quarta-feira, 19 de dezembro de 2018
sábado, 15 de dezembro de 2018
sábado, 1 de dezembro de 2018
Botânicos reúnem numa lista todas as espécies de plantas conhecidas
Legumes, musgos, rosas e mesmo as ervas mais simples fazem parte da lista mais completa de sempre das plantas conhecidas para a ciência. A base de dados, com mais de um milhão de nomes, está terminada, revelaram hoje os jardins botânicos de Kew e do Missouri, instituições de referência mundial em biologia vegetal.
A Lista das Plantas, que será actualizada, inclui 1,25 milhões de nomes científicos de plantas. Destes, cerca de 300 mil são nomes já aceites e 480 mil são sinónimos. Para os restantes 260 mil nomes ainda não há certezas suficientes e há que investigar mais.
“Todos os nomes válidos publicados para as plantas, ao nível das espécies, foram incluídos na Lista das Plantas. A maioria são sinónimos e nenhum nome foi apagado”, disse Peter H. Raven, director do Jardim Botânico do Missouri, em comunicado.
Stephen Hopper, director dos Jardins de Kew, considera que esta lista “é crucial para planear, implementar e monitorizar os programas de conservação das plantas de todo o mundo”.
Sem nomes específicos, a tarefa de compreender e comunicar o cenário botânico do planeta seria um “caos ineficiente, que custaria muito caro”, revelam os Jardins de Kew, em comunicado. Assim, a lista permite ligar os diferentes nomes científicos utilizados para uma espécie em particular e relacionar as espécies a publicações científicas para ajudar os investigadores.
Os botânicos ingleses e norte-americanos começaram a trabalhar nesta lista em 2008, comparando as famílias de plantas registadas pelos Jardins de Kew e o sistema Trópicos, um banco de dados alimentado desde 1982 pelos Jardins do Missouri, com cientistas a trabalhar em 38 países.
“Nas últimas décadas, estas duas instituições de referência têm feito um investimento extraordinário para identificar espécies à escala global e para construir uma rede de avaliação mundial da diversidade vegetal”, comentou Helena Freitas, directora do Jardim Botânico da Universidade de Coimbra. As duas conseguiram “chegar a um número bastante realista” e cientificamente válido sobre o número de espécies, acrescentou ao PÚBLICO, salientando a “promoção da ideia da importância das plantas como base das cadeias alimentares”.
Em Outubro, os 193 países membros da Convenção sobre a Diversidade Biológica reunidos em Nagoya, no Japão, decidiram criar até 2020 um banco de dados online de toda a flora conhecida no planeta.
Uma em cada cinco plantas no mundo está ameaçada de extinção, revelou em Setembro um estudo da União Internacional da Conservação da Natureza (UICN).
A espécie conhecida com mais ADN é uma planta japonesa
A Paris japonica é uma planta para o jardineiro paciente. Para obter um exemplar com 80 centímetros, é preciso um ambiente húmido, sem sol directo, com muitos nutrientes e uma paciência de santo – depois de plantada, o caule pode demorar até quatro anos a despontar. A planta é exigente e isso pode estar associado aos 152,23 picogramas (um picograma é um bilionésimo de um grama) de ADN que cada célula tem. Uma quantidade enorme, 50 vezes maior do que cada célula humana carrega, que é apenas de três picogramas.
A Paris japonica pode crescer até aos 80 centímetros de altura
(Karl Kristensen)
"Algumas pessoas podem questionar-se que consequência tem um genoma tão grande e se realmente importa uma espécie ter mais ADN do que outra", disse Ilia Leitch, investigadora do jardim de Londres Kew Gardens. "A resposta é um 'sim' – um grande genoma aumenta o risco de extinção", disse.
A espécie com o genoma mais pequeno, excluindo bactérias e vírus, pertence ao fungo parasita chamado Encephalitozoon intestinalis e pesa apenas 0,0023 picogramas. A Paris japonica tem mais 19,4 picogramas do que o anterior recordista – o peixe pulmonado Protopterus aethiopicus, com 132,83 picogramas.
Durante o Verão, uma equipa do Kew Gardens pesou o genoma da planta japonesa. A descoberta, que realça a vulnerabilidade desta planta, mereceu publicação na revista científica Botanical Journal of the Linnean Society.
