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terça-feira, 19 de setembro de 2017

Notícia - Dragões pré-históricos


As libélulas de Portugal estão por explorar
Surgiram na Terra há cerca de 300 milhões de anos. Assistiram ao reinado dos dinossauros e à sua enigmática extinção, mas algumas espécies estão hoje ameaçadas. Falamos dos mais antigos insectos voadores, as libélulas. O biólogo Jorge Nunes revela as curiosidades destas relíquias do passado, quase desconhecidas em Portugal.

Em matéria de records, as libélulas não estão unicamente entre os insectos voadores mais antigos, também conquistaram o título dos maiores insectos voadores de todos os tempos. Esse feito notável foi alcançado pela espécie Meganeura monyi, que viveu no período Carbonífero (há aproximadamente 300 milhões de anos) e atingiu setenta e cinco centímetros de envergadura (tamanho equivalente às asas distendidas de um pombo-torcaz em voo). Terão sido estas dimensões descomunais, que rivalizam com as dos filmes de ficção científica, que levaram a que fossem apelidadas de “dragões voadores”.

O gigantismo de alguns insectos pré-históricos, entre os quais as libélulas, ainda hoje continua a apaixonar muitos paleo-entomólogos, que não encontraram uma justificação totalmente satisfatória para o crescimento desmesurado desses artrópodes. Um dos problemas, que necessita de explicação cabal e que continua a alimentar controvérsias no seio da comunidade científica, é saber como o modesto sistema respiratório traqueal conseguia abastecer de oxigénio todas as células dos seus corpos gigantes.

Como a atmosfera terrestre possui actualmente menor quantidade de oxigénio, não corremos o risco de viver a experiência arrepiante de ser sobrevoados por um desses ruidosos monstros aéreos. Logo, não é de estranhar que a maior libélula actual, a Megaloprepus coerulatus, nativa da América Central, não vá além de uns modestos doze centímetros de comprimento e dezanove de envergadura. Longe das dimensões das suas congéneres extintas, destaca-se, todavia, das mais pequenas do mundo, incluídas no género Agriocnemis, e que atingem no máximo dezoito milímetros de envergadura. A Anax imperator, com onze centímetros de envergadura, é uma das maiores que ocorrem em Portugal, e os exemplares do género Coenagrion, com os seus três a quatro centímetros, contam-se entre as mais diminutas.

Acrobatas aéreos
A maior parte da vida das libélulas adultas desenrola-se no ar. Apesar de a sua morfologia apresentar numerosas características pré-históricas, são os insectos com o aparelho de voo mais perfeito. As suas asas são atravessadas por numerosas nervuras longitudinais que formam uma rede com as abundantes nervuras transversais, o que lhes permite suportar grandes pressões longitudinais sem se dobrarem. Como a enervação alar difere consoante as espécies, esta é uma característica morfológica extremamente útil na sua identificação.

Em voo, podem atingir os 30 quilómetros por hora, e tanto se deixam levar pelo vento sem bater as asas como efectuam manobras aéreas extremamente complicadas. Algumas espécies conseguem mesmo voar para trás. Esta habilidade deve-se ao facto de os dois pares de asas se movimentarem independentemente um do outro e de cada asa poder mover-se isoladamente. Por tudo isto, as libélulas têm servido de inspiração e modelo a muitos dos mecanismos de voo utilizados nas mais recentes invenções relacionadas com as extraordinárias máquinas voadoras de alta tecnologia.

As libélulas adultas ostentam colorações admiráveis, que vão desde o vermelho ao verde, passando pelo amarelo, o castanho ou o azul-metalizado. No entanto, as suas cores brilhantes desaparecem depois da morte. Por isso, não são muito procuradas pelos coleccionadores de insectos, contrariamente ao que sucede com as borboletas, que mantêm as suas belas tonalidades mesmo depois de mortas.

Porém, e ao contrário do que poderíamos pensar, as cores das libélulas não servem apenas para nos deleitarmos com a sua beleza. Desempenham múltiplas funções na sua sobrevivência, incluindo a detecção e a identificação dos parceiros sexuais, a camuflagem do corpo em função do meio e a manutenção da temperatura corporal através da filtragem dos raios ultravioletas da luz solar.

