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sábado, 1 de dezembro de 2018

Plantas Carnívoras em Portugal

Muitas pessoas têm acerca das plantas carnívoras as ideias mais bizarras. As plantas carnívoras reais estão muito longe de se confundirem com os monstros terríveis que surgem nos filmes de ficção científica... Vale a pena conhecê-las melhor.

Alguns dos relatos onde são descritas plantas carnívoras constituem autênticos desafios à imaginação humana. Estas surgem aos olhos dos leigos como verdadeiras aberrações da natureza, tendo sido consideradas durante séculos como resultado de um milagre da natureza. No entanto, a realidade fica muito aquém das narrativas épicas onde as plantas carnívoras são referidas como terríveis monstros que atraem as vítimas e se alimentam das suas entranhas. Na verdade, estas plantas são, na sua maioria, de porte herbáceo, raramente ultrapassando algumas dezenas de centímetros.

As plantas carnívoras foram descobertas e referenciadas pela primeira vez no séc. XVIII, mais precisamente em 1768, quando o botânico inglês J. Ellis chamou a atenção para o curioso processo de captura de insectos em Dionaea muscipula. Desde essa data, mais de seis centenas de espécies de plantas foram estudadas e adicionadas ao rol das consideradas carnívoras. Estas plantas constituem um grupo botânico sem qualquer significado taxonómico, dado que o carnivorismo nas plantas parece ter resultado de evolução convergente, ou seja, ao longo dos tempos a selecção natural foi favorecendo a sobrevivência de plantas oriundas de famílias diferentes, mas que conseguiam capturar e digerir pequenos animais.

Apesar desta curiosa capacidade de se nutrir de animais, propriedade que era tida como exclusiva do reino animal, as plantas carnívoras mantêm todas as características de qualquer outro ser vivo do reino vegetal: são plantas verdes onde ocorre fotossíntese. Contudo, para assegurar a sua vitalidade e sobrevivência, estas plantas necessitam de completar o seu metabolismo com os aminoácidos resultantes da digestão de pequenos animais, que ocorre nas folhas, em zonas glandulares, caracterizadas por intensa actividade de enzimas proteases e fosfatases que digerem as presas. Vários estudos têm demonstrado que a nutrição heterotrófica aumenta o crescimento e desenvolvimento destas plantas e, em algumas espécies, parece ser essencial para que ocorra a floração, ou seja, a possibilidade de perpetuar a espécie. Por esta razão, o carnivorismo nas plantas é encarado como uma adaptação nutricional relacionada com os solos deficientes em azoto, como acontece com as zonas pantanosas e turfeiras onde ocorre a maioria das plantas carnívoras conhecidas.

As folhas das plantas carnívoras são comummente o local de captura das presas (armadilhas), apresentando adaptações morfológicas e fisiológicas mais ou menos especializadas na atracção, captura e digestão dos animais. As armadilhas estão, geralmente, recobertas por mucilagem, uma espécie de cola que retém as presas, e podem possuir movimento, aumentando dessa forma a eficácia da captura dos insectos. No entanto, não basta ter armadilhas eficazes, é necessário conseguir atrair até elas as respectivas presas, assim, é comum as plantas carnívoras exalarem odores característicos, de matéria orgânica em decomposição ou adocicados, que funcionam como chamariz para a maioria dos insectos.

Actualmente, conhecem-se cerca de seiscentas espécies de plantas consideradas carnívoras que se distribuem pelos cinco continentes. A Austrália é o local onde existe maior variedade específica, albergando cerca de um terço de todas as espécies conhecidas. Para Portugal estão referenciadas oito espécies de plantas carnívoras espontâneas, pertencentes a duas famílias (Droseraceae e Lentibulariaceae), no entanto, a ausência de estudos recentes de biologia, ecologia e distribuição não permite afirmar, com absoluta certeza, que todas essas espécies ainda possam ser encontradas em território nacional.