Segundo a investigadora, quanto mais ADN o genoma tem, mais a célula demora a replicar toda a molécula para poder dividir-se. "Pode demorar mais para que um organismo com um genoma maior complete o seu ciclo de vida do que um com um genoma menor", explicou a investigadora citada pela Reuters. Normalmente espécies com genomas grandes estão menos adaptadas a viver em solos poluídos e toleram mal condições ambiente extremas. "Que são cada vez mais relevantes no mundo em mudança", conclui a cientista.
Monumentos vivos
As árvores mais antigas, raras e notáveis
Algumas árvores destacam-se pela idade e por estarem cravadas na memória das populações. Outras foram testemunhas de factos históricos e sociais relevantes. Há ainda as que brilham por serem bizarras ou de dimensões descomunais.
Portugal tem a lei de protecção de árvores mais antiga da Europa. O decreto é de 15 de Fevereiro de 1938 e protege as que merecem a designação de “interesse público”. São assim classificadas as que se distinguem pela idade, pelo porte, pela raridade ou pelo desenho e que, ao mesmo tempo, mantêm resistência estrutural, crescimento natural e sistemas autoprotectores intactos. António de Campos Andrada, técnico da Autoridade Florestal Nacional (AFN) e responsável por esta área, decifra a segunda metade da equação: “Devem ter fustes, pernadas e braças fortes e resistentes até às partes mais altas, capazes de suportar os embates do mau tempo, e ostentar uma copa homogénea.”
A AFN admite que a legislação precisa de ajustes e revela estar a concluir uma proposta de alteração. O técnico explica: “Há parâmetros subjectivos, como a beleza ou a sua importância histórica, que não são fáceis de quantificar.” O objectivo do novo texto é “criar critérios para avaliar estas variáveis”.
Qualquer intervenção nos monumentos vivos, como movimentação de terras ou a impermeabilização do solo, está sujeita a aprovação prévia e à orientação técnica da AFN. O corte e desrame também. Aos proprietários, cabe mantê-los em bom estado de conservação. A desclassificação é possível. Campos Andrada resume os motivos que podem causá-la: “Perda de características, morte ou danos sérios, seja por causas naturais, físicas ou biológicas, como pragas e doenças.”
Lisboa é a região com mais classificações: 65 árvores isoladas e 19 arvoredos, provenientes de todos os continentes. O sucesso deve-se a dois factores, no parecer do especialista. Primeiro, a capital goza de um clima temperado de características mediterrânicas: “O Verão é seco e quente, a Primavera relativamente fresca e o Inverno chuvoso e moderado”, simplifica. A região está ainda “sujeita à acção amenizadora do Atlântico e do Tejo”. Em segundo lugar, Campos Andrada refere “a existência de muitas quintas da aristocracia, cujos proprietários, impulsionados pelo romantismo, plantaram árvores para dar distinção às casas”.
Em Portugal continental, estão registadas 431 árvores de interesse público e 74 arvoredos, mas é provável que a lista se alargue, brevemente, com mais 21 exemplos. Todas estão registadas numa base de dados nacional que pode ser consultada online.
Para classificar uma árvore, não é preciso confirmar cientificamente a sua idade. Campos Andrada esclarece que, por regra, a estimativa baseia-se “em testemunhos históricos e na tradição oral”. A única datada de modo científico foi a oliveira de Tavira. O método utilizado foi o carbono 14, e o resultado mostrou que a árvore foi contemporânea de Cristo!
Obras notáveis
Por vezes, isoladas não se destacam, mas em conjunto são admiráveis. Dos arvoredos classificados, distinguimos dois: a colecção de cameleiras da Quinta de Santo Inácio de Fiães, em Vila Nova de Gaia, e os plátanos do Jardim da Cordoaria, no Porto. A primeira é a maior da Europa. Estende-se por quatro hectares e reúne dois mil exemplares. Só tem variedades oitocentistas, a maior parte importadas. No entanto, uma das camélias portuguesas mais antigas, a Picturata plena portuensis, foi ali obtida, em 1844. O segundo caso conta com 37 plátanos que se destacam pela forma bizarra dos troncos, curtos e grossos, o que poderá dever-se a uma doença que os deformou.
