um dos mais significativos aspectos que têm contribuído para o sucesso dos líquenes. É esta invulgar capacidade que permite a algumas espécies suportar um frio próximo de –196 ºC e a outras temperaturas de cerca de 100 ºC, sendo quase todas resistentes a temperaturas que oscilam entre os –20 ºC e os 70 ºC.

Os líquenes incrustados, que se desenvolvem sobre as rochas nos desertos, podem mesmo sobreviver vários meses num estado totalmente dessecado. Conseguem retirar da humidade atmosférica ou do orvalho matinal uma quantidade de água suficiente para reactivar as suas funções vitais durante um curto período de tempo, antes do calor tórrido voltar a bloqueá-las.

Curiosamente, também ao nível estrutural o fungo tem a supremacia, pois é dele que depende em grande medida o aspecto do líquen. Assim, o micobionte ocupa a maior parte do líquen, dando-lhe forma, enquanto as algas e as cianobactérias se distribuem mais ou menos homogeneamente pelo seu interior. Esta localização interna leva a que também ao nível da reprodução o líquen pouco ou nada dependa do ficobionte, cabendo essencialmente ao fungo a produção de estruturas reprodutivas, quer sexuadas, quer assexuadas. Devido a esta hegemonia do fungo na relação simbiótica, os líquenes passaram a ser considerados e classificados como um grupo particular de fungos, com várias peculiaridades biológicas.

Inspectores da qualidade do ar
Por volta de 1866, o liquenologista escandinavo Nyland notou que alguns líquenes observados em certas árvores nos arredores urbanos de Paris não eram encontrados nas mesmas espécies arbóreas que estavam plantadas no centro da cidade. Deduziu que, apesar de essas espécies já terem existido nos parques e jardins citadinos, teriam desaparecido devido à acção de poluentes que foram contaminando progressivamente a atmosfera. A partir daí, veio a comprovar-se que os líquenes são susceptíveis aos gases atmosféricos, dado que absorvem e acumulam os poluentes, podendo servir como indicadores biológicos da qualidade do ar.

Embora tenham sido capazes de se adaptar a ambientes inóspitos e de sobrevivência difícil, os líquenes não são indiferentes às condições do meio. São extremamente sensíveis às variações da poluição atmosférica, em especial à provocada pelo dióxido de enxofre, sendo esta a principal causa da regressão e do desaparecimento de diversas espécies em várias regiões urbanas e industrializadas da Europa.

O dióxido de enxofre, embora possa ocorrer naturalmente na atmosfera, é um poluente que resulta essencialmente da queima de combustíveis fósseis utilizados em diversos processos industriais e dos gases libertados pelos escapes dos veículos. Trata-se de um gás incolor, irritante para as mucosas dos olhos e das vias respiratórias, podendo ter, em concentrações elevadas, efeitos agudos e crónicos na saúde humana, nomeadamente ao nível cardiovascular e do aparelho respiratório.

A eleição dos líquenes como bioindicadores não foi feita ao acaso, mas resultou, essencialmente, das suas peculiares características e exigências ecológicas. De entre as mais importantes, salienta-se não possuírem camadas protectoras (que são comuns nas folhas das plantas); não terem raízes e não retirarem do substrato os seus nutrientes (captando-os, essencialmente, da atmosfera); produzirem o seu próprio alimento através da actividade fotossintética das algas que os constituem; apresentarem crescimento ao longo de todo o ano; serem bastante resistentes às condições atmosféricas de humidade e temperatura adversas; possuírem uma ampla distribuição geo­gráfica; serem fáceis de identificar e estudar; terem a capacidade de acumular poluentes atmosféricos e apresentarem grande sensibilidade às variações da contaminação do ar.

Os poluentes atmosféricos induzem vários efeitos nos líquenes, que vão desde a redução do potencial reprodutivo e a diminuição do crescimento até às modificações morfológicas e às alterações fisiológicas (ao nível da fotossíntese e da respiração). Portanto, as diferentes espécies de líquenes não reagem do mesmo modo à contaminação atmosférica e desse modo a vitalidade e abundância de uma dada espécie permitirá estimar a quantidade de poluentes e a respectiva qualidade do ar.

A sensibilidade dos diferentes líquenes aos poluentes atmosféricos está bastante dependente do tipo de líquen, uma vez que, como facilmente se percebe, os líquenes fruticulosos e folhosos, porque possuem uma área de contacto com o ar muito maior, são geralmente mais sensíveis e mais utilizados. Pelo contrário, as espécies incrustadas, devido à sua grande adesão ao substrato, apresentam uma menor área de contacto com o ar e com as eventuais substâncias químicas que aí surjam, sendo o seu efeito mais difícil de observar, dado que o organismo demorará mais tempo a reagir à sua presença.

Embora as máquinas de medição atmosférica sejam muito mais precisas na quantificação dos poluentes, jamais conseguirão demonstrar o impacte dos valores medidos nos seres vivos que habitam nesses locais. Assim, em pleno século XXI, em que os avanços tecnológicos parecem imparáveis, a utilização dos líquenes para monitorizar a qualidade do ar continua a conquistar seguidores e parece apresentar evidentes vantagens, que não são de menosprezar. Mencione-se, entre outras, a facilidade de utilização, o baixo custo, a obtenção rápida de resultados e o facto de permitir o acompanhamento da evolução da qualidade do ar num dado local, através da variação da variedade e da vitalidade das espécies liquénicas. Um outro benefício, referido amiúde pelos investigadores, relativamente a este “método natural”, é não permitir apenas determinar a qualidade do ar (inferindo a quantidade de poluentes existentes num dado local), mas mostrar claramente os seus efeitos nos seres vivos.

Isto não significa que a biomonitorização ambiental (recorrendo aos líquenes e musgos) deva substituir a monitorização física (realizada através de estações de amostragem constituídas por tecnologia muito avançada e com elevados custos de aquisição, instalação, operação e manutenção), mas que seja entendida como um seu complemento.

Diz-me que líquenes vês...
Embora os líquenes possam ser muito fiáveis como bioindicadores, é necessário conhecer muito bem a morfologia e a fisiologia das espécies que são usadas, de modo a que as interpretações ecológicas sejam consideradas válidas para um dado local, isto porque estes organismos não se comportam exactamente da mesma forma em todos os locais onde surgem. Este facto obriga a que as conclusões de estudos liquénicos realizados numa dada região ou país não possam ser directamente extrapolados para outros locais sem antes garantir que o comportamento dessas espécies é similar.