Temíveis dentro e fora de água
As libélulas são animais com um ciclo biológico complexo, tendo os adultos uma vida terrestre e capacidade de voo e as larvas uma longa existência aquática. As semelhanças entre ambas são muito subtis, fazendo lembrar as histórias infantis da bela e do monstro ou do patinho feio.

As diferenças entre as espécies fósseis já extintas e as actuais, se exceptuarmos o tamanho descomunal das primeiras, são muito poucas. Isto mesmo pode confirmar-se através da análise do registo fóssil e parece indicar uma excelente adaptabilidade das libélulas, que se mantiveram mais ou menos inalteradas ao longo de muitos milhões de anos.

Como acontecia no passado remoto, continuam a ser predadoras temíveis. Caçam essencialmente durante o voo, retendo as presas com as patas colocadas em forma de cesto. Possuem um aparelho bucal triturador onde se destaca um par de possantes mandíbulas que lhes permitem agarrar e morder fortemente as presas, especialmente insectos voadores de que se alimentam. Os espécimes de maiores dimensões podem mesmo infligir dolorosas mordeduras aos humanos caso sejam agarrados com as mãos desprotegidas.

Não se pense, contudo, que o aspecto agressivo e os instintos predatórios são exclusivos dos adultos, pois as larvas aquáticas são caçadoras ainda mais terríveis. São carnívoras oportunistas, apresentando uma dieta alimentar muito variada, que inclui quase tudo o que se mexa nas suas imediações, desde vermes a caracóis, girinos, outros insectos, peixes e até pequenos anfíbios.

A estratégia de caça que usam é muito peculiar. Começam por se camuflar no ambiente e ficam totalmente imóveis aguardando a aproximação das vítimas. Depois, avançam suavemente até que aquelas fiquem ao seu alcance. Quando tal acontece, projectam de forma repentina, em apenas 25 milionésimos de segundo, a sua “máscara” (um lábio modificado semelhante a uma pinça articulada com um comprimento idêntico ao do seu próprio corpo) provida de ganchos terminais que agarram firmemente a presa. O sucesso desta técnica, que depende de uma correcta determinação da distância a que se encontra a “refeição”, resulta de possuírem uma apuradíssima visão estereoscópica e uma espantosa rapidez de movimentos.

Nos locais de acasalamento e postura, especialmente durante a Primavera e o início do Verão, os machos caçam intensamente para recuperar o enorme dispêndio energético com as paradas nupciais e o cortejamento das fêmeas. Perscrutam incessantemente os seus territórios, constituindo verdadeiras ameaças para tudo o que se movimente sobre o espelho de água. Entretanto, debaixo de água, no leito dos lagos e ribeiros, as larvas emboscadas estão sempre atentas à aproximação de uma incauta vítima.

Devido ao elevado número de insectos que capturam ao longo das suas vidas, muitos considerados pragas agrícolas, as libélulas prestam um importante serviço ao equilíbrio dos ecossistemas e aos agricultores. O seu apetite é de tal forma insaciável que em situações especiais podem recorrer ao canibalismo, alimentando-se mesmo de indivíduos da própria espécie. Esta tem sido uma prática observada sobretudo em algumas fêmeas que demonstram um apetite desmesurado devido ao facto de a postura dos ovos ser uma tarefa muito fatigante.

Mensageiras do Diabo
Desde tempos remotos que as libélulas foram vistas como animais pouco desejáveis e conotadas com origens diabólicas. Os missionários cristãos consideravam-nas seres malfeitores, o que levou a apelidá-las de “cavalinhos-do-diabo”, designação ainda hoje usada pelos vizinhos espanhóis, ou de “dragões voadores”, como lhe continuam a chamar os ingleses.