As colecções dos jardins botânicos e dos parques da Pena, de Monserrate e do Buçaco não fazem parte da base de dados nacional, por estarem inseridas em áreas protegidas. No entanto, contam com algumas das maiores árvores do país, como é o caso da Araucaria bidwillii, de Monserrate, que ultrapassa os 35 metros de altura.
Os arquipélagos da Madeira e dos Açores também não constam na base de dados, por terem regimes próprios. Para esta lista das árvores mais notáveis de Portugal, Anabela Miranda Isidoro, directora regional dos Recursos Florestais dos Açores, seleccionou um exemplar “com mais 200 anos”: um dragoeiro integrado no bosque exclusivo daquela espécie que circunda o Museu do Vinho, na ilha do Pico. “O elevado número de dragoeiros que compõem a mata é um caso raro, se não actualmente único, de propagação”, justifica. A Direcção Regional de Florestas da Madeira escolheu um til do Parque Florestal do Fanal, no concelho de Porto Moniz, uma espécie característica da floresta de laurissilva madeirense.
J.O.B.
SUPER 155 - Março 2011
Plantas Aromáticas, Medicinais e Condimentares
O uso de plantas aromáticas, medicinais e condimentares é parte integrante da cultura Portuguesa, tantas são as suas possibilidades de utilização. Dê uma espreitadela introdutória a este fascinante tema.
A utilização de plantas aromáticas, medicinais e condimentares é parte integrante da cultura portuguesa, tantas são as referências ao seu uso nas mais diversas situações. No entanto, o seu largo emprego não tem merecido atenção especial de quem publica e são ainda poucos os trabalhos que neste domínio se têm feito e ainda menos os que têm resultados que cheguem aos potenciais produtores.
Durante muito tempo considerou-se sem interesse o desenvolvimento deste tema face à importância crescente da química moderna e das maravilhas que supostamente consegue imitando a natureza. Mas, as muitas dúvidas sobre a metodologia e consequências de muitas substâncias que o Homem inventa leva à procura do natural, nomeadamente como forma de encontrar soluções sem consequências e efeitos secundários, o que a solução sintética não consegue no seu todo.
Também a ideia de que só as plantas medicinais e aromáticas espontâneas tinham as propriedades que se procuravam está hoje posta de lado, podendo ser cultivadas com largo benefício para o desenvolvimento das propriedades por que são apreciadas e por que se procuram, para além de que se torna mais fácil a sua colheita e consequente preparação.
O cultivo em vez da recolha de plantas espontâneas, tem ainda a vantagem de evitar recolher plantas em habitat sensíveis, com a consequente destruição de plantas com interesse de conservação e de evitar recolhas exaustivas que podem levar ao desaparecimento de algumas populações.
Existem plantas medicinais e aromáticas das mais diversas espécies. Apresentam consistência herbácea, semi-herbácea ou lenhosa, com aproveitamento apenas de uma parte da planta ou da totalidade. Estas plantas têm na sua composição as substâncias que todas as outras possuem como seja água, sais minerais, ácidos orgânicos, hidratos de carbono ou substâncias proteicas. No entanto de planta para planta, há uma variação relativa destes compostos e noutras aparecem alguns outros que as demarcam e conferem propriedades especiais.
Os componentes que diferenciam as plantas com estas características de outras, conferindo-lhe valor terapêutico e aromático, são os seus princípios activos. Entre estes são importantes:
- Alcalóides: Compostos tóxicos que actuam sobre o sistema nervoso central. Podem ter acção terapêutica muito variada, como seja a do ópio que é usado como narcótico, a do quinino que tem acção sobre as febres, a da giesta como regulador cardíaco, a do chá como diurético. O teor de alcalóides nas plantas aumenta até à floração, diminuindo rapidamente após esta.
- Glucosíados: Apenas em casos pontuais têm propopriedades medicinais próximas dos alcalóide; têm presença importante no ruibarbo e na dedaleira.
- Óleos essenciais: Aparecem em muitas plantas com um aroma característico, geralmente agradável, que se pode obter por destilação.
- Taninos: Com propriedades anti-diarreicas, são facilmente oxidáveis.
- Princípios amargos: De origem diversa, geralmente glucosaídica, têm sabor amargo estimulando a secreção de sucos gástricos, criando condições para melhoria do apetite.
