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sexta-feira, 22 de maio de 2015

Notícia - Predador marinho pré-histórico tinha visão apurada


Fósseis excepcionalmente bem preservados permitiram fazer radiografia dos olhos do animal
Parece um monstro saído de um filme de ficção científica, com mandíbulas gigantes e uns olhos protuberantes que tudo vêem. Mas o Anomalocaris é muito mais do que pura imaginação. Ele foi o maior predador marinho do seu tempo, há 515 milhões de anos, no período Câmbrico. Fósseis deste animal encontrados na Austrália revelaram agora que ele tinha uma super-visão, só comparável à dos artrópodes de hoje, como é o caso das libélulas.

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Notícia - Três jazidas de dinossauros descobertas em Torres Vedras

Três jazidas com dinossauros e trilhos com pegadas destes animais, de tartarugas e de répteis voadores foram descobertos durante o mês de Setembro em Torres Vedras. Os investigadores destacam a "enorme extensão" do achado, que gostariam que pudesse ser dado a conhecer através de visitas guiadas.

A descoberta foi anunciada nesta segunda-feira em comunicado pela Associação Leonel Trindade (ALT)-Sociedade de História Natural, entidade responsável pela campanha paleontológica desenvolvida entre 10 e 30 de Setembro. Os trabalhos de campo decorreram na localidade de Cambelas, no concelho de Torres Vedras.

No mesmo local já tinham sido descobertos, em 2003, "restos de um grande dinossauro saurópode (vértebras, fémur), a par de ossos pertencentes a outros dinossauros de menor porte". Os investigadores acreditam, como explicam em comunicado, que esses achados terão sido enterrados num leito de um rio, mas "um episódio de grande energia hídrica (como uma grande cheia)" tê-los-á deslocado para o local onde vieram a ser encontrados.

Na campanha que agora terminou, os trabalhos de prospecção paleontológica resultaram na descoberta de "três novas jazidas com dinossauros, trilhos com pegadas destes animais e outros compostos exclusivamente por pegadas de tartarugas e répteis voadores".

Questionado sobre a relevância dessa descoberta, o director do laboratório paleontológico da ALT-Sociedade de História Natural salientou que o trabalho só agora começou. "A importância por género e espécie não conseguimos ainda definir porque ainda não escavámos", explicou Bruno Silva, revelando que isso só será feito numa próxima campanha, até à qual as jazidas ficarão isoladas "com uma estrutura de protecção para que o mar não as destrua".

Ainda assim, o investigador destaca que os animais "parecem estar relativamente bem conservados", contando que de um deles já tinha sido, no passado, detectada "uma costela com quase dois metros de comprimento". Além disso, acrescenta Bruno Silva, "todas as descobertas de dinossauros são extremamente importantes para compreender o ecossistema de há 150 milhões de anos atrás". Nas prospecções que decorreram no mês passado foram também encontradas "várias jazidas contendo espécimes pertencentes à famosa tartaruga fóssil de Torres Vedras, Selenemys lusitanica".

O director do laboratório paleontológico da ALT-Sociedade de História Natural destaca que este ano houve uma "grande inovação": o facto de pela primeira vez se ter procedido ao registo tridimensional de alguns dos achados, nomeadamente de grandes blocos com ossos de dinossauro que, por estarem na linha de influência das marés ou localizadas no fundo das arribas, são praticamente impossíveis de remover. Uma metodologia que, como se lê no site desta entidade, é útil "para efeitos de salvaguarda e memória futura, estudo científico em laboratório e aplicação em futuros processos museológicos".

Estes trabalhos tiveram o apoio da Câmara de Torres Vedras e da Junta de Freguesia de São Pedro da Cadeira. Neles participaram também estudantes de Geologia da Universidade de Lisboa e investigadores do Grupo de Biologia Evolutiva de Madrid.

segunda-feira, 18 de maio de 2015

Notícia - O reino dos gigantes

Os oceanos pré-históricos eram lugares perigosos, povoados pelos mais sanguinários monstros marinhos. Reconstituímos esses tempos.