Em Portugal, consoante a região, receberam diferentes nomes populares: “tira-olhos”, porventura devido ao seu aspecto ameaçador; “helicópteros”, certamente aludindo ao movimento rápido e sonoro das suas asas e à sua capacidade de permanecerem paradas no ar; “lavadeiras”, “corta-águas” e “bate-cus”, devido ao modo como as fêmeas depositam os ovos, mergulhando as caudas repetidamente na água; “gaiteiros”, pela suposta semelhança com as gaitas-de-foles; e “libelinhas” e “donzelinhas”, possivelmente devido à elegância e fragilidade das espécies mais pequenas.

Todas as libélulas estão incluídas na ordem dos Odonatos (palavra de origem grega que significa “dentes” e que terá sido usada devido às fortes mandíbulas destes insectos). Quanto ao termo “libélula”, ainda hoje está envolto em polémica. Poderá ter tido duas origens etimológicas distintas: do latim libellus, que significa “pequeno livro”, aludindo ao facto de as asas das pequenas libélulas se manterem fechadas como as páginas de um livro quando estão pousadas (pertencem à subordem dos zigópteros); ou libella, que significa “na horizontal”, lembrando a posição em que as libélulas de maior tamanho colocam as suas asas quando estão em repouso (correspondem à subordem dos anisópteros).

Os zigópteros são geralmente de pequeno tamanho e de aspecto inconfundível. A sua cabeça, em forma de haltere, está colocada transversalmente ao corpo e o seu abdómen é cilíndrico e fino. Outra característica que permite identificá-los é o facto de as quatro asas serem sensivelmente iguais e ficarem juntas, na vertical, quando os indivíduos estão em repouso.

Os anisópteros, também designados “grandes libélulas”, apresentam as asas posteriores mais largas na base do que as anteriores e mantêm-nas abertas quando estão pousadas. Os enormes olhos tocam-se geralmente no cimo da cabeça, que é grande e quase hemisférica, ainda que em algumas espécies deste grupo surjam nitidamente separados. A forma do abdómen é muito variável, apresentando um aspecto longo e cilíndrico, sendo, todavia, mais largo do que o dos zigópteros.

A cabeça das libélulas é ocupada maioritariamente pelos olhos compostos, que compreen­dem dez a trinta mil omatídeos (unidades fotorreceptoras dispostas hexagonalmente, cada uma ligada a um nervo óptico autónomo). Por esta razão, têm um grande campo visual e percepcionam o mundo que as rodeia através de imagens em mosaico. Apresentam uma visão excepcional, tendo sido referidos casos em que algumas libélulas conseguiram reconhecer os seus congéneres a uma distância superior a quarenta metros.

Nos olhos, as facetas superiores servem para a visão distante, enquanto as inferiores estão destinadas a uma visão mais próxima. O cimo da cabeça apresenta três pequenos ocelos (órgãos oculares simples), para avaliar apenas a intensidade luminosa, não tendo intervenção directa na formação da imagem visual.

As antenas são curtas e inserem-se geralmente um pouco atrás dos ocelos. Desempenham um importante papel sensitivo, pois ajudam o animal a determinar a velocidade de voo, de acordo com a deformação provocada pela resistência que oferecem à passagem do ar.

Rituais de acasalamento
As lutas entre machos pelo domínio do território e pelas fêmeas são relativamente comuns. No entanto, algumas espécies exibem combates rituais que permitem apurar o vencedor e o vencido sem necessidade de qualquer contacto físico.

Embora as situações de conflito entre machos originem curiosos repertórios comportamentais, são, contudo, as paradas nupciais que mais têm atraído a atenção dos cientistas. Durante o acasalamento, os machos seguram com as pinças caudais as cabeças das suas companheiras, realizando estranhos bailados com elas suspensas e criando curiosas estruturas voadoras que parecem querer desafiar todas as regras da aerodinâmica.

A cópula, que consiste no acto de transferência de esperma do macho para a fêmea, também ocorre numa estranha posição em que os parceiros formam com os seus abdómenes um “coração copulatório”, assim designado porque faz lembrar um coração ligeiramente assimétrico.

A deposição dos ovos ocorre de dois modos diferentes, consoante as espécies: um, mais primitivo, em que os ovos são injectados pela fêmea no interior de algumas plantas aquáticas; e outro, mais evoluído, em que são depositados na água ou bem acomodados sobre substratos no fundo de charcos e ribeiros.