- Mucilagens: Hidrocarbonados que aumentam de volume por hidratação, são utilizados como laxantes, lubrificantes ou anti-inflamatórios.
Se quiser aprofundar este tema, sugerimos que comece por consultar a seguinte referência:
Vasconcellos, J. C. (1949) Plantas Medicinais e Aromáticas. D.G.S.A. Lisboa.
Primeiro Atlas Total da Flora Europeia poderá estar concluído dentro de cinco anos

O projecto começou com projectos isolados em 1973 e há cerca de nove anos formou-se esta equipa internacional, tendo já sido publicados alguns volumes desta vasta obra. Falta ainda entre cinco e dez anos, segundo as previsões dos peritos, para concluir este mapeamento total da Flora Europeia. “Este Atlas exige um trabalho meticuloso e moroso, passando pela introdução de toda a informação das espécies existentes, da raridade ou abundância das espécies, e da ameaça de extinção, entre outros dados”, explica o coordenador do grupo de pesquisa em Portugal, António Xavier Pereira Coutinho, do Departamento de Botânica da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC). Num comunicado divulgado hoje o investigador sublinha a importância da obra argumentando que “constitui uma das bases para o conhecimento da biodiversidade da Europa e para muitos estudos para aplicações das plantas, das quais um número significativo tem um elevado interesse medicinal e farmacêutico”. O mapeamento, adianta, pode ajudar a perceber, através do estudo de diversos indicadores, como o clima está a mudar a nível mundial, como os glaciares estão a evoluir, etc. “A acção humana recente nomeadamente no que se refere à construção civil e à poluição, bem como actividades tradicionais como a pastorícia e os fogos florestais estão a ameaçar várias espécies de plantas, essenciais para o equilíbrio do mundo da biodiversidade porque cada espécie tem um património genético irrepetível”, acrescenta António Xavier Pereira Coutinho.
Segundo o comunicado, a “mega equipa” internacional já rastreou cerca de um terço das plantas, e está actualmente a tratar as Rosaceae, “uma família importante a nível ecológico e, inclusivamente, económico, pois inclui numerosas plantas ornamentais (como as rosas), e alimentícias (como as pereiras, macieiras, ameixieiras, cerejeiras, morangueiros, etc.)”. O trabalho de recolha de dados exige que se percorra todos os herbários da Europa e se confirme a informação existente (classificação das plantas, a data de colheita, o lugar de existência, etc.). O tratamento da informação recolhida está a ser feito em Helsínquia, onde os dados enviados são coligidos e serão publicados.
Dirigida essencialmente à Comunidade Científica, “a informação fornecida a Helsínquia serve também para o Comité Internacional (“The Committee for Mapping the Flora of Europe”, em colaboração com a “Societas Biologica Fennica Vanamo”) apontar medidas para, por exemplo, salvar espécies em perigo de extinção sublinha António Pereira Coutinho. Em paralelo a este trabalho, o docente da FCTUC integra, também, a Comissão responsável pela elaboração do Livro Vermelho da Flora Portuguesa, onde se procede à catalogação das espécies ameaçadas no nosso país.
Plantas Carnívoras em Portugal
Muitas pessoas têm acerca das plantas carnívoras as ideias mais bizarras. As plantas carnívoras reais estão muito longe de se confundirem com os monstros terríveis que surgem nos filmes de ficção científica... Vale a pena conhecê-las melhor.
Alguns dos relatos onde são descritas plantas carnívoras constituem autênticos desafios à imaginação humana. Estas surgem aos olhos dos leigos como verdadeiras aberrações da natureza, tendo sido consideradas durante séculos como resultado de um milagre da natureza. No entanto, a realidade fica muito aquém das narrativas épicas onde as plantas carnívoras são referidas como terríveis monstros que atraem as vítimas e se alimentam das suas entranhas. Na verdade, estas plantas são, na sua maioria, de porte herbáceo, raramente ultrapassando algumas dezenas de centímetros.