O mar tem sido tradicionalmente considerado um lugar perigoso, cheio de mistérios. Privado das adaptações necessárias para poder viver dentro de água, o ser humano criou uma mitologia diversificada de terríveis criaturas ocultas nas profundezas, numa atitude que reflectia o grau de desconhecimento que tinha, até há pouco tempo, de tão extenso meio. Na realidade, porém, não era necessário recorrer à mitologia nem à imaginação: durante boa parte da sua história, os oceanos foram espaços habitados por perigosas feras, autênticos monstros aquáticos. Esses seres eram o resultado da evolução ao longo de dezenas de milhões de anos e o reflexo dos processos de adaptação ao meio marinho. O estudo dos vestígios petrificados permitiu aos paleontólogos desvendar os remotos mundos oceânicos, actualmente sepultados sob as rochas abissais. Os estratos geológicos contêm uma antiquíssima história da qual, por enquanto, ainda só conseguimos arranhar a superfície.

Os mares de finais do Devónico (há cerca de 375 milhões de anos) tinham águas cálidas e eram ricos em fauna e flora marinhas. Entre os invertebrados, havia abundantes briozoários, braquiópodes, corais, amonites e trilobites. Havia também uma grande variedade de peixes, como os ostracodermos, que não pos­suíam mandíbulas, e os placodermos, que apresentavam, pelo contrário, um maxilar forte e contavam com férreas couraças protectoras. Neste último grupo, o rei incontestado era o Dun­kleos­teus, um terrível gigante cuja secção frontal estava protegida por uma autêntica armadura de placas. Em vez de dentes, o predador possuía um conjunto de projecções pontiagudas de osso que podiam penetrar na carne das vítimas ou mesmo partir-lhes o esqueleto. Um estudo elaborado, em 2007, pelos zoólogos Philip S.L. Anderson e Mark W. West­neat indica que exercia uma extraordinária força quando mordia, capaz de penetrar a couraça de qualquer outro placodermo que tivesse o azar de atravessar-se no seu caminho. A poderosa mordedura, aliada ao comprimento de seis metros, transformava o Dunkleosteus terrelli no campeão daqueles mares.

Ao longo do Devónico, os peixes diversificaram-se de forma impressionante. Todavia, não foram os únicos vertebrados a dominar o meio marinho. Cerca de 60 milhões de anos depois, durante o Pérmico (há 290 milhões de anos), os répteis começaram a invadir os habitats marinhos. O seu apogeu chegaria no Mesozóico (há cerca de 250 milhões de anos), a “idade de ouro” dos dinossauros. Naquele período, que se prolongou por 185 milhões de anos, os grandes lagartos também cederam parte do protagonismo aos répteis de água salgada, os quais viveram os seus dias de glória durante o Triássico, primeira etapa da era secundária.

No início, surgiram três grupos: Sauropterygia, Ichthyopterygia e Thalattosauria (este juntou-se aos outros dois passados seis milhões de anos). Os sauropterígios chegaram a alcançar uma diversidade próxima dos cem géneros, mas foi no grupo dos ictiopterígios que se encontravam alguns dos gigantes mais espectaculares, incluindo os ictiossauros, cuja forma, semelhante à de peixes e golfinhos, lhes valeu a denominação: em grego, ichthyosauria significa “lagartos-peixes”.

Foi no Triássico que se registou a maior diversidade de ictiossauros. O que atingiu maior tamanho foi o género Shonisaurus, que chegou até nós através de duas espécies. Nas montanhas Shoshone, no estado norte-americano do Nevada, o paleontólogo Charles Camp descobriu a primeira variedade, o Shonisaurus popularis. Os ictiossauros devem ter-se sentido confortáveis naquelas águas, pois a equipa de Camp recuperou mais de uma trintena de exemplares do réptil, que chegava a alcançar 15 metros de comprimento.

Uma segunda jazida, desta vez situada na Colúmbia Britânica (Canadá), permitiu descobrir outra espécie ainda maior. Tratava-se do Shonisaurus sikanniensis, que ostentava uns fabulosos 21 metros de comprimento. Apesar disso, os especialistas Elizabeth L. Nicholls e Makoto Manabe consideram que pode ter havido espécimes ainda mais corpulentos, uma proeza que transformaria o Shonisaurus no maior réptil marinho da história. Dado que os exemplares adultos não tinham dentes, podemos imaginar como seriam estes enormes e plácidos animais a alimentar-se através da sucção de enormes quantidades de lulas e belemnites (moluscos cefalópodes).

Em finais do Triássico (há cerca de 199 milhões de anos), produziu-se uma extinção em massa e grande parte das famílias de répteis neptunianos desapareceu. No entanto, alguns grupos de sauropterígios e ictiossauros sobreviveram e deram origem a novas formas ao longo do período jurássico (há 199 a 145 milhões de anos). Alguns podem ser incluídos na lista de predadores mais sinistros que os ocea­nos conheceram. Por sua vez, a Plesiosauria é uma das ordens do grupo dos Sauropterygia cujos membros atingiram grandes dimensões. A característica fundamental foi a evolução das extremidades para uma forma de barbatana rígida; importantes modificações ao nível do pulso e do joelho permitiram que utilizasse essas barbatanas para nadar mais vigorosamente do que outros sauropterígios.