A eclosão dos ovos, com o nascimento das larvas aquáticas, pode demorar desde uma semana até vários meses, variando este período também de espécie para espécie.

As larvas de todas as libélulas, tirando apenas algumas tropicais, crescem obrigatoriamente em ambiente aquático. Para o seu desenvolvimento decorrer com normalidade, apresentam necessidades específicas no que diz respeito à qualidade da água (nomeadamente no que se refere ao pH, à concentração de sais minerais e ao teor de oxigénio dissolvido) e à disponibilidade de plantas aquáticas. As fêmeas precisam de ter todos estes factores ambientais em consideração aquando da escolha do local de postura, de modo a garantirem as melhores condições para as suas proles.

Consoante os requisitos ecológicos específicos, as espécies presentes numa determinada zona húmida serão distintas. Algumas optarão por ambientes lóticos (de águas rápidas e oxigenadas) outras por lênticos (de águas calmas ou paradas); umas escolherão locais com esparsas plantas aquáticas, enquanto outras procurarão fartas coberturas vegetais.

Durante o seu processo de desenvolvimento e crescimento, as libélulas passam por até vinte estádios larvares, correspondentes a igual número de mudas do esqueleto externo. Nas espécies de maiores dimensões, as larvas podem atingir um comprimento de cinco a seis centímetros. Houve quem afirmasse que, se as larvas de libélulas tivessem dimensões semelhantes às de um pequeno cão, seriam, com toda a certeza, os animais mais terríveis de água doce. Atendendo à eficácia do seu sistema de caça e aos seus instintos predatórios, caso pudessem atingir tais dimensões seria decerto muito arriscado ir a banhos nas praias fluviais.

Algumas espécies podem viver no estado larvar durante mais de seis anos, sendo a duração dessa vida aquática fortemente condicionada por vários factores, como a abundância de alimento e a temperatura ambiente, entre outros.

Quando se aproxima o grande momento da metamorfose, da transformação do monstro em bela, as larvas deixam a água e sobem pela vegetação. Penduradas nas plantas, aguardam, pacientemente, as modificações necessárias à libertação dos adultos. Ao emergirem, deixam atrás de si os invólucros quitinosos, conhecidos por “exúvias”, onde se abrigaram no decurso das suas vidas aquáticas.

Os exoesqueletos, aparentemente insignificantes, são, no entanto, um precioso manancial de informações para os cientistas. A partir deles, podem identificar-se as espécies, conhecer a sua distribuição geográfica e requisitos ecológicos, saber a dinâmica populacional e até retirar amostras de ADN que poderão permitir ver, entre outras coisas, a variabilidade genética das populações.

Relíquias a preservar
Conhecem-se cerca de 5680 espécies de libélulas em todo o mundo. Destas, vivem 138 na Europa, das quais 65 ocorrem em território português (64 no continente, seis na Madeira e quatro nos Açores, num total de 41 anisópteros e 24 zigópteros). Apesar de a primeira referência às libélulas de Portugal datar de 1797, publicada por Dominicus Vandelli no primeiro volume das Memórias da Academia Real das Sciencias de Lisboa, e de o nosso país apresentar um número considerável de espécies, sabia-se muito pouco sobre estes admiráveis insectos até ao início do século XXI.

Os esporádicos trabalhos, realizados essencialmente nas duas últimas décadas, por naturalistas estrangeiros (que aproveitavam os períodos de férias para explorar algumas zonas turísticas) e por investigadores nacionais (que se dedicaram a regiões muito circunscritas, como as áreas protegidas), permitiam apenas uma imagem muito desfocada da realidade portuguesa. Este desconhecimento da biologia e da distribuição geográfica das espécies impediu que tivessem sido implementadas medidas de monitorização e conservação, tanto dos habitats como de algumas espécies consideradas internacionalmente ameaçadas.

Ainda em 2005, Sónia Ferreira, do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (CIBIO) da Universidade do Porto, denunciava esta preocupante situação: “A fauna de Odonata de Portugal é uma das menos estudadas da Europa, sendo este facto surpreendente se tivermos em consideração que o país de situa na Península Ibérica, um ‘hot spot’ entre a Fauna Paleártica ocidental e Paleotropical.” Felizmente, o cenário parece estar a inverter-se.