Quando os investigadores pretendem utilizar uma determinada espécie de líquen para estudos de poluição atmosférica e ela não existe nesse local, podem fazer transplantes a partir dos lugares onde a espécie se desenvolve com vitalidade. Esta técnica de transplantes tem demonstrado enorme fiabilidade, uma vez que, desta forma, é possível utilizar espécies amplamente testadas, conhecendo-se, desde o início, o modo como elas se comportam em determinadas condições atmosféricas durante vários meses ou até anos. Durante esse período, os cientistas monitorizam parâmetros como as alterações morfológicas, ultraestruturais e fisiológicas dos líquenes e a acumulação de substâncias contaminantes.

Para a utilização dos líquenes como bioindicadores da qualidade do ar, recorre-se geralmente a escalas qualitativas que permitem relacionar a ausência/presença de determinadas espécies e a sua vitalidade (dimensões, estruturas reprodutoras, etc.). Contudo, de modo a obter dados fiáveis e representativos das áreas em estudo, é necessário utilizar escalas adaptadas a essas mesmas regiões, tendo em conta a diversidade de espécies liquénicas e as condições climáticas.

No caso de Portugal, uma equipa de investigação coordenada por Cecília Sérgio, da Faculdade de Ciências de Lisboa, iniciou trabalhos de campo em 1978 e tem produzido vários estudos nos quais são utilizados os líquenes (e briófitos) como indicadores biológicos da poluição atmosférica, designadamente na região de Lisboa e Vale do Tejo. Na sua peugada, muitos outros investigadores têm realizado diversos estudos um pouco por todo o país. Um dos mais propalados foi o projecto SinesBioar, um estudo de monitorização e gestão da qualidade do ar da região de Sines, em que se empregou a diversidade de líquenes e a acumulação de substâncias tóxicas (enxofre, azoto, chumbo, cobre, níquel, alumínio, ferro, titânio, silício, magnésio, manganês, cobalto, mercúrio, cálcio, potássio, cádmio) como indicadores da intensidade e do tipo de contaminação atmosférica. Através do estudo dos líquenes, foi possível elaborar mapas que mostraram ao redor de Sines e expandindo-se para Sueste, no sentido dos ventos dominantes, a distribuição dos poluentes.

Se quiser saber a qualidade do ar que se respira num dado local, basta fazer um pequeno passeio e prestar atenção aos troncos das árvores. Se observar muitos líquenes, isso é um bom sinal, principalmente se forem fruticulosos. É caso para dizer: diz-me que líquenes vês, dir-te-ei o ar que respiras!


J.N.
SUPER 154 - Fevereiro 2011

Matriarca do ambiente



Judith Cortesão: do Porto para o resto do mundo
É difícil encontrar, no Brasil, um ambientalista que não se sinta devedor do legado de Judith Cortesão. No entanto, a vida aventureira desta portuense tem muito mais facetas, convergindo num ponto focal: Judith era uma entusiasta da felicidade geral.

Até à década de 1970, nenhuma criança sabia o que era ecologia, poluição, etc.”, dizia, em 2000, a ambientalista Judith Cortesão, constatando com algum optimismo a clara mudança de mentalidade ambiental que ocorreu nas décadas seguintes. Se a transformação não estava ainda perto de resolver todos os problemas ecológicos, ela era, para esta incansável luso-brasileira, “a maior força de esperança de um futuro em que haja mais dignidade para todos os seres e mais paz entre os homens”.

Através da “formação de quadros”, como gos­tava de dizer, da criação e concretização de projectos nas mais diversas áreas, das pes­qui­sas realizadas ou das batalhas empreendidas em nome da conservação e da integração, Ju­dith (que morreu aos 92 anos, em 2007) foi uma das grandes pioneiras desse processo no Bra­sil, com uma trajectória que lhe rendeu o ape­lido de “matriarca do ambientalismo brasileiro”.

Mas mesmo com o destaque cada vez maior dado aos assuntos ecológicos em todo o mundo e após uma eleição presidencial em que os temas “verdes” pautaram como nunca o debate político brasileiro, o nome de Judith Cortesão manteve-se, de modo geral, restrito aos círculos ambientalistas no Brasil, apesar de os seus feitos serem visíveis por todo o país. Em Portugal, de modo semelhante, pouco se sabe de Judith para além do facto de ser filha do historiador Jaime Cortesão ou de ter sido casada com o filósofo Agostinho da Silva.

Judith não procurava fama ou dinheiro, mas apenas concretizar os seus projectos e mudar as mentes, levasse isso o tempo que levasse. E assim participou, citando uma pequena parte dos seus feitos, em expedições à Antárctida, na concepção de organizações não-governamentais como o SOS Mata Atlântica e o Instituto Acqua, na criação de diversas reservas ecológicas e na redacção da Constituição do Brasil no capítulo dedicado ao meio ambiente, além de ter sido consultora da UNESCO, representante do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional do Brasil (SPHAN), professora de pós-graduação em educação ambiental na Universidade Federal do Rio Grande (Rio Grande do Sul) e muito mais.

Vida de aventura
Para Judith, a vontade de acção, a militância e a busca de aventuras nunca se desligaram de uma insaciável sede de conhecimento. Ao longo da vida, frequentou seis cursos universitários (medicina, letras, biblioteconomia, antropologia, climatologia e meteorologia), estudou desde a espeleologia à história e aprendeu 14 línguas, incluindo árabe e chinês. Mas a sua incrível trajectória começara muito antes de tudo isso, ainda no Portugal do início do século XX.

Cidadã de ideias mais do que de países, como a definiu o intelectual português Manuel António Pina, Maria Judith Zuzarte nasceu no Porto em 1914 e teve uma vida digna de filme. Ainda jovem, mudou-se para Paris, onde cursou letras na Sorbonne, voltando a Portugal para continuar os estudos em Lisboa. Por pouco tempo: perseguida pelo governo de Salazar, a família Cortesão muda-se para Barcelona nos anos 30. Durante a Guerra Civil, o edifício em que vivem é bombardeado e Ju­dith fica ferida num braço. A família foge para França, atravessando os Pirinéus a pé. “Ela muitas vezes me contou dos horrores que presenciou na Guerra Civil. Com certeza foi o despertar da ambientalista, estrategista devota pela preservação da vida em todas as suas formas”, diz Manuel Touguinha, amigo próximo de Ju­dith e seu parceiro em projectos no Brasil a partir dos anos 90.

No fim dos anos 30, Judith é presa pelo regime salazarista quando regressa a Portugal, mas foge da prisão, e em seguida do país, regressando a Espanha. É nessa época, já durante a Segunda Guerra Mundial, que a família se transfere para o Brasil, onde recebe asilo e onde Jaime Cortesão se dedica aos estudos da história do país. Nesse período, convivem com importantes nomes da intelectualidade brasileira, como Manuel Bandeira, Murilo Mendes, Sérgio Buarque de Holanda, Assis Chateaubriand e Cecília Meireles, o que viria a influenciar muito a formação de Judith.