As plantas carnívoras foram descobertas e referenciadas pela primeira vez no séc. XVIII, mais precisamente em 1768, quando o botânico inglês J. Ellis chamou a atenção para o curioso processo de captura de insectos em Dionaea muscipula. Desde essa data, mais de seis centenas de espécies de plantas foram estudadas e adicionadas ao rol das consideradas carnívoras. Estas plantas constituem um grupo botânico sem qualquer significado taxonómico, dado que o carnivorismo nas plantas parece ter resultado de evolução convergente, ou seja, ao longo dos tempos a selecção natural foi favorecendo a sobrevivência de plantas oriundas de famílias diferentes, mas que conseguiam capturar e digerir pequenos animais.
Apesar desta curiosa capacidade de se nutrir de animais, propriedade que era tida como exclusiva do reino animal, as plantas carnívoras mantêm todas as características de qualquer outro ser vivo do reino vegetal: são plantas verdes onde ocorre fotossíntese. Contudo, para assegurar a sua vitalidade e sobrevivência, estas plantas necessitam de completar o seu metabolismo com os aminoácidos resultantes da digestão de pequenos animais, que ocorre nas folhas, em zonas glandulares, caracterizadas por intensa actividade de enzimas proteases e fosfatases que digerem as presas. Vários estudos têm demonstrado que a nutrição heterotrófica aumenta o crescimento e desenvolvimento destas plantas e, em algumas espécies, parece ser essencial para que ocorra a floração, ou seja, a possibilidade de perpetuar a espécie. Por esta razão, o carnivorismo nas plantas é encarado como uma adaptação nutricional relacionada com os solos deficientes em azoto, como acontece com as zonas pantanosas e turfeiras onde ocorre a maioria das plantas carnívoras conhecidas.
As folhas das plantas carnívoras são comummente o local de captura das presas (armadilhas), apresentando adaptações morfológicas e fisiológicas mais ou menos especializadas na atracção, captura e digestão dos animais. As armadilhas estão, geralmente, recobertas por mucilagem, uma espécie de cola que retém as presas, e podem possuir movimento, aumentando dessa forma a eficácia da captura dos insectos. No entanto, não basta ter armadilhas eficazes, é necessário conseguir atrair até elas as respectivas presas, assim, é comum as plantas carnívoras exalarem odores característicos, de matéria orgânica em decomposição ou adocicados, que funcionam como chamariz para a maioria dos insectos.
Actualmente, conhecem-se cerca de seiscentas espécies de plantas consideradas carnívoras que se distribuem pelos cinco continentes. A Austrália é o local onde existe maior variedade específica, albergando cerca de um terço de todas as espécies conhecidas. Para Portugal estão referenciadas oito espécies de plantas carnívoras espontâneas, pertencentes a duas famílias (Droseraceae e Lentibulariaceae), no entanto, a ausência de estudos recentes de biologia, ecologia e distribuição não permite afirmar, com absoluta certeza, que todas essas espécies ainda possam ser encontradas em território nacional.
De modo a desvendar o misterioso mundo das plantas carnívoras que ocorrem em Portugal, sugere-se, seguidamente, uma breve caracterização das diferentes espécies. Esta interessante viagem inicia-se pelas orvalhinhas, pertencentes à família Droseraceae, que são pequenas plantas carnívoras que surgem em locais húmidos ou pantanosos. Tratam-se de plantas com uma distribuição ubíqua e das cerca de noventa espécies conhecidas podemos encontrar duas em Portugal (Drosera rotundifolia e D. intermédia), que são designadas vulgarmente pelo mesmo nome vernáculo: orvalhinhas. No nosso País, as duas espécies de orvalhinhas encontram-se quase confinadas ao norte do rio Tejo, sendo que a D. rotundifolia surge quase exclusivamente a norte do rio Vouga. São plantas vivazes que raramente ultrapassam os vinte centímetros de diâmetro. As suas folhas modificadas, com uma forma idêntica à mão humana, encontram-se recobertas por aproximadamente duzentas glândulas pediculadas recobertas por mucilagem. Logo após o contacto com a presa, geralmente pequenos insectos que pousam inadvertidamente sobre as folhas, as glândulas pediculadas começam a curvar-se de modo a envolver a preciosa “refeição”. Segue-se a acção das enzimas digestivas que são libertadas pelas glândulas e a absorção dos produtos assimiláveis. Findo todo este processo, as glândulas e a folha retomam a posição inicial, sendo bastante comum encontrar os restos mortais (esqueletos quitinosos) dos últimos insectos que foram capturados e digeridos pela planta.