Em função da forma do corpo, a ordem divide-se em dois tipos diferentes. Os que tinham o pescoço comprido e uma cabeça pequena são os plesiossauros, enquanto os que exibem o aspecto oposto (pescoço curto e cabeça maior) apresentam a disposição física característica dos pliossauros.

É entre estes gigantes de pescoço comprido que encontramos um monstro que aterrorizava a fauna marinha do Jurássico médio, há 164 milhões de anos: o Liopleurodon. Era um majestoso superpredador que passeava pelos oceanos, orgulhosamente, um corpo que atingia os cinco ou seis metros. Além disso, exibia um aspecto verdadeiramente ameaçador, com fabulosos dentes afiados de tamanho diferente, marca inconfundível de um carnívoro voraz.

Todavia, aquelas águas não foram apenas o cenário escolhido por numerosos répteis, pois houve também peixes enormes. De facto, foi no Jurássico médio que viveu o maior peixe de todos os tempos, o Leedsichthys. Com cerca de nove metros, tratava-se de um gigante sem dentes que pertencia a uma estranha família aquática já extinta, a Pachycormidae. Pensa-se que o Leedsichthys,tal como os actuais grandes vertebrados oceânicos, se alimentava de organismos muito pequenos, como plâncton e peixinhos diminutos. Assim, para comer, só tinha de abrir a boca e filtrar selectivamente a água e os alimentos. Além disso, do ponto de vista paleoecológico, os cadáveres de Leedsichthys devem ter sido como uma espécie de “bufete de praia”, pois propocionavam uma espectacular quantidade de nutrientes a répteis marinhos necrófagos e outros organismos.

O domínio dos “pescoços curtos” e “cabeçudos”, ou seja, dos pliossauros, estende-se até ao Jurássico superior (há 161 a 145 milhões de anos), se tomarmos em consideração uma recente descoberta ocorrida no arquipélago de Svalbard (Noruega), junto das águas do Árctico. Ali, uma equipa de paleontólogos da Universidade de Oslo, liderada por Jorn Hurum, encontrou um espécime espectacular. Em Junho de 2008, desenterraram do gélido solo polar um enorme pliossauro com cerca de 15 metros, um dos maiores descobertos até agora e um verdadeiro tesouro que ainda está a ser estudado. Os jornais baptizaram-no como “o Monstro”, mas os especialistas que se dedicam à sua análise preferem chamar-lhe “Predador X 3”, pois ainda não recebeu uma denominação científica específica.

Com 147 milhões de anos, o mediático Monstro parece bater todos os records pliossáuricos: os primeiros estudos preliminares indicam que pesava cerca de 45 toneladas, que se tratava de um nadador rápido e enérgico, e que possuía uma força de mordedura absolutamente demolidora. O biólogo evolutivo Gregory M. Erickson, que se especializou no estudo de dentadas de répteis, concluiu que o bichinho tinha uma força de mordida dez vezes superior à de qualquer animal actual. Assim, parece que nenhum habitante dos mares jurássicos estaria a salvo dos maxilares da fera.

A dinastia de pliossauros predadores não termina no Jurássico. Durante o Cretácico inferior (há 145 a 100 milhões de anos), os oceanos foram habitados por outro sinistro senhor dos mares, o Kronosaurus: com nove a dez metros, exibia um crânio robusto de dois metros de comprimento e cada dente possuía uma coroa de 12 centímetros.

No decurso do Cretácico superior, manteve-se a rica diversidade de peixes e répteis de água salgada, moradores de oceanos que continuavam a ser lugares extremamente arriscados. Partilhavam as águas tanto gigantes pacíficos, como o Bonnerichthys, com seis metros de comprimento, como sanguinários caçadores, caso do Xiphactinus, de cinco metros. Equipado com enormes dentes afiados que enchiam uma boca semelhante à de um buldogue, este caçador foi um feroz carnívoro.