No Brasil, Judith casa com Agostinho da Silva, que também abandonara Portugal perseguido pelo governo de Salazar. Nos anos seguintes, o casal tem seis filhos e mora sucessivamente no Rio de Janeiro, em Itatiaia, em Santa Catarina e também no vizinho Uruguai.  Ali, já separada de Agostinho, durante o regime militar, no início dos anos 70, Judith é novamente presa e torturada, sob a acusação de estar ligada aos guerrilheiros tupamaros. “Contava que deixava os torturadores mais agressivos, porque nos interrogatórios ela dormia profundamente, de propósito, e não sentia os golpes de tortura”, conta Touguinha.

Após passar pelo Chile, pelo Peru e possivelmente por muitos outros lugares (nunca parou muito tempo no mesmo sítio), Judith regressa a Portugal e vive intensamente os dias da Revolução dos Cravos. No final dos anos 70, volta ao Brasil, onde se estabelece e, já com mais de 60 anos, mas com o espírito aventurei­ro de sempre, começa a sua trajectória mais directamente ligada ao ambientalismo.

Ambientalista educadora
Em tudo o que fazia, Judith carregava um persistente optimismo e um olhar profundamente humanista. Com uma visão sempre à frente do seu tempo, compreendeu e difundiu a necessidade de preservação ecológica antes mesmo de o ambientalismo se tornar um movimento organizado, em meados dos anos 80.

E preservar, para ela, significava pensar o homem integrado na natureza, sabendo das necessidades humanas e do dever de melhorar a qualidade de vida, principalmente num país tão desigual como o Brasil. “Nunca vi a Judith dizer: vamos salvar tal coisa em detrimento daquela população. Ou seja, se for preciso desmatar alguma coisa para poder plantar, porque não se tem o que comer, ela achava isso possível”, diz o ambientalista Theodoro Hungria, discípulo de Judith e seu parceiro em projectos no cerrado do país.

Assim, de facto, definir Judith apenas como “ambientalista” ou “ecologista” parece excluir as suas incontáveis outras facetas, ­áreas de interesse e de actuação: a antropóloga, a historiadora, a bióloga ou a médica (idealizou um dos mais importantes centros de formação de médicos na renomada rede de hospitais Sarah Kubitchek). Mas, para ela, falar em ecologia incluía tudo isso e muito mais; incluía animais e homens, natureza e sociedade, desenvolvimento e conservação, já que não compartilhava de uma visão segmentada do mundo. “Tudo era uma grande teia da vida. Nada estava separado e tudo se unia”, explica Touguinha.

Bom exemplo dessa visão é o seu depoimento para o documentário Intérpretes do Brasil, no qual explica aspectos da colonização brasileira e da mentalidade portuguesa da época a partir da beleza da ecologia marinha: “Os relatos [dos portugueses] falam da transparência das ondas e dos pequenos peixes rubros. Aquelas ilhas representavam o triunfo da vida sobre a matéria (...), eram cheias de coisas extraordinárias. Tudo isso é natural que tenha levado os navegadores ao mito, que tenha feito com que o Brasil, pela circunstância do esplendor e da variedade de sua paisagem, virasse a terra, por excelência, do mito.”

É difícil encontrar entre os mais importantes ambientalistas brasileiros de hoje (nas ONG, nas universidades, no governo, etc.) quem não tenha tido alguma influência, directa ou indirecta, de Judith. A sua vontade de formar “agentes multiplicadores de educação ecológica”, fossem crianças ou jovens universitários, moradores das comunidades, políticos e gente variada, parece ter resultado.

Legado de direitos e deveres
“Ela nunca falava com o cargo, ela falava com a pessoa. Então, era um relacionamento humano, em todos os sentidos. Você via almirantes trocando confidências com a Judith da mesma maneira que o pescador, um indígena ou um ambientalista. E essa facilidade dela de falar com as pessoas e ir encantando, isso teve um peso muito grande”, diz Clayton Ferreira Lino, presidente da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, um dos projectos que teve a mão de Judith.

O seu encanto fazia parte da sua estratégia. E com essas estratégias Judith foi criando infindáveis projectos ao longo da vida. Quando eram tantos que não podiam ser executados pela própria criadora, Judith instigava os seus discípulos a levá-los por diante. “Todos os dias nascia um projecto novo”, conta Touguinha. E foi com ele, em 1998, que a senhora Cortesão se mudou para Ilópolis, uma pequena cidade de colonização italiana no Sul do Brasil, onde concebeu, além de projectos ecológicos, a recuperação dos históricos moinhos de farinha da região.

Já muito doente e fragilizada, Judith muda-se para a Suiça em 2002, para cuidar da saúde e para “estar com os meninos”, já que a maioria de seus filhos vivem na Europa. Em 2003, ainda regressou ao Brasil para receber do presidente Lula da Silva a Grã-Cruz da Ordem do Mérito Cultural Brasileiro, o que fez com grande satisfação e a sensação do dever cumprido. Em 2007, morreu na Suiça, sem deixar fortuna (fora a grandiosa colecção de livros e de artesanato), mas legando muitos olhos abertos para “o esplendor da vida no planeta”, e atentos para os deveres que este esplendor implica.

M.G.F.
SUPER 154 - Fevereiro 2011

quarta-feira, 20 de julho de 2016

Rede elétrica baseada nas Energias Renováveis pode ser fiável e económica em 2030


As energias renováveis podem alimentar uma rede elétrica de grandes dimensões nos EUA de forma fiável e económica, em 2030, conclui um estudo publicado no mês passado online na revista Journal of Power Sources.

O trabalho foi levado a cabo por investigadores da University of Delaware e do Delaware Technical Community College que observaram que a fiabilidade do sistema energético baseado nas energias limpas roderia resultar da expansão da área geográfica usada na geração de eletricidade, do recurso a uma combinação de vários tipos de energias renováveis, do uso de sistemas de armazenamento de energia e, de forma reduzida, da utilização de combustíveis fósseis como último recurso.

Isto foi demonstrado recorrendo a um modelo computacional que analisou 28 mil milhões de combinações de fontes de energia renováveis e mecanismos de armazenamento energético que foram testados por períodos de 4 anos, e de acordo com registos meteorológicos horários e de procura de eletricidade.

“Por exemplo, usando hidrogénio para o armazenamento, podemos pôr em funcionamento um sistema elétrico que, atualmente, responderia a necessidades na ordem dos 72 GW 99,9 % do tempo usando 17 GW de energia solar, 68 GW de energia eólica offshore e 115 GW de energia eólica terrestre”, afirma Cory Budischak, do Departamento de Gestão Energética do Delaware Technical Community College, coautor do novo artigo.