Ainda na família Droseraceae é importante salientar a ocorrência de um endemismo ibero-marroquino: a erva-pinheira-orvalhada (Drosophyllum lusitanicum Link.). Esta designação vernácula por que é conhecida deve-se ao facto da planta estar coberta por gotas brilhantes de mucilagem, fazendo lembrar o orvalho matinal. É uma planta com cerca de vinte a trinta e cinco centímetros de altura, que ocorre em solos secos, siliciosos ou xistosos, estando confinada a algumas populações isoladas ao longo de uma estreita faixa litoral do nosso País. A quase totalidade dos estudos existentes sobre esta planta resultou do trabalho de botânicos portugueses, tais como: o Prof. Carlos França, o Prof. Aurélio Quintanilha e o Prof. Abílio Fernandes.
As restantes carnívoras que ocorrem espontaneamente em solo lusitano incluem-se na família Lentibulariaceae. Trata-se de uma família com enorme heterogeneidade morfológica, onde se incluem plantas que vivem quer em lugares húmidos (por ex. as pinguicolas) quer completamente submersas (por ex. as utriculárias).
As pinguicolas são apenas encontradas no hemisfério norte, com excepção de três espécies sul americanas. No nosso país encontram-se apenas duas espécies (Pinguicula vulgaris e P. lusitanica) das cerca de trinta conhecidas. São pequenas plantas perenes com raízes pouco desenvolvidas e que se distinguem facilmente das outras plantas por apresentarem uma pequena roseta de folhas aplicadas ao solo, do centro da qual emerge, na época da floração, a respectiva haste floral que suporta uma única flor. As folhas são geralmente de cor verde-clara e apresentam os bordos ligeiramente enrolados, encontrando-se a página superior revestida por glândulas que produzem mucilagem que funciona como primeiro mecanismo de captura dos insectos. Após sentir a presença dos insectos a debaterem-se para se libertarem do visco que os mantém aprisionados, inicia-se o enrolamento da folha de modo a envolver melhor as presas nas enzimas digestivas. Os insectos parecem ser atraídos para as folhas das pinguicolas através de um intenso odor a cogumelos putrefactos exalado pela planta. A outra espécie, P. vulgaris, possui um aspecto bastante similar à anterior, distinguindo-se dela apenas pelas suas maiores dimensões e pela cor mais escura das suas flores. A P. vulgaris é indubitavelmente a planta carnívora mais rara do nosso país, uma vez que só é conhecida uma única localização em Portugal. Já o mesmo não acontece com a P. lusitanica, que possui várias localizações ao longo do litoral a norte do rio Vouga. Aliás, esta espécie encontra-se habitualmente associada às orvalhinhas, uma vez que ambas possuem idênticas exigências edáficas e climáticas.
Para concluir esta breve viagem pelo panorama nacional das plantas carnívoras, resta conhecer as utriculárias que pertencem a um género com uma distribuição ubíqua e que inclui o maior número de espécies: cerca de trezentas. Em Portugal podem encontrar-se três dessas espécies (Utricularia subulata, U. gibba e U. australis). A primeira é um geófito de caules capilares e subterrâneos, que se julga poder já estar extinta no nosso País, uma vez que não é observada em território nacional desde a década de quarenta do século passado, enquanto as duas últimas são hidrófitos submersos ou flutuantes que habitam as lagoas e pântanos de água doce. Pelo facto de viverem totalmente imersas, estas plantas são das mais desconhecidas de todas as plantas carnívoras, uma vez que são difíceis de observar, excepto na época de floração, que vai de Junho a Setembro, em que as flores de cor amarelada se elevam acima da superfície da água denunciando a sua presença. As utriculárias são desprovidas de raízes e possuem um caule muito fino sobre o qual se inserem, alternadamente, formações foliáceas. Distribuídas com uma certa regularidade e ligadas aos lóbulos foliares por curtos pedúnculos, encontram-se pequenas vesículas ou utrículos, que constituem armadilhas altamente especializadas, com que estas plantas capturam as suas presas aquáticas: crustáceos e larvas de insectos. Dado o elevado número de espécies existentes neste género, é natural que exista uma enorme variedade morfológica de utriculárias, no entanto, o funcionamento das suas armadilhas é idêntico em todas elas: os utrículos são pequenos «sacos» com uma única abertura, junto à qual existem, habitualmente, pêlos sensitivos que detectam a presença das pequenas presas; quando algum animal aquático estimula os pêlos sensitivos, o utrículo aspira-o em milésimos de segundo; enquanto a presa se vai debatendo no interior do utrículo, a planta vai libertando as enzimas digestivas que acabam por matar e digerir a próxima «refeição» e para concluir todo este minucioso processo, resta à planta absorver os nutrientes do interior da sua esmerada armadilha.