De modo a desvendar o misterioso mundo das plantas carnívoras que ocorrem em Portugal, sugere-se, seguidamente, uma breve caracterização das diferentes espécies. Esta interessante viagem inicia-se pelas orvalhinhas, pertencentes à família Droseraceae, que são pequenas plantas carnívoras que surgem em locais húmidos ou pantanosos. Tratam-se de plantas com uma distribuição ubíqua e das cerca de noventa espécies conhecidas podemos encontrar duas em Portugal (Drosera rotundifolia e D. intermédia), que são designadas vulgarmente pelo mesmo nome vernáculo: orvalhinhas. No nosso País, as duas espécies de orvalhinhas encontram-se quase confinadas ao norte do rio Tejo, sendo que a D. rotundifolia surge quase exclusivamente a norte do rio Vouga. São plantas vivazes que raramente ultrapassam os vinte centímetros de diâmetro. As suas folhas modificadas, com uma forma idêntica à mão humana, encontram-se recobertas por aproximadamente duzentas glândulas pediculadas recobertas por mucilagem. Logo após o contacto com a presa, geralmente pequenos insectos que pousam inadvertidamente sobre as folhas, as glândulas pediculadas começam a curvar-se de modo a envolver a preciosa “refeição”. Segue-se a acção das enzimas digestivas que são libertadas pelas glândulas e a absorção dos produtos assimiláveis. Findo todo este processo, as glândulas e a folha retomam a posição inicial, sendo bastante comum encontrar os restos mortais (esqueletos quitinosos) dos últimos insectos que foram capturados e digeridos pela planta.

Ainda na família Droseraceae é importante salientar a ocorrência de um endemismo ibero-marroquino: a erva-pinheira-orvalhada (Drosophyllum lusitanicum Link.). Esta designação vernácula por que é conhecida deve-se ao facto da planta estar coberta por gotas brilhantes de mucilagem, fazendo lembrar o orvalho matinal. É uma planta com cerca de vinte a trinta e cinco centímetros de altura, que ocorre em solos secos, siliciosos ou xistosos, estando confinada a algumas populações isoladas ao longo de uma estreita faixa litoral do nosso País. A quase totalidade dos estudos existentes sobre esta planta resultou do trabalho de botânicos portugueses, tais como: o Prof. Carlos França, o Prof. Aurélio Quintanilha e o Prof. Abílio Fernandes.

As restantes carnívoras que ocorrem espontaneamente em solo lusitano incluem-se na família Lentibulariaceae. Trata-se de uma família com enorme heterogeneidade morfológica, onde se incluem plantas que vivem quer em lugares húmidos (por ex. as pinguicolas) quer completamente submersas (por ex. as utriculárias).

As pinguicolas são apenas encontradas no hemisfério norte, com excepção de três espécies sul americanas. No nosso país encontram-se apenas duas espécies (Pinguicula vulgaris e P. lusitanica) das cerca de trinta conhecidas. São pequenas plantas perenes com raízes pouco desenvolvidas e que se distinguem facilmente das outras plantas por apresentarem uma pequena roseta de folhas aplicadas ao solo, do centro da qual emerge, na época da floração, a respectiva haste floral que suporta uma única flor. As folhas são geralmente de cor verde-clara e apresentam os bordos ligeiramente enrolados, encontrando-se a página superior revestida por glândulas que produzem mucilagem que funciona como primeiro mecanismo de captura dos insectos. Após sentir a presença dos insectos a debaterem-se para se libertarem do visco que os mantém aprisionados, inicia-se o enrolamento da folha de modo a envolver melhor as presas nas enzimas digestivas. Os insectos parecem ser atraídos para as folhas das pinguicolas através de um intenso odor a cogumelos putrefactos exalado pela planta. A outra espécie, P. vulgaris, possui um aspecto bastante similar à anterior, distinguindo-se dela apenas pelas suas maiores dimensões e pela cor mais escura das suas flores. A P. vulgaris é indubitavelmente a planta carnívora mais rara do nosso país, uma vez que só é conhecida uma única localização em Portugal. Já o mesmo não acontece com a P. lusitanica, que possui várias localizações ao longo do litoral a norte do rio Vouga. Aliás, esta espécie encontra-se habitualmente associada às orvalhinhas, uma vez que ambas possuem idênticas exigências edáficas e climáticas.