O excesso de capacidade instalada do conjunto das várias tecnologias renováveis em relação à procura global é uma consequência do facto da sua produção ser inconstante, ou seja, de nem sempre gerarem o máximo de energia. No entanto, nos casos em que a produção de energia exceda a procura, os autores preveem o seu armazenamento, a sua utilização como substituto do gás natural para aquecimento dos edifícios, sendo o restante, residual, desperdiçado.

Willett Kempton, do College of Earth, Ocean and Environment da University of Delaware, explica a importância destes resultados ao afirmar que “vão contra a sabedoria convencional de que as energias renováveis não são fiáveis e são caras”.

Com efeito, os autores concluem “Apontar para 90% ou mais de energia renovável em 2030, de forma a atingir os objetivos de redução de 80 % ou 90 % do dióxido de carbono resultante da atividade do setor energético necessários no âmbito do combate às Alterações Climáticas,
conduz a poupanças económicas”

Fontes: Filipa Alves / www.udel.edu e www.gizmag.com

Partidos vão tentar encontrar consenso para nova Lei de Bases de Ambiente

As propostas da esquerda parlamentar para uma nova Lei de Bases do Ambiente vão baixar à comissão sem votação no plenário para um “debate alargado” sobre a matéria e numa tentativa de se chegar a um consenso.

PS, BE, PCP e PEV levaram ontem ao plenário da Assembleia da República propostas para rever a Lei de Bases do Ambiente, que tem 25 anos e que todos os partidos reconhecem estar desactualizada.

Apesar disso, CDS e PSD não apresentaram projectos de revisão porque o Governo anunciou recentemente a criação de uma comissão e de um conselho consultivo que trabalhará para elaborar uma proposta do Executivo.

A proposta do Governo juntar-se-á, assim, às dos partidos da esquerda e será com base em todos esses documentos que a Comissão Parlamentar de Ambiente trabalhará para tentar chegar a uma solução que seja consensual, tal como aconteceu com a lei ainda em vigor, que foi aprovada por unanimidade, em 1987.

O PS, através do deputado Renato Sampaio, recordou isso mesmo durante o debate de ontem no plenário e defendeu que a nova lei deve também resultar de um consenso o mais alargado possível de forma a “durar” outros 25 anos. Renato Sampaio reconheceu que a tarefa “não é fácil”, até porque é uma área que lida com “grandes interesses económicos”, acrescentando que a nova legislação terá necessariamente de ser “inovadora, equilibrada e realista”.

A deputada dos Verdes, Heloísa Apolónia, considerou ser “fundamental” rever esta legislação, que deixou de responder a questões e realidades que foram surgindo nos últimos 25 anos, e quando em Portugal “deixou de haver definitivamente Ministério do Ambiente, diluído na amálgama do MAMAOT [Ministério do Ambiente, Mar, Agricultura e Ordenamento do Território]”.

Heloísa Apolónia disse que a proposta do PEV “não esgota” todas as possibilidades e contributos e por isso considerou também “extraordinariamente importante um debate na especialidade alargado” para uma nova lei “sólida e robusta”.

Também Catarina Martins, do BE, manifestou a “abertura e o empenho” dos deputados do Bloco para “um debate na especialidade que seja abrangente”, sublinhando a necessidade de iniciar o processo de imediato: “O Ambiente está suspenso há nove meses e não podemos esperar outros 25 anos”, afirmou, numa referência a iniciativas na legislatura anterior que acabaram por não ter consequências.

Pelo PCP, o deputado Paulo Sá destacou que a lei em vigor atribuía ao Estado “um papel determinante” na protecção e na gestão ambiental mas devido à “omissão dos sucessivos Governos”, o Estado “não tem cumprido cabalmente o seu papel”. O deputado reforçou, por isso, a necessidade de contrariar a “estratégia de mercantilização dos recursos naturais e de destruição da riqueza” desses recursos.

O PSD, através do deputado Carlos Abreu Amorim, disse que os sociais-democratas “não estão satisfeitos” com os projectos apresentados ontem e defendeu que a revisão da Lei de Bases do Ambiente não se pode resumir a “um mero ajustamento legislativo” às directivas europeias e garantiu que o PSD “tudo fará” para ser levada a cabo uma verdadeira revisão, apelando ao PS “para se juntar à maioria nesta reforma importante”.

O apelo aos socialistas valeu a Carlos Amorim uma crítica de Heloísa Apolónia, que considerou que o PSD quer “encerrar” o debate entre três partidos (PS, PSD e CDS).

CDS e PSD defenderam que a nova lei deverá ser mais “sucinta” e “clara” do que os projectos apresentados ontem, para ser entendida e acessível a todos os cidadãos.

Porém, sublinhou a deputada do CDS-PP Margarida Neto, todos os projectos apresentados pela esquerda “serão certamente contributos” para o processo que será realizado pela comissão parlamentar.

Temos um ano para salvar o Planeta

A comunidade internacional foi advertida, esta segunda-feira, na abertura da conferência sobre alterações climáticas, em Poznan, oeste da Polónia, de que dispõe de um ano para se reunir e salvar o Planeta de um aquecimento fatal.

No encontro foi lançado um apelo para que seja concluído, no fim de 2009, em Copenhaga, um acordo global ambicioso no intuito de travar as alterações climáticas, apesar das dificuldades agravadas pela crise financeira.

Perante 9.000 delegados, cerca de 185 países reunidos a partir de hoje, e até 12 Dezembro, para a XIV Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas, o presidente dos trabalhos e anfitrião do encontro, o ministro do Ambiente polaco, Maciej Nowicki, considerou que "a humanidade, através dos seu comportamento, já levou o sistema do Planeta ao seu limite".

"Continuar assim provocaria ameaças de uma intensidade nunca vista: enormes secas e inundações, ciclones devastadores, pandemias de doenças tropicais (...) e mesmo conflitos armados e migrações sem precedentes", afirmou, aconselhando os negociadores a não "cederem aos obscuros interesses privados (quando) devemos modificar o perigoso rumo que a humanidade tomou".

O presidente do Grupo de Peritos sobre a Evolução do Clima (GIEC) e prémio Nobel da Paz de 2007, Rajendra Pachauri, referiu também os graves impactos da "inacção".

Um número suplementar de pessoas, mais 4,3 mil milhões a 6,9 mil milhões, ou seja, "quase a maioria da humanidade", que vive nas grandes bacias fluviais, arrisca-se a ser afectado pela seca, alertou.

