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terça-feira, 3 de abril de 2018

Notícia - Geologia conventual


Embora a dimensão territorial do nosso país seja pequena basta observar superficialmente uma carta geológica de Portugal para, de imediato, se constatar a enorme diversidade dos nossos recursos geológicos. Esta diversidade encontra-se, obviamente, reflectida nas inúmeras produções literárias nacionais e na obra de variadíssimos autores. Não é difícil, assim, enquadrar uma saída de campo a um qualquer local do país numa teia de relações entre a Literatura e a Geologia, sendo esta interdisciplinaridade de particular importância nalgumas situações. É o que sucede entre a a história geológica da região de Sintra-Mafra e a obra de José Saramago, Memorial do Convento. 

Tendo participado numa incursão a Mafra com alunos do ensino secundário (cruzando as disciplinas dePortuguês e de Biologia e Geologia), aqui ficam alguns registos dessa jornada. 

O excerto seguinte relata a história geológica da região onde se insere o Palácio e Convento de Mafra:
"As rochas encontradas na região de Sintra - Mafra reflectem duas fases importantes e distintas da História Geológica da região. Por um lado, testemunham vários episódios sedimentares em que se formaram espessos depósitos calcários, muitas vezes intercalados com níveis margosos ou até areníticos (Jurássico – Cretácico, entre 160 a 90 Ma atrás). Por outro lado, são evidência dos fenómenos magmáticos e vulcânicos que se deram na região por volta dos 100 e 70-80 Ma e que levaram à formação de Filões basálticos ainda hoje observáveis na região de Mafra, e à instalação do Maciço Eruptivo de Sintra, que se encaixou entre formações do Jurássico Superior.
De facto, com base nos tipos litológicos sedimentares, suas características (fácies) e conteúdo fóssil, é possível inferir a paleoecologia da região antes da instalação do Maciço, ou seja, a sequência de ambientes que se sucederam ao longo do tempo e que serviram de base à formação das rochas sedimentares. De seguida será, então, apresentada a síntese geológica da região envolvente , baseada nas rochas que actualmente se encontram na região e parcialmente representadas no edifício do Palácio.
As rochas mais antigas expostas nesta região datam de há cerca de 160 milhões de anos , do Jurássico Superior e depositaram-se em ambiente marinho relativamente profundo, longe da influência dos materiais trazidos do continente emerso. No entanto, até ao início do Cretácico, a profundidade foi diminuindo progressivamente e o ambiente de deposição passou, sucessivamente, a marinho menos profundo, recifal, laguno-marinho, fluvial e lacustre. Testemunho destas alterações são as rochas que se foram formando e encerrando em si informações que nos permitem estas inferências, quer em termos da variação da granularidade dos sedimentos, quer em termos do seu conteúdo fóssil. Durante o Cretácico continuam a verificar-se oscilações do nível do mar e, consequentemente, os ambientes de deposição variaram ciclicamente: marinho mais ou menos profundo, recifal, laguno-marinho e fluvial. É de referir que o ambiente fluvial é mais importante neste Período do que no Jurássico, pois são frequentes e espessas as intercalações de arenitos, conglomerados e argilas com vegetais fossilizados, que traduzem o depósito de material trazido pelos rios e proveniente da erosão continental das rochas dos maciços antigos (granitos, quartzitos, grauvaques, chertes, etc.). Esta evolução dos ambientes de deposição nesta zona (antiga Bacia Lusitânica) foi fortemente condicionada pelas diversas fases de abertura do Oceano Atlântico, o que explica, por isso mesmo, as oscilações do nível de costa no litoral do nosso país.
Durante os Períodos Jurássico (Superior) e Cretácico, o território português encontrava-se a latitudes mais baixas do que as actuais (entre 20 a 30º N), onde o clima era quente e húmido, com alternância de estações menos bem marcada. Aliás, as rochas que datam do Cretácico Superior (Calcários com Rudistas ou Lióses, as mais abundantes no edifício do Convento), são testemunho de um ambiente tropical, com águas quentes, pouco profundas e límpidas, propícios à formação dos chamados "Bancos de Rudistas", aglomerados coloniais destes organismos, com características recifais. Neste Período (há 91-92 MA) verificou-se um novo máximo transgressivo - o Atlântico avançou sobre o continente dando origem a um golfo de pequena profundidade.

Actualmente, a entidade geológica dominante na Região de Sintra é o Maciço Eruptivo de Sintra. Este maciço instalou-se, em grande parte, em profundidade, em períodos de idade que vão desde os 95 a 72 milhões de anos, encaixando-se entre formações do Jurássico Superior e dando origem a uma cintura de rochas metamórficas, os calcários de S. Pedro e os 'Xistos' do Ramalhão.

Nesta região, pode, então, falar-se em duas fases geológicas distintas - um conjunto de episódios sedimentares (Jurássico-Cretácico) e uma fase magmática (instalação do Maciço Eruptivo de Sintra) que modificou, evidentemente, o registo sedimentar existente."

(in Cachão, Silva e Santos, PALEOMEMORIAL DO CONVENTO: O Património Geológico do Palácio e Convento de Mafra, Departamento de Geologia, Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa.) www.cienciaviva.pt/veraocv/geologia/geo2001/paleomemorial.pdf
Escrito por José Salsa

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