Para concluir esta breve viagem pelo panorama nacional das plantas carnívoras, resta conhecer as utriculárias que pertencem a um género com uma distribuição ubíqua e que inclui o maior número de espécies: cerca de trezentas. Em Portugal podem encontrar-se três dessas espécies (Utricularia subulata, U. gibba e U. australis). A primeira é um geófito de caules capilares e subterrâneos, que se julga poder já estar extinta no nosso País, uma vez que não é observada em território nacional desde a década de quarenta do século passado, enquanto as duas últimas são hidrófitos submersos ou flutuantes que habitam as lagoas e pântanos de água doce. Pelo facto de viverem totalmente imersas, estas plantas são das mais desconhecidas de todas as plantas carnívoras, uma vez que são difíceis de observar, excepto na época de floração, que vai de Junho a Setembro, em que as flores de cor amarelada se elevam acima da superfície da água denunciando a sua presença. As utriculárias são desprovidas de raízes e possuem um caule muito fino sobre o qual se inserem, alternadamente, formações foliáceas. Distribuídas com uma certa regularidade e ligadas aos lóbulos foliares por curtos pedúnculos, encontram-se pequenas vesículas ou utrículos, que constituem armadilhas altamente especializadas, com que estas plantas capturam as suas presas aquáticas: crustáceos e larvas de insectos. Dado o elevado número de espécies existentes neste género, é natural que exista uma enorme variedade morfológica de utriculárias, no entanto, o funcionamento das suas armadilhas é idêntico em todas elas: os utrículos são pequenos «sacos» com uma única abertura, junto à qual existem, habitualmente, pêlos sensitivos que detectam a presença das pequenas presas; quando algum animal aquático estimula os pêlos sensitivos, o utrículo aspira-o em milésimos de segundo; enquanto a presa se vai debatendo no interior do utrículo, a planta vai libertando as enzimas digestivas que acabam por matar e digerir a próxima «refeição» e para concluir todo este minucioso processo, resta à planta absorver os nutrientes do interior da sua esmerada armadilha.

O estudo das plantas carnívoras em Portugal teve o seu período áureo nas décadas de vinte e de quarenta do século passado, seguindo-se um total marasmo ao nível da investigação que se mantém até aos nossos dias. Por esta razão não é possível ter dados actualizados sobre estas plantas, a não ser informações esporádicas oriundas de pequenas investigações botânicas que vão sendo realizadas em algumas regiões do país.

Segundo prospecções mais recentes, referentes às províncias situadas a norte do rio Douro, constata-se que em muitas das localizações identificadas no século passado estas plantas já se extinguiram. Só para referir alguns exemplos, poder-se-á afirmar, com grande certeza, que a D. intermédia, a U. australis e a P. lusitanica já desapareceram dos arredores do Porto (Boa Nova, Pedras Rubras e Santa Cruz do Bispo). Também o D. lusitanicum existente na serra de Santa Justa, em Valongo, corre o risco de desaparecer devido à deposição ilegal de resíduos, à movimentação de terrenos e ao pisoteio resultante da prática de actividades de ar livre. Numa das suas localizações conhecidas nesta serra, a espécie já se encontra extinta.

Se fosse possível fazer um levantamento completo da distribuição das plantas carnívoras em Portugal, não seria difícil adivinhar que muitas outras populações, de todas as espécies de plantas carnívoras que surgem espontaneamente no nosso País, teriam já desaparecido devido a múltiplas causas que constituem ameaças directas ou indirectas às plantas e aos seus habitats: a drenagem de pântanos e de zonas húmidas, o desenvolvimento e expansão dos centros urbanos e redes rodoviárias, o abate de florestas autóctones para implementação de monoculturas com espécies exóticas e os inúmeros incêndios que têm afectado Portugal nestes últimos anos, são apenas alguns exemplos. Dada a reduzida distribuição geográfica da maioria das plantas carnívoras em Portugal, seria necessário e desejável despertar novamente o interesse por este curioso grupo botânico que há muito deixou de ser visto como um milagre da natureza e que vai desaparecendo silenciosamente do nosso património botânico sem, muitas vezes, sequer ter sido visto e conhecido pela esmagadora maioria dos portugueses que geralmente até desconhece que estas plantas (ainda) existem em Portugal.

Jorge Nunes

Matos Mediterrânicos

Os matos ocupam na maior parte dos casos os chamados terrenos incultos, são frequentemente considerados inúteis, e estão associados ao abandono e à degradação do meio. Escondem muitas surpresas.

Na região Mediterrânica ocorrem várias formações vegetais arbustivas, que muitas vezes surgem como resultado das acções humanas, mas também devido às limitações impostas pelas condições ambientais. As variadas estruturas vegetais arbustivas são denominadas por um conjunto de diferentes nomes ao longo das várias zonas da bacia Mediterrânica.

Na maioria dos países mediterrânicos distinguem-se os matos como fases degradativas da floresta:

1ª fase - Matagal; Mato Alto; Maquis; Macchia; Chaparral - com espécies de estrato arbustivo.
2ª fase - Charneca; Mato Baixo; Garrigue; Phrygarra; Tomilhares; Bath'a - com subarbustos na sua maior parte odoríferos.

Na fitossociologia, na geografia e comummente em França, distingue-se o Maquis do Garrigue consoante as características do solo que os matos ocupam, levando a que estes matos tenham diferentes estruturas.