Em Dezembro de 2007, a conferência de Bali fixou um roteiro que deveria levar os 192 Estados signatários da Convenção da ONU sobre as alterações climáticas (CNNUCC) à conclusão, até 2009, de novos compromissos contra o efeito de estufa.

Esses compromissos foram reforçados e alargados para incluir os Estados Unidos e as grandes economias emergentes, entre as quais a China, que se tornou o primeiro poluidor mundial.

Até hoje, apenas 37 países industrializados (todos, excepto os Estados Unidos) que ratificaram o Protocolo de Quioto estão obrigados a uma redução de emissão de poluentes, no período entre 2008 e 2012.

"O trabalho que vos espera é, ao mesmo tempo, difícil e crítico: mas perante cada dificuldade surgem oportunidades, se souberem concentrar-se naquilo que vos une em vez daquilo que vos divide", afirmou o secretário executivo da Convenção da CNNUCC, Yvo De Boer.

"Têm um ano, de agora, até Copenhaga. O tempo voa. É preciso andar a uma velocidade superior", disse, admitindo que a crise financeira vai complicar a tarefa.

"A realidade é que mobilizar os recursos financeiros à escala necessária constituirá um verdadeiro desafio", disse.

Contudo, ressalvou, esta "crise não nos deve impedir de nos comprometermos no que diz respeito ao clima ou à redução da pobreza", considerou o primeiro-ministro dinamarquês, Anders Fogh Rasmussen.

"Não nos podemos permitir abrandar o passo", afirmou, por sua vez, Brice Lalonde, embaixador de França para o clima, país que detém actualmente a Presidência rotativa da União Europeia. JN

Selvagem Grande, a ilha das cagarras


Não tem uma árvore, nem água doce. As gentes da Madeira iam caçar aves marinhas e pescar a este pedaço de terra no Atlântico, que agora é reserva natural. Rochedo apenas, como diz Espanha, ou ilha, como diz Portugal? A maior expedição portuguesa de sempre às ilhas Selvagens esteve a inventariar a biodiversidade e foi também uma afirmação de soberania. Agora que acabaram de tomar o pequeno-almoço no alpendre da casa encravada no sopé da Selvagem Grande, com vista para a baía das Cagarras, estão preparados para subir a encosta quase a pique da ilha e continuar o trabalho que os trouxe até aqui.

Avançam escarpa acima, uma parede castanha árida que, num repente, brota mais de 100 metros do mar como o dorso de um animal marinho, com cabeça e cauda mergulhadas na água. Paulo Catry segue na dianteira, chapéu e mochila às costas, Ana Almeida de lenço na cabeça e também mochila, e pelo trilho íngreme delimitado por pedras, ziguezagueando como equilibristas, cruzam-se a cada passo com os principais habitantes da ilha - as cagarras, aves marinhas, migradoras admiráveis.

Daqui elas têm vista privilegiada: os ninhos que fizeram nos buracos na escarpa escancaram-se para um azul imenso. Ao longe, a 11 milhas, podem aperceber-se de um pedaço de terra tão esborratado que mal se distingue entre o mar e o céu, a Selvagem Pequena, apenas com 20 hectares e 49 metros de altitude máxima. Ao lado, mais pequeno ainda, fica o ilhéu de Fora.

E lá em baixo, deparam-se com a rampa que permite o desembarque de botes entre os rochedos na Selvagem Grande, com a casa dos dois vigilantes da natureza sempre presentes, os únicos habitantes humanos, mais a única casa privada da ilha uns metros acima na falésia - e, nos últimos dias, com um cenário nunca antes presenciado.

Há agora um colorido de tendas no terreiro em frente à casa dos vigilantes e no pátio da casa privada, além de estendais com roupa dos 19 recém-chegados à Selvagem Grande, ilha do arquipélago da Madeira. Desembarcaram no fim de Junho por uma semana para inventariar a fauna e a flora marinhas (na semana anterior, fizeram o mesmo na Selvagem Pequena).

Sem telemóveis, sem Internet, sem água doce para tomar banho ou uma praia, e sem um produto muito desejado por quase todos - queijo, que viria a protagonizar uma peripécia -, os cientistas vieram vasculhar a ilha, desde o topo do planalto até aos cinco metros de profundidade, passando pela zona entre marés. Podem sempre contentar-se em pôr um postal no marco de correio no alpendre da casa dos vigilantes, com carimbo das "Selvagens, Portugal" (vai é demorar até ao destino, uma vez que os vigilantes são rendidos a cada três semanas e é nessa altura que levam a correspondência num navio-patrulha até ao Funchal).

Indiferentes aos passos de Paulo Catry e Ana Almeida, as cagarras chocam os ovos. Enquanto um dos elementos do casal permanece no ninho, o outro viaja durante uma semana no mar alto à procura de alimento. Depois ficam juntos alguns dias e revezam-se.

É pelas cagarras que os cientistas caminham pela encosta abrupta - esta manhã, mais uma vez. Sem se deterem nos ninhos do varandim panorâmico, dirigem-se para as que optaram por se instalar no topo da ilha, mesmo no centro.

Nova paragem, agora numa parte mais plana do trilho, quase, quase no topo, uff. Avistam-se os três navios da expedição que assentaram arraiais ao largo deste pedaço de terra, e que representam três tempos da descoberta e exploração dos oceanos pelos portugueses: a Vera Cruz, réplica das caravelas dos Descobrimentos, da Associação Portuguesa de Treino de Vela; o veleiro Creoula, construído nos anos 30 como bacalhoeiro na Terra Nova e agora ao serviço da Marinha; e o navio oceanográfico Almirante Gago Coutinho, também da Marinha, equipado com tecnologias do século XXI, de que o Luso, veículo não tripulado que mergulha até aos seis mil metros, é a estrela principal.

O que faz tanta gente nesta ilha e à sua volta? Em terra e no mar, mais de 70 cientistas inventariam a biodiversidade marinha, naquela que é a maior expedição científica às ilhas Selvagens, 163 milhas náuticas a sul da Madeira e apenas 82 a norte das Canárias. O extremo sul de Portugal é aqui. A pergunta é: porquê uma expedição às Selvagens e não a outro sítio qualquer?

As cagarras são a expressão mais visível da biodiversidade das Selvagens (e audível, dirá quem dorme nas tendas). Ou não albergasse a Selvagem Grande a maior colónia mundial desta ave do tamanho de uma gaivota - desde o final de Fevereiro, quando chegam as primeiras para a época de nidificação, até Novembro, quando partem as últimas.

