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terça-feira, 22 de setembro de 2015

Notícia - Que se passa lá por baixo? A incrível fauna que vive no subsolo

Térmites, formigas, vermes, ácaros, fungos, bactérias, protozoários... É difícil imaginar a trama de relações biológicas que lateja sob o chão que pisamos. Vale a pena descobrir este submundo fascinante e ainda pouco conhecido.

Poderíamos descrevê-los como um grande manto fluido em que as rochas nuas fariam o papel de ilhas; ou, então, como um imenso oceano negro, simultaneamente denso e maleável, que sustenta a maior biodiversidade do planeta. O facto é que, tal como os mares, os solos terrestres possuem uma enorme capacidade para atenuar as variações de temperatura. Neste caso, o bem-estar propício ao desenvolvimento da orbe viva é conseguido através da retenção da água e do ar, dois excelentes amortecedores térmicos. E, para prosseguirmos com a analogia marinha, também encontramos camadas sobrepostas de diferentes composições (os horizontes), habitadas por plâncton, seres pelágicos e criaturas abissais.

Não confundamos os solos com simples acumulações de terra; são meios extraordinariamente estruturados, com uma espessura mínima, determinado teor de matéria orgânica, partículas estabilizadas por diversos tipos de ligações e, sobretudo, uma rede de inter­acções ecológicas de enorme complexidade. De facto, a vida pulsa sob os nossos pés em magnitudes quase inconcebíveis. Estimativas feitas há 20 anos apontavam para a existência de quatro a cinco mil espécies de procariotas (bactérias e arqueobactérias) por grama; isto é, tantas como as contabilizadas no mais completo tratado de taxonomia bacteriana. Cálculos mais recentes elevam aquele número para as dezenas de milhares.

Apesar disso, definir uma espécie a estes níveis torna-se muito difícil, devido à proliferação de subespécies e variedades, assim como ao incessante fluxo genético que se produz entre elas. Por outro lado, não nos podemos esquecer de que a lista de organismos muda quase por completo não só entre duas zonas separadas por algumas dezenas de quilómetros como, também, em função da profundidade (poderá ser de vários metros), da ventilação, da humidade ou da temperatura no subsolo. Nesta viagem pelo interior da terra, encontramos, por exemplo, microambientes específicos como a rizosfera, o conjunto das raízes das plantas, colonizada por uma multidão de seres vivos.

Existem, pois, inúmeros tipos de solos distribuídos por todo o globo, cujo perfil depende de factores como a rocha-mãe (origem da matéria-prima mineral), o clima, a acção do homem, a vegetação ou a antiguidade. Há os vermelhos tropicais, endurecidos e pobres em nutrientes devido à acção impiedosa de aguaceiros torrenciais; os finos e ácidos das taigas e outras florestas de coníferas; a terra rossa mediterrânica, rica em argila que sedimentou após a dissolução do calcário e cuja cor arruivada provém da oxidação do ferro; os acizentados solos aluvionares, formados em zonas pantanosas; as turfeiras, onde se concentra grande quantidade de matéria orgânica devido à lenta decomposição causada pela falta de oxigénio e pelo frio... No entanto, o recordista da fertilidade é o chamado chernozem das estepes ucranianas. Nestas negras extensões em que a erva cresce exuberantemente devido à acção de abundantes chuvas primaveris, a matéria orgânica não tem tempo para se decompor totalmente durante o Verão seco e o frio Inverno.

De quanto tempo necessita um subsolo para poder alojar um ecossistema? A maior parte dos bioterrenos tem milhares ou dezenas de milhares de anos, mas, se juntarmos um clima húmido a uma base de cinzas vulcânicas ou de depósitos aluviais, o processo poderá ver-se reduzido a menos de cem anos. Alguns só conseguem moldar-se a um ritmo exasperantemente lento: é o caso dos que se formam de duro calcário em climas frios, forçados a crescer um centímetro em cada 5000 anos.