Um exemplar célebre foi descoberto, em 1952, pelo paleontólogo George Fryer Stern­berg no condado norte-americano de Gove (Kansas). Sternberg desenterrou um espécime de Xiphactinus em excelente estado de conservação e que até continha um “brinde”no seu interior: outro peixe inteiro, um Gillicus, de 1,8 metros de comprimento. A explicação mais provável é que o animal engolido, ao agitar-se com toda a força, tenha causado lesões irreversíveis em alguns órgãos internos do sôfrego Xiphactinus. Bem diz o ditado que “pela boca morre o peixe”; neste caso, o glutão não reparou no tamanho da iguaria, pelo que também se poderia dizer que “quem com ferro mata, com ferro morre”.

Não eram os únicos “vizinhos” dos oceanos, pois por ali também navegavam os plesiossauros, esses gigantes de cabeça pequena e pescoços que chegavam a alcançar uma extensão difícil de imaginar. O campeão, até à data, parece ser o Styxosaurus, que tinha 12 metros no total e um pescoço que atingia os seis metros de comprimento (o das girafas ronda os dois metros). Muito se tem debatido a função e a utilidade de semelhante anatomia, e trata-se de uma questão para a qual ainda não se encontrou uma resposta definitiva. O facto é que a flexibilidade do pescoço era muito limitada, devido às rígidas articulações entre as vértebras cervicais. Por isso, o Styxosaurus não podia dobrá-lo de forma ondulante, nem pôr a cabeça fora de água como se fosse um periscópio. O longo cachaço talvez lhe servisse para se aproximar das presas sem que estas pudessem detectar o seu grande corpo.

Os plesiossauros devem ter sido perseguidos por formidáveis esqualos como o Cretoxyrhina e o Squalicorax, os quais podiam alcançar sete e cinco metros, respectivamente, com uma envergadura e porte semelhantes aos dos actuais tubarões brancos. No entanto, apesar de grandes e bem equipados, estes peixes não podiam competir com os grandes senhores da época, os mosassauros. Um espécime, o Tylosaurus, foi encontrado numa jazida norte-americana. Com cerca de 15 metros de comprimento, tinha uma alimentação carnívora variada: alguns dos fósseis mostram o conteúdo das últimas refeições, que incluem peixes, aves marinhas e mesmo outros mosassauros menos ditosos. Houve também géneros mais sibaritas que se especializaram em comer marisco, como é o caso do Globidens e do Prognathodon. Os seus membros possuíam dentes arredondados em forma de cavilha que podiam triturar conchas e outros moluscos.

Grandes carapaças

As tartarugas também não quiseram ficar para trás e, após um tímido começo no Cretácico inferior, chegaram a produzir majestosos espécimes. Podemos referir o Protostega, de três metros, e o Archelon, que, com quatro metros de comprimento, é a maior tartaruga de todos os tempos. É difícil imaginar semelhantes animais, do tamanho de um automóvel utilitário e com um estilo de vida provavelmente não muito distinto daquele das actuais tartarugas. Todavia, a maior parte dos répteis marinhos desapareceu há 65 milhões de anos devido a uma gigantesca catástrofe: o impacto de um enorme bólide contra a Terra provocou a célebre extinção do Cretácico, a qual acabou também com os dinossauros.

A estirpe dos esqualos não terminou na altura mas atingiu, pelo contrário, o seu apogeu, com exemplares como o megalodon, com perto de 20 metros de comprimento. Não se dispõe de muitos dados sobre o animal, pois nunca se recuperou um exemplar completo, mas sabe-se que foi o maior tubarão da história e que dominou, durante mais de 20 milhões de anos, os oceanos do planeta. Para alívio de mergulhadores e surfistas, o megalodon extinguiu-se há 1,8 milhões de anos, possivelmente devido ao arrefecimento das águas ou porque a sua principal fonte de alimentação (os cetáceos) começou a diminuir.

As histórias dos monstros marinhos pré-históricos chegaram até nós na forma de fósseis, e essas rochas são verdadeiros tesouros que nos revelam como eram esses déspotas das profundezas.


Grandes dentadas
Os estudos de Jeff Liston, o maior especialista do mundo em Leeds­ichthys, indicam que o enorme peixe também não estava a salvo das mandíbulas dos superpredadores jurássicos. Liston estudou um exemplar de Leeds­ichthys com uma dentada de cerca de 13 centímetros e marcas de dentes de 47 mm de diâmetro. Uma mordedura de semelhante calibre só pode ter sido feita por um pliossauro que tentava caçá-lo sem o conseguir, pois a zona mostra um processo regenerativo. O segundo peixe analisado por Liston apresenta uma mordedura mais pequena, possivelmente feita por um plesiossauro ou um pliossauro ainda jovem.