O estudo das plantas carnívoras em Portugal teve o seu período áureo nas décadas de vinte e de quarenta do século passado, seguindo-se um total marasmo ao nível da investigação que se mantém até aos nossos dias. Por esta razão não é possível ter dados actualizados sobre estas plantas, a não ser informações esporádicas oriundas de pequenas investigações botânicas que vão sendo realizadas em algumas regiões do país.
Segundo prospecções mais recentes, referentes às províncias situadas a norte do rio Douro, constata-se que em muitas das localizações identificadas no século passado estas plantas já se extinguiram. Só para referir alguns exemplos, poder-se-á afirmar, com grande certeza, que a D. intermédia, a U. australis e a P. lusitanica já desapareceram dos arredores do Porto (Boa Nova, Pedras Rubras e Santa Cruz do Bispo). Também o D. lusitanicum existente na serra de Santa Justa, em Valongo, corre o risco de desaparecer devido à deposição ilegal de resíduos, à movimentação de terrenos e ao pisoteio resultante da prática de actividades de ar livre. Numa das suas localizações conhecidas nesta serra, a espécie já se encontra extinta.
Se fosse possível fazer um levantamento completo da distribuição das plantas carnívoras em Portugal, não seria difícil adivinhar que muitas outras populações, de todas as espécies de plantas carnívoras que surgem espontaneamente no nosso País, teriam já desaparecido devido a múltiplas causas que constituem ameaças directas ou indirectas às plantas e aos seus habitats: a drenagem de pântanos e de zonas húmidas, o desenvolvimento e expansão dos centros urbanos e redes rodoviárias, o abate de florestas autóctones para implementação de monoculturas com espécies exóticas e os inúmeros incêndios que têm afectado Portugal nestes últimos anos, são apenas alguns exemplos. Dada a reduzida distribuição geográfica da maioria das plantas carnívoras em Portugal, seria necessário e desejável despertar novamente o interesse por este curioso grupo botânico que há muito deixou de ser visto como um milagre da natureza e que vai desaparecendo silenciosamente do nosso património botânico sem, muitas vezes, sequer ter sido visto e conhecido pela esmagadora maioria dos portugueses que geralmente até desconhece que estas plantas (ainda) existem em Portugal.
Jorge Nunes
Matos Mediterrânicos
Os matos ocupam na maior parte dos casos os chamados terrenos incultos, são frequentemente considerados inúteis, e estão associados ao abandono e à degradação do meio. Escondem muitas surpresas.
Na região Mediterrânica ocorrem várias formações vegetais arbustivas, que muitas vezes surgem como resultado das acções humanas, mas também devido às limitações impostas pelas condições ambientais. As variadas estruturas vegetais arbustivas são denominadas por um conjunto de diferentes nomes ao longo das várias zonas da bacia Mediterrânica.
Na maioria dos países mediterrânicos distinguem-se os matos como fases degradativas da floresta:
1ª fase - Matagal; Mato Alto; Maquis; Macchia; Chaparral - com espécies de estrato arbustivo.
2ª fase - Charneca; Mato Baixo; Garrigue; Phrygarra; Tomilhares; Bath'a - com subarbustos na sua maior parte odoríferos.
Na fitossociologia, na geografia e comummente em França, distingue-se o Maquis do Garrigue consoante as características do solo que os matos ocupam, levando a que estes matos tenham diferentes estruturas.
O Maquis é um mato que se desenvolve em solos ácidos e siliciosos. Consiste numa densa e muitas vezes impenetrável massa de pequenas árvores e arbustos com uma grande diversidade de plantas rasteiras e trepadoras. Este coberto vegetal pode ter entre 3 e 5 metros de altura. O Maquis, assim definido, não deixa de ser um Mato Alto, que corresponde no nosso país a uma floresta degrada onde predominou outrora o sobreiro que ocupa espontaneamente estes solos.