O “estudo deste grupo conheceu um avanço significativo graças à publicação de uma bibliografia anotada e de um catálogo crítico de espécies”, refere a investigadora, que organizou, em Julho de 2010, o primeiro Congresso Europeu de Odonatologia. Esse simpósio foi o primeiro passo para a criação de uma rede europeia que visa recolher e partilhar informação sobre esta temática.

Apesar das lacunas que se verificam em relação ao conhecimento científico da odonatofauna lusitana, “as perspectivas relativamente ao desenvolvimento do conhecimento e da conservação dos odonatos em Portugal são francamente animadoras”, admite a investigadora do CIBIO. Além disso, o “nosso país vai ter uma participação activa na elaboração do Atlas Europeu de Odonata”, acrescenta.

As libélulas começam, finalmente, a ter a atenção da comunidade científica. E os conhecimentos nunca serão demais, se considerarmos que em Portugal ocorrem pelo menos quatro espécies (Macromia splendens, Oxygastra curtisii, Coenagrion mercuriale e Gomphus graslinii) consideradas ameaçadas e que constam da Lista Vermelha das Libélulas Europeias, estando abrangidas pela Convenção de Berna e pela Directiva Habitat.

A intensificação dos trabalhos de campo com um maior esforço de amostragem poderá ainda ajudar a colmatar lacunas ancestrais no inventário das espécies. Isso mesmo pôde constatar Sónia Ferreira, quando realizou prospecções no Parque Natural de Montesinho e deu de caras com a libelinha Lestes sponsa, uma nova espécie para a lista (cada vez mais credível e em actualização permanente) das libélulas de Portugal.

Biomarcadores Optimal
Estes insectos são óptimos bioindicadores da qualidade dos habitats. “Um local onde exista apenas uma ou duas espécies de libélulas não é, com toda a certeza, um habitat bem preservado”, diz Sónia Ferreira. Estas palavras ganham ainda maior relevância se considerarmos que se tem verificado uma importante regressão das populações de libélulas ao longo dos últimos anos, em quase todos os recantos do mundo. Aqui mesmo, no velho continente, segundo a Lista Vermelha das Libélulas Europeias, apenas metade das espécies tem populações estáveis e cerca de um quarto está em declínio. Embora se conheçam numerosos inimigos naturais das libélulas, uma vez que estas fazem parte da dieta alimentar de inúmeros animais, a culpa não parece ser imputável aos seus predadores, mas ao próprio homem. A maioria encontra-se ameaçada, dado que são muito sensíveis às modificações que ocorrem nos seus habitats.

Os principais factores de ameaça têm sido a deterioração da qualidade da água (meio essencial ao desenvolvimento larvar), devido à poluição agrícola, industrial e urbana; as alterações nos cursos de água, com construção de barragens e de canais de irrigação, artificialização das margens e entubamento dos leitos (muitas das espécies em perigo estão associadas a ambientes de água corrente); a diminuição dos lençóis freáticos superficiais, devido à drenagem dos pântanos e lagoas; a utilização de pesticidas; o abandono das práticas agrícolas tradicionais e a sobrecarga de fertilizantes, que contribuem para a eutrofização dos ambientes aquáticos; e a apanha de exemplares para coleccionismo (embora, sobre esta prática, não existam dados disponíveis para Portugal).

Como principais medidas de conservação, podem apontar-se a diminuição dos factores de risco já referidos, que passam pela recuperação e conservação dos habitats, evitando a poluição das águas e a utilização de pesticidas em zonas consideradas críticas (especialmente, no que se refere a espécies com uma limitada distribuição geográfica), e pela protecção da vegetação ribeirinha, quer aquática quer das margens, de modo a manter a estabilidade das cadeias alimentares em que estas espécies se inserem.

Qualquer medida de conservação, porém, só poderá ser implementada com sucesso se for antecedida por um estudo exaustivo da biologia e distribuição das espécies e dos seus habitats. Sem conhecer as necessidades de cada uma das espécies e dos seus diferentes estádios de vida, não será possível desenhar e desenvolver políticas de preservação eficazes, que permitam manter viáveis as populações.