Super Interessante
M.G.B.

sábado, 16 de maio de 2015

Notícia - No rasto das trilobites



Uma viagem aos mares do Paleozóico
As trilobites surgiram, viveram e extinguiram-se sem deixar quaisquer descendentes muito antes de o Homem ter surgido na Terra. O biólogo Jorge Nunes segue a pistas destes artrópodes marinhos e desvenda algumas das suas inúmeras curiosidades.

As trilobites, parentes afastados dos crustáceos actuais, foram os principais representantes dos artrópodes (grupo a que também pertencem, por exemplo, os caranguejos e os insectos) nos mares do Paleozóico (há 540 a 250 milhões de anos). Dominaram todos os ambientes marinhos, de uma forma similar ao domínio exercido pelos dinossauros durante o Jurássico e o Cretácico, e eram de tal modo abundantes que esse período de tempo geológico também é denominado como “Era das Trilobites”.

Esses organismos surgiram do Big Bang biológico (explosão de vida, com variadas formas) que ficou conhecido por “Explosão Câmbrica” e que correspondeu a uma enorme diversificação evolutiva dos animais, em que a maioria dos filos actuais e outros extintos surgiram. Tiveram uma ampla distribuição geográfica e uma pequena repartição estratigráfica, isto é, cada espécie teve um período de vida relativamente curto, sendo por isso considerados bons fósseis de idade, uma vez que permitem datar as rochas onde se encontram.

Atingiram o seu apogeu durante o Ordovícico (500 a 435 M.a.), quando terão existido 63 famílias agrupadas em oito ordens, entrando em progressivo declínio que culminou com o seu desaparecimento no final do Pérmico (280 a 230 M.a.), altura em que ocorreu uma extinção em massa, a maior da história da vida na Terra, em que terão desaparecido cerca de 90 por cento das espécies marinhas e terrestres.

Criaturas enigmáticas
Pensa-se que terão existido cerca de 15 mil espécie de trilobites. Contudo, uma vez que constituem um grupo de artrópodes marinhos completamente extinto, se quisermos ter uma ideia do seu aspecto teremos de nos deslocar a um oceanário para contemplar o caranguejo-ferradura (Limulus sp.), o organismo actual (vive nos oceanos Atlântico, Índico e Pacífico) mais parecido com uma trilobite. Trata-se de um crustáceo que é considerado um “fóssil vivo”, uma vez que quase nada evoluiu quando comparado com o seu registo fóssil do Triássico (230 a 195 M.a.), período em que se julga que terá aparecido na Terra.

No entanto, apesar das parecenças entre ambos, muitas são as diferenças que os distinguem, pelo que, se pretendemos conhecer verdadeiramente as famosas trilobites, não nos resta outra alternativa que não seja vasculhar as jazidas fossilíferas à cata dos seus vestígios, esperando que eles nos dêem pistas sobre estas misteriosas criaturas. Neste capítulo, Portugal está bem servido.

As trilobites, cuja designação resulta de o seu corpo estar segmentado longitudinalmente em três lobos, também apresentam uma nítida divisão transversal em três partes articuladas entre si (céfalo, tórax e pigídio). O lobo central continha a maioria dos órgãos vitais associados aos sistemas alimentar e nervoso, enquanto os laterais ofereciam protecção aos apêndices ventrais e a órgãos relacionados com o sistema circulatório. O facto de os segmentos torácicos serem articulados permitia que se enrolassem como resposta a alterações bruscas no meio ou, possivelmente, quando pressentiam algum perigo, como acontece na actualidade com o bicho-de-conta.

As suas carapaças rígidas mineralizadas ofereciam protecção mas obrigavam, de modo similar ao que se verifica com os artrópodes actuais que possuem exosqueletos quitinosos, a mudas regulares, para permitir o crescimento dos respectivos inquilinos. Sob as suas carapaças couraçadas, escondiam-se corpos moles, dotados de numerosos pares de patas, que só muito raramente ficaram fossilizados.

O tamanho das trilobites é muito variável, podendo ir de alguns milímetros até várias dezenas de centímetros, embora na maior parte dos casos apresentem um comprimento que varia entre os três e os dez centímetros. Apesar de serem muito raros os espécimes com mais de 30 centímetros, em Portugal, mais precisamente nas ardósias do Ordovícico com 465 milhões de anos extraídas na Pedreira do Valério em Canelas (Arouca), espécimes com essas dimensões são relativamente comuns.