A equipa de Paulo Catry, de 42 anos, ornitólogo do Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA), em Lisboa, estuda-as há cerca de sete anos. Por vezes, vira-se na escarpa e explica o seu trabalho, uma oportunidade para quem o acompanha recuperar o fôlego. "Há cinco anos contámos todos os ninhos de cagarras, por isso sabemos que os casais que nidificam na ilha são 30 mil."

É também possível saber o número aproximado de cagarras na Selvagem Grande porque lhes têm posto anilhas (serão, assim, mais de 60 mil). "Como têm uma taxa de sobrevivência elevada, a maior parte já foi anilhada. Há aves cuja idade é superior a 30 anos."

Nesta história há um nome incontornável: Paul Alexander Zino, ornitólogo de origem inglesa natural da Madeira, que luta pela preservação das cagarras das Selvagens. Participa na primeira expedição científica multidisciplinar: em Julho de 1963, o director do Museu Municipal do Funchal traz às Selvagens um grupo de cientistas europeus e, quando regressa ao Funchal, Zino quer salvar as cagarras.

Nesses tempos, são um pitéu: apreciadas na Madeira pelos pescadores, organizam-se campanhas sazonais de recolha das crias na Selvagem Grande. Espalmadas, salgadas e secas ao sol, armazenam-nas em barricas que seguem para a Madeira. Numa campanha anual, podem matar-se 20 mil juvenis. Os adultos são poupados, senão esta actividade económica acabaria. Nada se desperdiça: das penas fazem-se colchões e até os excrementos se aproveitam como adubo.

As Selvagens são na altura propriedade privada: concedidas a quem se distinguiu nas conquistas além-mar, em 1904 acabam por ser vendidas pelos herdeiros ao banqueiro madeirense Luiz da Rocha Machado. Por oito mil escudos, ou 40 euros.

Na última caçada, que parte do Funchal em Setembro de 1967, o declínio das cagarras é tal que já só se apanham 13 mil. Nesse ano, Zino compra a licença de caça por alguns anos, quer que a colónia recupere. Tem também autorização do proprietário para construir a primeira casa da Selvagem Grande, como apoio ao estudo das cagarras, que o filho de Zino, médico e ornitólogo, ainda mantém.

As anilhagens começam a partir de 1968, com Zino, entre outros ornitólogos portugueses e franceses. Ele defende que as Selvagens sejam uma reserva natural e, em 1970, negoceia a sua compra pelo Fundo Mundial para a Vida Selvagem (WWF), associação internacional de defesa da natureza. Mas, em 1971, o Estado português prefere comprá-las - por 1500 contos, ou 7500 euros (450 mil euros, no valor actual). Nesse ano, são classificadas como reserva natural.

Não restam muitas aves anilhadas nos primeiros tempos, porque em 1976, na ilha até aí sem vigilantes, há uma matança indiscriminada de adultos e crias. "Alguém veio anilhar cagarras em 1976 e, em vez de milhares, encontrou menos de uma centena", recorda Paulo Catry.

Anos sem pisar terra

Vinte minutos de escalada e está-se finalmente no planalto. Não há uma árvore. A vegetação é rasteira ou limitada a tufos, o terreno pedregoso. O ponto mais elevado, o pico da Atalaia, a 163 metros, ostenta o farol. Tudo o que se ouve é o vento que assobia.

Mas encontra-se gente aqui - que tinha até agora os 245 hectares do planalto só para si. Hany Alonso, de 27 anos (do ISPA), e João Pedro Pio, de 22 (colaborador do Museu Nacional de História Natural de Lisboa), ornitólogo e biólogo, andam absortos com os ninhos.

No centro do planalto dispõem-se quatro muros de pedra, com ninhos numerados. Quando chegam Paulo Catry e Ana Almeida, de 30 anos, bióloga marinha, eles já vão no buraco 52 de um dos muros.

Os quatro, a equipa das aves na Selvagem Grande, continuam a ronda pelos ninhos. Há anos que acompanham perto de 400. "Verificamos se estão ocupados e por quem", explica Catry. "Estes muros são quase de certeza anteriores ao século XX. Não se sabe quem os fez, nem quando. Mas deixaram buracos para recolher os pintos."

Como um ritual, passam em revista cada ninho. Ajoelham-se, retiram a cagarra que choca um único ovo, tomam nota do número da anilha, verificam se é o macho ou a fêmea, cortam o pedaço de uma pena e marcam a ave com tinta. Na próxima ronda podem identificar logo se o ocupante é o mesmo e, se for o outro, repetir o ritual.

Querem saber tudo da vida dos bichos. "A sobrevivência, o sucesso reprodutivo, a fidelidade entre casais, a taxa de divórcio - esse tipo de trabalho", acrescenta Alonso.

O casal mantém-se junto para a vida? "Acasalam quase sempre com o parceiro do ano anterior. Há divórcios, mas a taxa é baixa, talvez da ordem dos três a quatro por cento ao ano", diz Catry. Para que querem a pena? "Para análise da composição química e de isótopos." Através da análise de formas de carbono e azoto, pode saber-se onde comem e o quê durante o Inverno. "Não é possível ter informação directa sobre a alimentação nas zonas de invernada, porque elas estão no mar alto", explica Alonso, que faz o doutoramento sobre a ecologia alimentar das cagarras, co-orientado por Catry.

Descobriu-se, através de receptores GPS nas costas das cagarras, que as das Selvagens vão alimentar-se muito longe durante a nidificação. "A maior parte vai à costa de Marrocos, a 400 quilómetros", diz Catry.

Terminada a época de nidificação, os adultos abandonam as Selvagens em Outubro, as crias em Novembro. As ilhas ficam então desertas de cagarras. Os adultos regressam no ano seguinte, mas os juvenis ficam no mar alto. "Só voltam a pôr o pé em terra firme ao fim de três ou quatro anos. Mesmo passados esses anos, estão aqui uma semana, a socializar e a conhecer o sítio, e vão-se embora. Só nidificam em média aos nove anos." Seleccionado o local de reprodução, é raro mudarem.

No Inverno, as cagarras das Selvagens vão até ao largo da África do Sul, mas podem ir até Moçambique e Madagáscar. Algumas, porém, ficam no Atlântico Noroeste, entre os Açores e os EUA.

A equipa de Catry seguiu a migração de 70 cagarras das Selvagens, com um aparelho na pata, e concluiu que têm seis áreas de invernada (além do Atlântico Noroeste, dirigem-se ao meio do Atlântico Sul e às correntes de Agulhas, de Benguela, do Brasil e das Canárias). Um dos juvenis fez algo extraordinário: "Em dois anos, visitou as seis áreas. Andou a explorar o mundo. Voou mais de 30 mil quilómetros por ano."

