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sábado, 2 de dezembro de 2017

Conteúdo - O Mensageiro das Estrelas foi escrito para causar sensação e agora está em português

É o primeiro livro escrito por Galileu. Depois de ter construído e experimentado o primeiro telescópio, em 1609, o pai da astronomia moderna não conseguiu conter o mundo novo que descobriu do outro lado da luneta. E quis escrever sobre isso. Foi a única vez que escreveu um livro em latim. Portugal esperou 400 anos para o ler em português. Isso é possível a partir de hoje, depois de a Fundação Calouste Gulbenkian ter decidido aceitar um desafio proposto pela organização portuguesa do Ano Internacional da Astronomia (AIA) e pelo físico e historiador da ciência Henrique Leitão para traduzir, pela primeira vez, uma obra de Galileu para o português de Portugal.

"É um livrinho", descreve Henrique Leitão, folheando as 30 folhas que constituem a primeira obra de Galileu. O livro, hoje lançado às 18h00 na Fundação Calouste Gulbenkian, tem mais folhas que isso, uma vez que conta com a tradução, um estudo crítico e ainda uma nota de abertura de luxo, assinada por Sven Dupré, a maior sumidade mundial em matéria de telescópios de Galileu.

Mas, sendo "um livrinho", Henrique Leitão não tem dúvidas em afirmar sobre este Mensageiro das Estrelas: "Foi feito para causar sensação. Está escrito como se de notícias rápidas se tratasse, quase em estilo jornalístico. Ele não se dirige às elites. Queria chegar às pessoas comuns. E queria chegar também a toda a Europa. Ele era um divulgador de ciência", diz o investigador, justificando a opção pelo latim. Nas obras seguintes, Galileu optará pelo italiano. "Para além disso, dedicando o livro ao grão-duque Cosme II de Medici, acaba por arranjar emprego, ele que era professor mas que não gostava de dar aulas, que queria dedicar-se à astronomia e à observação do Universo. Daí Sven Dupré dizer, na introdução, que este livro é "uma candidatura a um emprego".

E é em homenagem ao espírito divulgador de Galileu que Henrique Leitão lança o desafio que espera ser aceite pelo público português: "A minha sugestão é que as pessoas leiam directamente o que Galileu escreveu. E entende-se tudo. Ele escreveu de um modo muito acessível. Pela primeira vez podemos comprovar isso através da leitura em português. E o estudo crítico torna esta leitura ainda mais divertida."

Este é o livro onde Galileu, depois de ter iniciado as primeiras observações com telescópios construídos por si próprio, anotou aquilo que descobriu. E o que Galileu descobriu veio inaugurar a astronomia moderna. "O livro, embora pequeno, abre uma perspectiva infinita para um novo Universo", diz Henrique Leitão. "As descrições das fases da Lua e o facto de ter montanhas e vales, o facto de relacionar o tamanho das estrelas com a distância a que elas se situam e de haver muito mais estrelas do que as 1022 que eram consideradas no catálogo de Ptolomeu. E ainda as "estrelinhas" que andavam à volta de Júpiter, os satélites, a que chamou estrelas mediceias, em homenagem aos Medici. Hoje sabemos que são planetas. Há 65 imagens sobre tudo isto no livro original. Nunca ninguém tinha abordado este problema desta maneira e a evidência visual é muito persuasiva. Num século XVII onde se pensava que o céu era algo absolutamente familiar, ele veio provar que havia um imenso e admirável universo desconhecido."

Tudo, explica Henrique Leitão, graças a "esse instrumento que veio aumentar os sentidos", ou seja, o telescópio. "Galileu transforma a sua casa numa pequena fábrica de telescópios para conseguir ultrapassar o problema que tinha de validação pelos pares. Como é que ele explicava que havia satélites em torno de Júpiter, se não tornasse possível a todos observarem o mesmo que ele via?"

É para celebrar esta entrada na astronomia moderna inaugurada pelas primeiras observações com o telescópio de Galileu que João Fernandes, coordenador do Ano Internacional da Astronomia em Portugal, decidiu integrar o lançamento da tradução de O Mensageiro das Estrelas na cerimónia de encerramento do AIA, que decorre hoje na Fundação Calouste Gulbenkian.

"O AIA marca as primeiras observações feitas com um telescópio por Galileu, em 1609. E em 1610 essas observações continuaram a acontecer, ano em que Galileu escreveu este livro. É uma obra muito importante, marca a metodologia moderna da astronomia. O que hoje fazemos ainda é replicar o que Galileu nos ensinou. Pode-se dizer que esta é a obra fundacional da astronomia moderna", diz João Fernandes, que observa que esta tradução já devia ter acontecido antes e que o trabalho prévio feito por Henrique Leitão no estudo sobre a obra e sobre Galileu tornou possível apresentar O Mensageiro das Estrelas hoje em português.

Astronomia portuguesa

Na cerimónia de encerramento é também inaugurada uma mostra - A astronomia no Portugal de hoje -, comissariada pelo astrónomo António Pedrosa, director do planetário do Centro Multimeios de Espinho, onde se faz o retrato da astronomia actual em Portugal. "Temos entre 50 a 60 astrónomos profissionais em Portugal; há 30 anos tínhamos dois ou três. E a astrofísica é a área com mais impacto na produtividade científica nacional", sustenta João Fernandes.

Há ainda uma maqueta que explica como vai ser o European Extremely Large Telescope ou E-ELT, o telescópio de grandes proporções que a Agência Espacial Europeia está a construir, e como funciona o ESO, o Observatório Europeu do Sul, a que Portugal pertence. No âmbito das palestras que decorreram ao longo do ano, sobre as Fronteiras do Universo, será ainda atribuído um prémio à melhor pergunta de astronomia colocada pelos alunos do básico e secundário que assistiram às palestras.

Público

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