São oriundas dessa jazida fossilífera as maiores trilobites do mundo, que atingem cerca de 70 cm (Ogyginus forteyi). Existe mesmo um exemplar incompleto com 21 cm, da espécie Hungioides bohemicus, em que a reconstrução do resto do animal permitiu deduzir que teria aproximadamente 90 centímetros de comprimento. Este gigantismo nas trilobites de Canelas ainda constitui um verdadeiro mistério, dado que as mesmas espécies surgem noutras localizações da Península Ibérica com dimensões bem mais modestas.

Para além das deformações provocadas pela tectónica (forças que actuam no interior da Terra), que terão originado o achatamento das carapaças, pensa-se que os tamanhos XL poderão ter sido uma adaptação às baixas temperaturas da água, tal como acontece nas faunas boreais de artrópodes marinhos actuais, dado que Canelas corresponderia à margem de um grande paleocontinente que no Ordovícico se localizava no pólo sul (a região correspondente à actual Península Ibérica situava-se na plataforma continental desse continente).

Estes organismos, que se reproduziam através de ovos, possuíam antenas e um par de apêndices locomotores articulados por segmento, localizados na face ventral. A maioria tinha olhos compostos por várias lentes mais ou menos desenvolvidos, de natureza idêntica à dos insectos actuais, existindo no entanto algumas espécies cegas, como acontecia com a Placoparia sp., relativamente comum em algumas jazidas fossilíferas portuguesas.

A rota das trilobites
Em diferentes lugares, as camadas rochosas fazem lembrar páginas petrificadas de gigantescos livros onde se pode ler a história da vida na Terra e conhecer as estórias do seu passado mais remoto. Dado que chegámos tarde para podermos observar as trilobites no seu ambiente natural, resta-nos procurar esses lugares e escutar com atenção os segredos que podem revelar-nos sobre os mares primitivos onde elas reinavam. Ao calcorrear o país num memorável roteiro geológico que permite fazer uma viagem ao passado recuando mais de 250 milhões de anos, podem encontrar-se vestígios diversificados dessas criaturas, desde somatofósseis (que correspondem a partes do corpo fossilizadas) até icnofósseis (indícios da sua actividade vital, como pistas de locomoção, fezes fossilizadas, ninhos com ovos, etc.).

Curiosamente, apesar de estarmos a falar de animais marinhos, as principais jazidas fossilíferas portuguesas do Paleozóico localizam-se longe do mar, algumas a centenas de quilómetros do oceano. Isto explica-se porque esses lugares, terrestres na actualidade, estiveram submersos pelas águas costeiras e fizeram parte do fundo marinho onde se formaram as rochas que actualmente podemos contemplar à superfície e que guardam nos seus estratos valiosos tesouros: os fósseis de trilobites e de muitos outros habitantes dos mares paleozóicos.

Para escolher o rumo e descobrir onde aportar, basta consultar a Carta Geológica de Portugal e procurar os terrenos da Era Paleozóica. Como o objectivo é achar os vestígios das trilobites, será importante saber que em Portugal estes são mais frequentes em rochas dos períodos Câmbrico, Ordovícico e Silúrico. Do Câmbrico, destaca-se Vila Boim, próximo de Elvas; do Ordovícico, Valongo e Arouca, nas proximidades do Porto, e Penha Garcia, no concelho de Idanha-a-Nova; e do Silúrico, Sazes de Lorvão, nas imediações de Penacova.

Dado que nos últimos anos se tem assistido a um grande incremento das actividades de protecção e divulgação do património geológico, alguns desses locais, através das suas autarquias em parceria com instituições de ensino superior, investiram em projectos de conservação e promoção da herança geológica, tendo já sido agraciados com o Prémio de Geoc­onservação (Penha Garcia em 2004, Valongo em 2005 e Arouca em 2008), ou estando inseridos na Rede Europeia de Geoparques: Penha Garcia no Geoparque Naturtejo da Meseta Meridional, desde 2006, e Canelas no Geoparque de Arouca, desde 2009.

Uma viagem ao passado
Embora o Câmbrico de Vila Boim seja notável pela sua fauna de trilobites, a ausência de estruturas de apoio aos visitantes torna difícil aos mais leigos a descoberta do seu património paleontológico. Assim, será recomendável seguir a peugada dos prémios de Geoconservação, onde qualquer curioso, mesmo que pouco letrado em geologia, poderá encontrar sempre, nas estruturas de acolhimento e informação ao público, quem o guie na viagem ao Paleozóico e o auxilie na observação e interpretação das jazidas fossilíferas, verdadeiras janelas abertas para um passado longínquo.