Nisto tudo, é hora de almoço. É a vez de o grupo das aves cozinhar para os 19 cientistas na ilha, mais aqueles que vêm e vão para os navios, e, por isso, há que descer à casa dos vigilantes. À noite, os quatro tencionam voltar a subir. Querem ter informação directa sobre a alimentação das cagarras. A coisa promete.

Caravelas da descoberta

Há que ter cuidado a atravessar o planalto. "A partir daqui é a colónia de calcamares." Zona interdita aos caminhantes incautos portanto, porque estas aves marinhas que andam sobre o mar, daí o nome, escavam os ninhos no chão arenoso. Só há esta subespécie nas Selvagens.

Desde a erradicação dos coelhos na Selvagem Grande, proliferam também os tufos acinzentados da Schizogyne sericea, planta endémica destas ilhas e das Canárias.

Pouco depois da descoberta das ilhas no século XV, os coelhos e as cabras são introduzidos na Selvagem Grande como fonte de alimento de quem a visita. O navegador português Diogo Gomes é o descobridor oficial, pensa-se que em 1438. Encontra-as com as suas caravelas quando regressa de uma viagem à costa africana, ao serviço do Infante D. Henrique.

Cedo começa a recolher-se urzela, um líquen que cresce nas escarpas, para tingir de púrpura tecidos e papel. Além das cagarras, a pesca e a salga de peixe são fontes de rendimento. Sobrevivem vestígios das tentativas de colonização humana, de que são exemplo os muros de pedra. A inexistência de água doce na ilha ditou o seu falhanço.

As cabras extinguem-se devido à caça no século XIX, mas os coelhos persistem até ao início do século XXI. No fim do século XIX também é introduzida a planta tabaqueira para lenha, mas atinge uma área tal que prejudica as aves marinhas. Está a ser erradicada (desde 2001, pelo que restam poucas), tal como uma outra planta invasora, a Conyza bonariensis.

O Serviço do Parque Natural da Madeira quer preservar os tesouros biológicos das Selvagens, de que é outro exemplo a osga Tarentola boettgeri bischoffi, subespécie que ocorre só nestas ilhas vulcânicas. O Governo Regional da Madeira tenciona recandidatar as Selvagens a património mundial natural da UNESCO (depois de a candidatura de 2002 ter sido retirada por falta de informação sobre a biodiversidade marinha) e esta expedição pode facilitar o processo.

Se até há muita informação sobre a biodiversidade em terra, com as cagarras entre as espécies mais estudadas, a vida neste mar mantém-se bastante desconhecida. Por isso, os cientistas têm batido as costas da Selvagem Grande na zona entre marés, à procura de algas, cracas, peixes nas poças...

Ao mesmo tempo, no Creoula, equipas de mergulhadores vão até aos 25 metros de profundidade recolher exemplares de fauna e flora, fotografar e filmar. Entre os afazeres obrigatórios para todos - limpar o navio ou ajudar na cozinha a escamar douradas e a lavar panelões -, cumprem-se cinco mergulhos por dia. Dispostos em tabuleiros no convés, os exemplares recolhidos são triados, identificados, preservados em frascos.

Entretanto, o Luso, da Estrutura de Missão para a Extensão da Plataforma Continental (EMEPC), também tem mergulhado até aos dois mil metros e trazido amostras biológicas, rochas e água.

Todos os dados, das equipas em terra e nos navios, vão sendo inseridos no M@rbis - Sistema de Informação para a Biodiversidade Marinha, desenvolvido pela EMEPC e o Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade. O projecto pretende inventariar de forma exaustiva as espécies marinhas em Portugal.

Da passagem pela Selvagem Pequena, antes portanto de a expedição se mudar para a Selvagem Grande, encontram-se ecos no diário pessoal de Mónica Albuquerque, bióloga da EMEPC. "O dia promete ser animado, porque vem muita gente a terra e há o jogo de Portugal [com a Costa do Marfim]", escreve a 15 de Junho, acrescentando que, após o pequeno-almoço, as visitas começam a chegar para ajudar nas saídas entre marés e na recolha de lixo. "Chocou-me o facto de serem ilhas desabitadas, mas com muito lixo provocado pelo homem e que é lançado no mar chegando a destinos tão longínquos como este", anota. "De tarde, a vida em terra foi abalada com a chegada de 30 ou 40 pessoas para verem o jogo. Conseguiram mesmo trazer do Creoula uma televisão maior."

A noite dos vómitos

Voltando ao almoço preparado pelo grupo das aves, atum com batatas e ovo cozido vai ser servido numa mesa ao correr do alpendre na casa dos vigilantes. Por esta altura, já muitos andam desejosos de queijo.

A saga das bolas de queijo começou uns dias antes entre Mónica Albuquerque, em terra, e Manuel Pinto de Abreu, o responsável pela EMEPC, a bordo do Almirante Gago Coutinho. Quem estava no Creoula e na caravela Vera Cruz, que transportou cientistas até às Selvagens, também ouviu.

"Professor, do Gago Coutinho preciso de queijo", disse Mónica Albuquerque via rádio.

"Tenho aqui cinco testemunhas que carregaram as bolas de queijo. Não há mais queijo!", respondeu Pinto de Abreu.

"Vou pôr toda a gente à procura do queijo perdido", devolve a bióloga, que voltará ao assunto. "Professor, queremos queijo!"

"Vou telefonar para o Funchal para termos queijo à nossa espera", brinca.

Inglaterra vai jogar com a Eslovénia, e na televisão na sala ao lado da kitchenette na casa dos vigilantes vai poder ver-se o jogo, até porque aqui há painéis solares. Os cadeirões convidam.

Numa estante da sala guardam-se os diários da Selvagem Grande onde os vigilantes registam os pequenos nadas. "Terça-feira, 8 de Junho de 2010: dia dedicado a limpezas na estação, visto que amanhã está prevista a chegada de três embarcações com cientistas e outras pessoas para ficarem cá cerca de 20 dias. Ao fim do dia foi efectuada uma subida ao topo para ver se estava tudo bem e ainda arrancámos alguns pés de Conyza."

Cinco dias depois, a 13 de Junho: "[Na comunicação via rádio com a Selvagem Pequena] ficámos a saber que o [Almirante Gago Coutinho] ia para o Funchal reparar o robô submersível que tinha avariado."

Tinha-se partido a peça que permite determinar a posição do Luso em relação ao navio. Era um percalço menor face ao que viria a acontecer.

Depois do jantar, pelas dez da noite, a equipa das aves volta a subir a encosta para descobrir o que jantaram as cagarras. Na escarpa e no planalto, o sossego do dia deu lugar a uma chinfrineira desde as sete da tarde, quando as cagarras começam a regressar do mar. Fazem voos rasantes e ouvem-se entrecruzados os característicos gritos dos machos "au, au, au, hã".