Embora algumas espécies protegidas de libélulas constem da Directiva Europeia dos Habitats, estes insectos continuam a ser esquecidos em muitos estudos de impacto ambiental. E, “às vezes, bastariam pequenas medidas mitigadoras, sem grandes custos económicos, para fazer toda a diferença na sua protecção”, lembra Sónia Ferreira.

Face à inexistência de um Livro Vermelho de Invertebrados de Portugal, com explicitação do estatuto de ameaça deste vasto grupo faunístico, a grande dúvida é saber se a incrível resistência que permitiu a estes vetustos insectos sobreviverem na Terra desde tempos longínquos continuará a protegê-los de um destino que se afigura pouco risonho.

JN
SUPER 155 - Março 2011


domingo, 17 de setembro de 2017

Notícia - Chimpanzés podem desaparecer

Investigador sul-africano Eugene Cussons, que dirige o projecto Chimpanzee Eden, com o apoio do Instituto Jane Goodall, diz que em seis anos poderão deixar de existir estes primatas na natureza se caça e tráfico não pararem
Dentro de seis anos, poderão não subsistir chimpanzés no estado selvagem. O alerta é do jovem investigador sul-africano Eugene Cussons, que dirige o Chimpanzee Eden, um projecto apadrinhado pelo Instituto Jane Goodall -a bióloga britânica celebrizou-se pelas suas descobertas sobre estes primatas e pelo trabalho de conservação que tem desenvolvido em África.

Numa entrevista desassombrada, citada pelo diário espanhol El Mundo, Eugene Cussons, de 29 anos, diz que a caça ilegal e o tráfico destes animais são as maiores ameaças que eles enfrentam actualmente.

"O tráfico de animais em perigo de extinção é uma das actividades ilegais que mais dinheiro movimentam no mundo", afirmou o jovem investigador, sublinhando que se "não evitarmos [estas actividades], dentro de sete anos não haverá mais chimpanzés a viver em liberdade".

Segundo Eugene Cussons, os efectivos nas populações destes animais estão actualmente em "queda acelerada".

Os números que o próprio avançou na entrevista, citada pelo diário espanhol, são claros: em 1900 existiam cerca de dois milhões de chimpanzés na natureza; há cinco anos, não havia mais de 200 mil. E se a caça ilegal e tráfico destes animais se mantiver ao actual ritmo, em menos de uma década, eles deixarão mesmo de existir no estado selvagem, alerta.

Combater esta caça e comércio ilegal, segundo Cussons, passa também pela "tomada de consciência das pessoas, de que não devem apoiar os espectáculos com animais que estejam em perigo de extinção".

"É necessário deixar de popularizar estes animais, para que deixe de haver quem os queira coleccionar ou ter como mascotes, o que mantém a caça e o tráfico", disse ainda.

Eugene Cussons é também o protagonista e autor de uma série de 12 episódios, sob o título Paraíso Chimpanzé, no canal Discovery. Aí conta histórias de chimpanzés caçados ilegalmente, do seu cativeiro e, em alguns casos, do seu resgate. - F.N.

sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Notícia - Mar dos Açores: o segredo da origem da vida


Não dispomos de uma máquina do tempo que nos permita saber tudo sobre a origem da vida. Para animais e plantas, sobretudo para as que têm partes duras, temos o registo fóssil, mas para os primeiros microrganismos, seres unicelulares, não é tão simples obter pistas.




Pouco nos dizem como seria o ancestral comum a todos os seres vivos, que se crê ser um organismo amante do calor como as arqueas hipertermófilas (microrganismos unicelulares que, à semelhança das bactérias, não têm núcleo), que vivem nas fontes hidrotermais submarinas. Os cientistas acreditam que pelo estudo da vida nestas estruturas, que se encontram nas hidrotermais açorianas, se possa explicar a origem e evolução da vida na Terra.