Começando esta viagem através dos tempos geológicos pelo magnífico canhão fluvial do rio Ponsul, em Penha Garcia, descobrem-se, brotando das fragas quartzíticas, as famosas “cobras pintadas”, que fazem parte da memória colectiva local desde tempos imemoriais. Neste lugar recôndito, a mais de 160 quilómetros do oceano, considerado como uma das mais importantes jazidas paleontológicas do Paleozóico português, os fósseis esqueléticos (somatofósseis) são muito raros, pelo que os icnofósseis, que correspondem a vestígios de actividades paleobiológicas de invertebrados, são tudo o que resta dos habitantes dos mares primitivos.

As “cobras pintadas”, como lhes chama o povo devido a fazerem lembrar curiosas esculturas de cobras petrificadas, além de terem servido para alimentar o lendário da região, desempenharam um papel muito importante no conhecimento do modo de formação das pistas do tipo Cruziana. Estas são icnofósseis de alimentação das trilobites e de outros artrópodes morfologicamente similares e correspondem a sulcos essencialmente horizontais, bilobados, com uma crista central mais ou menos definida, apresentando intricados padrões ornamentais de estrias. Para percebermos a sua formação, torna-se fundamental regressar ao passado e imaginarmos uma trilobite a alimentar-se de matéria orgânica contida nos sedimentos, escavando e revolvendo o fundo marinho e deixando atrás de si rastos bem delimitados, que são o resultado da escavação do substrato por acção dos apêndices locomotores.

Em Penha Garcia, as pistas cruzianas são salientadas pela sua particular diversidade, pelas dimensões ímpares atingidas por algumas estruturas e pela preservação delicada, muito perfeita e rara, aspectos que tornam este geo­monumento um parque icnológico único a nível nacional e singular no contexto mundial. Estão de tal modo fossilizadas que em determinados momentos do dia, com luz rasante, é possível observar até as mais delicadas marcas dos apêndices locomotores das trilobites que os produziram. Assim, não é de estranhar que alguns dos exemplares de Cruziana encontrados nestas paragens figurem entre os icnofósseis mais bem preservados que se conhecem a nível mundial.

Fazendo eco das palavras de Carlos Carvalho, geólogo da Faculdade de Ciências de Lisboa, os icnofósseis de Penha Garcia “permitem determinar o modo de vida das comunidades bióticas e suas adaptações às variações ambientais, como sejam as modificações da composição do substrato”. Além disso, a granulometria e o grau de consolidação dos sedimentos, em íntima relação com as peculiares condições paleoambientais quando os fundos marinhos fervilhavam de vida, possibilitam igualmente a observação dos “órgãos da zona ventral, incluindo o aparelho locomotor das trilobites, cuja morfologia, modo de funcionamento e aplicações podem ser conhecidas a partir dos diversos icnofósseis atribuídos a este grupo de organismos”.

Em resultado da tectónica e da erosão fluvial, obtém-se em Penha Garcia uma montra invulgar de grandes lajes com inúmeros icnofósseis. Estes são de tal modo abundantes na região que foram comummente utilizados no passado como matéria-prima para a construção de estradas, muros e carreiros pedonais, como se pode verificar na escadaria de acesso ao castelo e ao longo das veredas que atravessam o magnífico vale do rio Ponsul.

Carapaças abandonadas
No roteiro das trilobites, segue-se o Parque Paleozóico de Valongo, localizado nas imediações do Porto. Este parque, que tem o seu nome associado à era geológica em que se formaram as mais importantes rochas da região, visa precisamente preservar e valorizar o seu património natural e em particular o património paleontológico. Apesar de originalmente terem sido formadas no fundo do mar, as rochas mais antigas de Valongo encontram-se actualmente à superfície, em resultado dos movimentos tectónicos, ostentando importantes jazidas fossilíferas de trilobites e outras formas de vida da Era Paleozóica.

A grande quantidade de fósseis de trilobites que surgem nas jazidas de Valongo corresponde, geralmente, a carapaças abandonadas e posteriormente fossilizadas, e não aos exemplares fósseis do organismo completo. Estas carapaças antigas foram libertadas aquando das mudas sucessivas que permitiram o crescimento dos animais, que entretanto segregavam novas carapaças. Nesta região, principalmente em rochas do Ordovícico, foram assinalados vinte e nove géneros de trilobites, sendo os mais frequentes de Placoparia, Neseuretus, Colpocoryphe, Salterocoryphe, Eodalmanitina, Ectillaenus e Nobiliasaphus, que podem ser admirados na exposição patente ao público no Centro Interpretativo. Destes merecem destaque os dois últimos, por corresponderem a espécies que atingiam frequentemente os 50 centímetros de comprimento.