Com uma lanterna no chapéu, Paulo Catry avança pelo escuro e apanha uma cagarra, que encandeou e que não pára de gritar. "Este, em princípio, é um novo reprodutor que veio do mar", diz Hany Alonso quando o recebe.

João Pedro Pio: "Como sabes que é um novo reprodutor?"

Paulo Catry: "Um macho adulto em reprodução não anda armado em parvo a meio da noite. Tem mais que fazer do que andar nas coboiadas da juventude. Os reprodutores podem dar dois gritos à entrada do ninho e vão lá para dentro."

Sentado no chão, com um tabuleiro e um garrafão de água salgada à frente, Alonso empurra um tubo pela boca da ave. Ana Almeida bombeia a água, até que o bicho vomita no tabuleiro o que parece um pedaço de lula. Com uma pinça, coloca-o num frasco com álcool, enquanto João Pedro Pio toma notas de tudo.

"Pronto, já passou", diz Alonso, enquanto submete outra cagarra ao mesmo procedimento.

Seis cagarras depois, finalmente uma lavagem ao estômago dá um resultado de jeito. "Há ali uma espinha", avisa Ana Almeida. "Olha, talvez carapau, talvez...", diz Alonso, que observa melhor. "É carapau quase de certeza."

Nesta ilha não há sossego? "Não!", atira Ana Almeida. "Há no Inverno. Deve ser uma tristeza", e ri-se.

"Uau, uma lula inteira", diz a bióloga marinha. "A pota-voadora é a espécie que mais aparece na dieta", explica Alonso sobre a lula em questão. "Disseste pota-voadora?! Que espectáculo!", comenta João Pedro Pio.

Doze cagarras depois, os vómitos forçados terminam. "Queremos perceber melhor o ecossistema deste mar profundo e pouco produtivo. Há pouca pesca, só ao atum", explica Catry.

Encosta abaixo à meia-noite, a iluminação do Almirante Cago Coutinho sinaliza que o Luso se encontra em operação. Está a terminar um mergulho a 615 metros, saber-se-ia depois, o quinto ao largo das Selvagens.

Na manhã seguinte, dia da visita já programada de Marcos Perestrello e Humberto Rosa, secretários de Estado da Defesa Nacional e do Ambiente, chega à Selvagem Grande a má notícia. O cabo de ligação do Luso ao navio cortou-se, perto das 11 da noite. O veículo, que já estava a 130 metros de profundidade, voltou ao fundo. Seria montada mais tarde uma operação de resgate (o que já ocorreu com sucesso).

Acto de soberania

Mesmo com este revés, vai começar um frenesim mediático. Ao início da tarde, aproxima-se da ilha das aves um helicóptero militar, que levanta uma nuvem de poeira no planalto onde pousa. Dele desembarcam também os chefes de Estado-Maior da Armada e da Força Aérea, o almirante Fernando Melo Gomes e o general Luís Araújo, e um batalhão de jornalistas. Da ilha seguem de bote para o Creoula, depois para o Almirante Gago Coutinho, há declarações de circunstância, sublinha-se a dimensão da expedição da EMEPC e a cooperação entre muitas instituições científicas, quer dar-se visibilidade política à missão, e ao fim da tarde quase todos os que vieram partem na ave metálica.

Expedição e visitas podem também interpretar-se como um acto de soberania. "Não foi essa a razão por que pensámos ir às Selvagens, mas não podemos dizer que o que estivemos a fazer não teve importância na afirmação da soberania. Teve com certeza", reconhece Pinto de Abreu. Entre os motivos principais da expedição está o M@rbis, acrescenta, que precisava de ser testado no terreno.

Aliás, em Julho de 2008, o El País publicava uma reportagem nas Selvagens, com o título O maior litígio, referindo-se aos cinco séculos de disputa por estes pedaços de terra. Apenas em 1997 Espanha reconheceu a soberania portuguesa, mas o conflito, lembrava o jornal espanhol, mantém-se quanto à delimitação da zona económica exclusiva (ZEE).

Em causa está a natureza das Selvagens. São meros rochedos, incapazes de suportarem habitantes humanos e uma actividade económica, como diz Espanha? Ou são ilhas, como defende Portugal? Como rochedos, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, de 1982, estabelece que o Estado apenas tem direito às 12 milhas do mar territorial e a uma zona contígua, até às 24 milhas. Como ilhas, o Estado tem por exemplo direito a uma ZEE, que pode chegar às 200 milhas.

A distância entre as Selvagens e as Canárias é de 82 milhas, por isso Portugal defende que a delimitação da ZEE se trace a meio das duas - ou seja, a 40 milhas de cada uma. Esta proposta empurra a ZEE portuguesa cerca de 80 milhas mais a sul do que Espanha quer, refere o El País. Espanha quer que a linha seja traçada entre as Canárias e a Madeira, separadas por cerca de 245 milhas, o que traria a delimitação mais para norte. A pouco mais de 120 milhas da Madeira, que, recorde-se, fica a 163 das Selvagens.

"As Selvagens são ilhas de facto", afirma Pinto de Abreu. "Em determinada altura, eram fonte de alimento para a população da Madeira e havia um comércio associado às cagarras."

Só por motivos de protecção ambiental se acabou com esse comércio e estão habitadas pelos vigilantes, escrevia o jornal espanhol sobre os argumentos portugueses: "No dia em que se decidir povoá-las, poderia desenvolver-se uma actividade económica baseada no turismo ecológico. Se dúvidas restassem, pregaram uma caixa de correio na maior ilha para deixar clara a sua soberania."

Por agora, as Selvagens recebem 500 visitantes por ano, vindos sobretudo nos seus iates, e a ida a terra requer autorização do Serviço do Parque Natural da Madeira.

Afirmação ou não da soberania, na expedição na Selvagem Pequena e na Selvagem Grande os biólogos fizeram 100 mergulhos, houve 25 saídas de campo, apanharam-se mais de 3300 exemplares de fauna e flora,identificaram-se 900 espécies, há outras 700 por triar e uma imensidão de fotografias e vídeos. E, com as visitas governamentais, pôs-se fim a pelo menos um problema imediato. Mónica Albuquerque pediu um favor. As visitas não se esqueceram e trouxeram duas bolas de queijo.

No Ano Internacional da Biodiversidade, vamos publicar quinzenalmente, e até Novembro, reportagens sobre os trabalhos que investigadores portugueses desenvolvem em Portugal e no estrangeiro na conservação da natureza. Os conteúdos são da inteira responsabilidade do P2.