As fontes hidrotermais localizam-se nas zonas de rifte, fossas tectónicas com centenas ou milhares de quilómetros de extensão na forma de um vale alongado com fundo plano. São o resultado dos movimentos combinados de falhas geológicas paralelas ou quase paralelas na planície oceânica, onde se regista um vulcanismo activo.

Actualmente, são conhecidas nos Açores cinco fontes hidrotermais (‘Lucky Strike’, descoberta em 1992, ‘Menez Gwen’, em 1994, ‘Rainbow’, em 1997, ‘Saldanha’, em 1998 e ‘Ewan’, em 2006), todas elas localizadas a sul do arquipélago açoriano, e a serem alvo de estudos científicos.

NA MIRA DA MEDICINA

Um dos objectivos da investigação científica nas fontes hidrotermais de profundidade é encontrar respostas para sectores como a Medicina e a indústria farmacêutica, que procuram descobrir propriedades anticancerígenas nesses organismos, que sobrevivem em condições extremas (libertação de gases e temperaturas elevadas). Ao adaptarem-se às condições dessas fontes, bactérias e outros organismos podem ter desenvolvido moléculas úteis à Medicina ou à indústria. Na biotecnologia, as fontes hidrotermais do mar profundo são vistas como um mundo admirável...

NOTAS

ROV 'LUSO'

O único equipamento português de prospecção do fundo do mar foi recentemente comprado pelo Ministério da Defesa. O ROV ‘Luso’ pode atingir os 6000 metros.

'ALVIN'

O submersível ‘Alvin’, da Infremer, que em 1979 mergulhou pela primeira vez no rifte dos Galápagos em busca de fontes hidrotermais, tem sido um dos mais activos nos Açores.

DORSAL MÉDIA OCEÂNICA



Nos locais onde as placas tectónicas divergem, produz-se novo fundo do mar. Quando as placas se afastam, criam um rifte (abertura). O magma ascende do manto através do rifte, formando vulcões e criando uma cadeia montanhosa submarina, chamada dorsal média oceânica.



ONDE É



A Dorsal Média Atlântica, a mais longa do mundo e fica no ponto onde as placas Eurásia e Africana estão a divergir da placa Norte-americana e Sul-americana. Estende-se por 16 mil quilómetros desde o oceano Árctico até depois da extremidade sul da África. É equidistante dos continentes que estão de ambos os lados do Atlântico e ergue-se 2000-4000 metros acima do fundo do mar. Uma cadeia de vulcões percorre a sua extensão, nomeadamente na Islândia, onde uma erupção em 1963 criou uma nova ilha vulcânica, Surtsey. A ilha de Ascenção e os Açores ficam sobre a dorsal.



COMO ACONTECE



1. A água do mar penetra na crosta terrestre através das falhas que se abrem à medida que o fundo se expande, penetrando vários quilómetros na crusta recém-formada.



2. A água fria reage com a rocha quente perto do depósito de magma atingindo 350-400º centígrados.



3. Sobreaquecida, a água dissolve minerais das rochas por onde passa, incluindo enxofre, que forma ácido sulfídrico.



4. A água quente ascende através das fendas e é expelida pelas fontes sob a forma de névoa quente cheia de minerais.



A VIDA A MAIS DE 300º C



Aquecida pelo magma a água dissolve os minerais das rochas. Quando sai pelas fontes, é arrefecida pelo mar e faz os minerais separarem-se e formar algo parecido com nuvens de fumo, brancas (sílica e anidrite, um mineral branco) ou negras (partículas de sulfureto); outros minerais depositam-se e formam chaminés, que podem crescer 30 cm por dia.



Apesar da alta temperatura, muitos seres ali vivem, sem luz solar, com destaque para os vermes tubiformes. Podem ter dois metros de comprimento e a espessura de um braço humano. Não tem boca nem intestino. Tem dentro de uma bolsa corporal um órgão chamado trofosoma, cheio de aglomerados de bactérias.



As plumas branquiais carmesim do verme, que saem de um tubo rígido profundamente enterrado em fendas para se manterem na vertical, recolhem sulfuretos da água das fontes e as bactérias (que chegam a representar mais de metade do peso do corpo) usam-nos para produzir matéria orgânica, que o verme absorve.