O Maquis é um mato que se desenvolve em solos ácidos e siliciosos. Consiste numa densa e muitas vezes impenetrável massa de pequenas árvores e arbustos com uma grande diversidade de plantas rasteiras e trepadoras. Este coberto vegetal pode ter entre 3 e 5 metros de altura. O Maquis, assim definido, não deixa de ser um Mato Alto, que corresponde no nosso país a uma floresta degrada onde predominou outrora o sobreiro que ocupa espontaneamente estes solos.

O Garrigue é uma formação vegetal mais aberta, que se desenvolve em solos calcários, alcalinos e pedregosos, constituída por arbustos de pequeno porte que nos chegam à cintura ou apenas ao joelho, muitas vezes apresentando-se como pequenos tufos esparsos entre as manchas de erva. O Garrigue corresponde normalmente à floresta degradada de azinheiras.

Em Espanha, o termo Matorral engloba todas estas formas de matos. Como já foi referido, os matos mediterrânicos são frequentemente criados a partir de imposições naturais (por exemplo, solos calcários e clima mediterrânico nos garrigues) e imposições humanas (pastoreio, cortes e queimadas). Os matos podem ser considerados como uma série de vegetação, em que as comunidades características que os constituem são diferentes de outras séries.

No Mediterrâneo, ao longo de séculos os bosques primitivos foram sendo arroteados e convertidos em sistemas agrícolas e de pastoreio. Devido a estas actividades, as florestas primitivas não se encontram normalmente preservadas e estes matos, ou etapas de substituição, muitas vezes não poderão evoluir para o seu clímax local potencial, principalmente devido às limitações do solo. As desmatações e as mobilizações sucessivas do solo levaram em muitos casos à decapitação dos solos e ao abandono agrícola (também consequente da degradação dos solos), e assim, criaram condições para a instalação de carácter permanente dos matorrais.

Os matos são por vezes formações pobres, que apesar de terem a capacidade de recuperar espontaneamente quando cessa a intervenção humana, estagnam com as mesmas comunidades devido as adversas condições do meio, onde apenas as espécies destes matos subsistem. Assim deparamos com uma dualidade nesta questão: a intervenção e a não intervenção do Homem. A história do uso do solo num dado local tem um papel fulcral na criação das condições para a invasão dos matos, mas devido à degradação do meio e apesar dos inúmeros percursos de sucessão possíveis na região mediterrânica, na maior parte dos casos nunca os matos evoluirão para uma verdadeira floresta, como já terá existido, sem uma séria intervenção do Homem, isto sem referir o ritmo a que a sucessão natural se processaria.

Por outro lado, os matos têm uma utilidade própria. Os arbustos foram explorados pelo homem, para obtenção de lenha, carvão, de camas para o gado e para ajudar a preparar estrumes. A erva é pastoreada pelo gado, e muitas plantas disponibilizam frutos para comer, óleos, gomas, corantes, fibras têxteis, produtos apícolas, etc.

Hoje em dia, os matos não são abrangidos, ou quase, pelas prioridades da Política Agrícola Comum (PAC), nem lhes são associados noções de rentabilidade, pelo que não existe incentivo para os gerir.

Mesmo assim, continuam a ser um ecossistema interessante. Sobretudo os matagais desenvolvidos, são muitas vezes atractivos para os animais silvestres por conterem praticamente toda a gama de formas de crescimento vegetal (plantas anuais, bolbos, ervas perenes, arbustos e árvores), que proporcionam mosaicos interessantes para a fauna. Mas, outras vezes, também apresentam uma fraca variedade de essências e/ou com a pouca disponibilidade de água, e ainda com a sua estrutura muito uniforme, que não lhes permite apresentar uma maior biodiversidade, favorecendo apenas um determinado conjunto de espécies de fauna e flora. Esta última situação pode ser interessante para o conjunto de espécies favorecido, mas o rompimento das componentes da paisagem uniforme e a melhoria de determinadas condições físicas e estruturais poderia resultar numa maior diversidade biológica.

Na Primavera, principalmente quando nos referimos aos Garrigues, apresentam uma larga gama de cores, com as florações amarelas, azuis e vermelhas em contraste com a cor verde que domina noutras alturas, ou com a erva ressequida do Verão. Nos matos baixos, dominam os carrascos e as plantas aromáticas como o rosmaninho a alfazema, as estevas, os tomilhos, etc., e nos matos mais altos também as estevas mas com urzes arbóreas e por vezes os povoamentos de medronheiros.

Nuno Leitão