Finalmente, rumamos à Pedreira do Valério, em Canelas, para findar em beleza este périplo pela rota das trilobites. Curiosamente, as formações geológicas que ocorrem na área enquadram-se na continuidade dos terrenos paleozóicos de Valongo, que se estendem numa estreita faixa de 310 a 425 metros desde Valongo até às proximidades de Castro d’Aire, segundo a direcção NW-SE. Destaca-se, pela sua relevância, o conteúdo paleontológico das ardósias do Ordovícico Médio, onde foram encontradas as maiores trilobites do mundo.

O opúsculo escrito pelo punho de Armando Guedes lembra que “nas rochas negras de Canelas podem ser encontradas uma quinzena de espécies diferentes de trilobites, associadas a graptólitos (pequenos organismos coloniais hoje também extintos), a conchas de braquiópodes, a cefalópodes, etc.”. No Centro de Interpretação Geológica de Canelas, localizado dentro da propriedade da empresa Ardósias Valério & Figueiredo, realizam-se sessões pedagógicas de divulgação científica que dão a conhecer aos visitantes alguns aspectos da vida dessas misteriosas criaturas que aí viveram há 465 milhões de anos. Depois de aguçado o apetite, segue-se um passeio por diversos locais de interesse geológico que culminará com o visitante de martelo na mão (fornecido pela instituição!) a partir pedra, resgatando com entusiasmo os magníficos fósseis de trilobites que se escondem nas ardósias do Ordovícico. Esta é verdadeiramente uma experiência imperdível para qualquer candidato a paleontólogo amador.

Para quem não tenha fôlego para palmilhar montes e vales à cata dos enigmáticos artrópodes marinhos, deixa-se a sugestão de uma visita aos museus paleontológicos que se orgulham de apresentar alguns dos melhores exemplares jamais recolhidos em Portugal. Desde o Museu Geológico de Portugal e o Museu Mineralógico e Geo­lógico, em Lisboa, ao Museu de Mineralogia e Geologia da Universidade de Coimbra e ao Museu de Paleon­to­logia Wenceslau de Lima, no Porto, não faltarão oportunidades para seguir o rasto das trilobites.

J.N.SUPER 150

terça-feira, 12 de maio de 2015

Notícia - Subida ao Pico limitada a 160 pessoas em simultâneo


A subida ao Pico, a 2351 metros de altitude, está limitada a 160 pessoas em simultâneo, determina o regulamento de acesso ao ponto mais alto de Portugal, prorrogado ontem pelo Governo Regional dos Açores até 30 de Setembro. O Regulamento de Acesso à Montanha da Ilha do Pico estabelece ainda que a capacidade máxima de carga do Pico Pequeno é de apenas 40 pessoas em simultâneo, que não podem permanecer no local mais do que 30 minutos.

Este regulamento aplica-se a todos os visitantes individuais ou em visitas organizadas, que devem pedir autorização para acesso ao trilho na Casa de Apoio à Montanha do Pico.

O trilho balizado por postes de sinalização é o único permitido para o acesso ao Pico, segundo estabelece o regulamento.

A Casa da Montanha, inaugurada a 5 de Junho de 2008, dispõe de um posto de controlo para registar as subidas e descidas dos visitantes e uma equipa de bombeiros está em permanência pronta para actuar em caso de emergência.

No ano passado, as autoridades regionais começaram a disponibilizar a todas as pessoas que pretendam subir à montanha mais alta de Portugal pulseiras equipadas com GPS, que permite saber, em qualquer momento, onde se encontram, de forma a facilitar eventuais operações de socorro.

As subidas à montanha do Pico contam com o apoio de 48 guias credenciados pela Secretaria Regional do Ambiente e do Mar.

O percurso até ao cimo demora cerca de quatro horas, através de um trilho com cerca de 3800 metros de extensão, de nível médio de dificuldade. Os especialistas consideram que a subida ao Pico exige alguma preparação física, não sendo um passeio pedestre acessível a todos devido ao grau de dificuldade que apresenta.

Segundo números do governo regional, em 2007 subiram ao Pico mais de seis mil pessoas.