O Garrigue é uma formação vegetal mais aberta, que se desenvolve em solos calcários, alcalinos e pedregosos, constituída por arbustos de pequeno porte que nos chegam à cintura ou apenas ao joelho, muitas vezes apresentando-se como pequenos tufos esparsos entre as manchas de erva. O Garrigue corresponde normalmente à floresta degradada de azinheiras.
Em Espanha, o termo Matorral engloba todas estas formas de matos. Como já foi referido, os matos mediterrânicos são frequentemente criados a partir de imposições naturais (por exemplo, solos calcários e clima mediterrânico nos garrigues) e imposições humanas (pastoreio, cortes e queimadas). Os matos podem ser considerados como uma série de vegetação, em que as comunidades características que os constituem são diferentes de outras séries.
No Mediterrâneo, ao longo de séculos os bosques primitivos foram sendo arroteados e convertidos em sistemas agrícolas e de pastoreio. Devido a estas actividades, as florestas primitivas não se encontram normalmente preservadas e estes matos, ou etapas de substituição, muitas vezes não poderão evoluir para o seu clímax local potencial, principalmente devido às limitações do solo. As desmatações e as mobilizações sucessivas do solo levaram em muitos casos à decapitação dos solos e ao abandono agrícola (também consequente da degradação dos solos), e assim, criaram condições para a instalação de carácter permanente dos matorrais.
Os matos são por vezes formações pobres, que apesar de terem a capacidade de recuperar espontaneamente quando cessa a intervenção humana, estagnam com as mesmas comunidades devido as adversas condições do meio, onde apenas as espécies destes matos subsistem. Assim deparamos com uma dualidade nesta questão: a intervenção e a não intervenção do Homem. A história do uso do solo num dado local tem um papel fulcral na criação das condições para a invasão dos matos, mas devido à degradação do meio e apesar dos inúmeros percursos de sucessão possíveis na região mediterrânica, na maior parte dos casos nunca os matos evoluirão para uma verdadeira floresta, como já terá existido, sem uma séria intervenção do Homem, isto sem referir o ritmo a que a sucessão natural se processaria.
Por outro lado, os matos têm uma utilidade própria. Os arbustos foram explorados pelo homem, para obtenção de lenha, carvão, de camas para o gado e para ajudar a preparar estrumes. A erva é pastoreada pelo gado, e muitas plantas disponibilizam frutos para comer, óleos, gomas, corantes, fibras têxteis, produtos apícolas, etc.
Hoje em dia, os matos não são abrangidos, ou quase, pelas prioridades da Política Agrícola Comum (PAC), nem lhes são associados noções de rentabilidade, pelo que não existe incentivo para os gerir.
Mesmo assim, continuam a ser um ecossistema interessante. Sobretudo os matagais desenvolvidos, são muitas vezes atractivos para os animais silvestres por conterem praticamente toda a gama de formas de crescimento vegetal (plantas anuais, bolbos, ervas perenes, arbustos e árvores), que proporcionam mosaicos interessantes para a fauna. Mas, outras vezes, também apresentam uma fraca variedade de essências e/ou com a pouca disponibilidade de água, e ainda com a sua estrutura muito uniforme, que não lhes permite apresentar uma maior biodiversidade, favorecendo apenas um determinado conjunto de espécies de fauna e flora. Esta última situação pode ser interessante para o conjunto de espécies favorecido, mas o rompimento das componentes da paisagem uniforme e a melhoria de determinadas condições físicas e estruturais poderia resultar numa maior diversidade biológica.
Na Primavera, principalmente quando nos referimos aos Garrigues, apresentam uma larga gama de cores, com as florações amarelas, azuis e vermelhas em contraste com a cor verde que domina noutras alturas, ou com a erva ressequida do Verão. Nos matos baixos, dominam os carrascos e as plantas aromáticas como o rosmaninho a alfazema, as estevas, os tomilhos, etc., e nos matos mais altos também as estevas mas com urzes arbóreas e por vezes os povoamentos de medronheiros.
Nuno Leitão
quinta-feira, 29 de novembro de 2018
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