Mário Gil

quarta-feira, 13 de setembro de 2017

Notícia - “Ano Darwin” é uma boa oportunidade para “fazer cultura científica em Portugal”

A comemoração dos 200 anos do nascimento de Darwin e dos 150 da publicação "A origem das espécies" que mostrou ao mundo a teoria da selecção natural é, segundo Mariano Gago, uma boa “oportunidade” para fazer cultura científica em Portugal.

A apresentação do “Ano Darwin” aconteceu hoje no Pavilhão do Conhecimento em Lisboa. O ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior lembrou durante a apresentação que Darwin fez algumas das suas primeiras observações em território português, nomeadamente nos Açores, quando iniciou a sua viagem de exploração do Atlântico Sul a bordo do Beagle.

O ministro considerou que está ainda por se “fazer a História de Darwin em Portugal". Concretamente, não existe uma catalogação de todas as publicações em português sobre o célebre naturalista inglês, uma história dos debates que chegaram e se produziram em Portugal, e ainda a história da sua correspondência com portugueses. São tarefas para cuja realização exortou os investigadores e historiadores da ciência como parte de uma actividade consistente para "nos devolver o passado, que não existe feito, tem de se construir".

As comemorações do "Ano Darwin" vão ter um programa de iniciativas promovido em parceria pela Agência Ciência Viva e os Laboratórios Associados. Mariano Gago chamou também a atenção para o portal www.Darwin2009.pt, como plataforma universal de informação sobre as múltiplas actividades a decorrer durante o ano no país e no estrangeiro, e sobre material educativo produzido para as escolas a propósito destas celebrações.

De entre essas iniciativas, destacou a exposição "A Evolução de Darwin" a inaugurar na sede da Fundação Calouste Gulbenkian a 12 de Fevereiro, e que transitará em Junho para o Museu Nacional de Ciências Naturais de Madrid, antevendo-a como "provavelmente a melhor exposição sobre Darwin na Península Ibérica".

A intervenção de Mariano Gago antecedeu uma conferência proferida por Michael Ruse, da Universidade da Florida (EUA), considerado um dos mais destacados filósofos da Biologia a nível mundial e autor de uma vasta obra e de numerosos livros, entre os quais "O Mistério de Todos os Mistérios", editado em Portugal.

"Estará o Darwinismo fora de prazo?" era o título da conferência, e a resposta foi "não", sendo que na sua perspectiva o evolucionismo por selecção natural está tão actual como há 150 anos, apesar de todos os desenvolvimentos científicos entretanto ocorridos, designadamente no domínio na Biologia Molecular. "A teoria da evolução transformou-se, mas é a mesma, e o mesmo está a acontecer com as críticas ao evolucionismo", afirmou.

"Na actualidade, o que se critica não é evolução em si mesma mas as mudanças de estilo de vida e de perspectiva social a ela associadas, como o feminismo, a interrupção voluntária da gravidez ou o casamento entre pessoas do mesmo sexo" - comentou. Mas, para este filósofo, nada melhor do que a crítica e o debate de ideias para estimular a Ciência.
Lusa

segunda-feira, 11 de setembro de 2017

Notícia - Coimbra colecciona bactérias

A Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra tem uma das maiores colecções de bactéria ‘legionella’ do Mundo – responsável pela pneumonia atípica de consequências graves – com mais de duas mil estirpes.


Os exemplares estão guardados no Laboratório de Microbiologia, que reúne um total de cinco mil estirpes de bactérias, representando 20 anos de colheitas e isolamento de micróbios.

Para além de serem determinantes para o estudo nas áreas médicas, farmacêutica, genética, ecológica, industrial e cosmética, as culturas de bactérias são essenciais para garantir a preservação de microorganismos vivos para o futuro.

Segundo Milton Costa, director do Laboratório de Microbiologia, 'os microorganismos são solicitados por muitos cientistas estrangeiros que os querem estudar'. Alertando para a importância da colecção, os responsáveis da faculdade pedem ajuda ao Estado para que a mesma possa ser declarada como colecção oficial portuguesa.

M.G.