Os antepassados dos actuais solos não passavam de películas formadas por bactérias e algas, cujos processos bioquímicos começaram a alterar a rocha-mãe. Durante centenas de milhões de anos, os organismos terrestres dominantes foram os líquenes, associações de algas e fungos que sobreviviam em lugares inóspitos que nunca conseguiriam colonizar isoladamente, e que, pouco a pouco, decompuseram as rochas nos seus componentes minerais. Numa etapa posterior, há 700 milhões de anos, entraram em cena os musgos e, em seguida, as plantas vasculares. Tornaram-se, assim, possíveis outras duas simbioses fundamentais para a dinâmica dos solos.

A primeira das associações reúne determinadas espécies vegetais (em especial, as leguminosas) com bactérias para transformar o azoto da atmosfera noutras substâncias que podem ser aproveitadas pelas plantas. Eric Triplett, microbiólogo da Universidade da Florida, considera que se poderia inserir os genes bacterianos que participam na fixação daquele elemento químico (designados por nif, de nitrogen fixation) noutras variedades de maior interesse agrícola, como os cereais. Evitar-se-ia, deste modo, o recurso aos dispendiosos e anti-ecológicos adubos químicos azotados. Por outro lado, os micorrizos, raízes de plantas e fungos associados em simbiose, também desempenham um papel fundamental: enquanto os segundos captam água e minerais através de fibras viscosas designadas por “mucílagos”, as primeiras fornecem nutrientes.

Precisamente, o reino dos fungos situa-se comodamente debaixo de terra. Muitos alimentam-se de matéria morta, mas também podem parasitar plantas e animais, ou mesmo caçar vermes, que estrangulam com uma espécie de laço ou aprisionam segregando substâncias pegajosas. Entre os organismos procurados pelo Instituto de Biologia e Fertilidade dos Solos Tropicais de Nairobi (Quénia), como bio-indicadores da qualidade de um terreno e para outros fins, encontra-se o Acaulospora. Isabelle Barrois, investigadora do Instituto de Ecologia de Xalapa (México), escreveu na revista Nature que este fungo, muito eficaz a estabelecer simbioses com plantas bolbosas, poderia igualmente ajudar a substituir os adubos azotados.

Embora sejam velhos conhecidos dos micólogos, os inquietantes mixomicetes foram expulsos pelos especialistas da família dos fungos para serem incluídos no âmbito taxonómico dos protistas. Formados por seres unicelulares que se congregam em reacção a estímulos químicos, avançam pelas florestas transformados numa massa amorfa, rastejante e gelatinosa que engole todo o tipo de coisas. Um eficiente serviço de limpeza.

No entanto, os inquilinos predominantes nos ecossistemas que compõem a maior parte das terras à superfície são as bactérias e as arqueobactérias. A par de algumas espécies com vasta distribuição geográfica, há muitas outras raras. Os peritos especulam que estas poderiam constituir uma reserva de emergência para o caso de as características do meio se alterarem drasticamente. Pensam, igualmente, que um número significativo de arqueas é formado por organismos primitivos que foram ultrapassados por micróbios mais eficazes na utilização dos recursos, mas cuja natureza austera lhes permite vencer os pe­río­dos de adversidade. Dado que é impossível cultivar em laboratório a imensa maioria dos microorganismos do solo, não se conhece com exactidão o seu metabolismo.

Há quem pense que subsistem, entre essa vasta população underground, membros que se separaram do tronco principal da árvore evolutiva antes de surgir o antecessor comum de todos os seres vivos. Já se começou a procurar eventuais sinais distintivos, como o uso de um código genético diferente ou uma preferência pelo arsénico (mais abundante na Terra primitiva) para cumprir funções celulares nas quais os actuais seres vivos recorrem ao fósforo. Poderíamos mesmo estar a conviver com microorganismos extraterrestres, provenientes de outros corpos do Sistema Solar.

Designamos todos esses minúsculos seres por “procariotas”, mas os seus metabolismos podem diferir como a noite e o dia: alguns só vivem com oxigénio enquanto, para outros, este gás é um veneno; os heterótrofos alimentam-se de matéria orgânica previamente fabricada, mas os autótrofos podem obter pelos seus próprios meios a energia necessária para subsistir, tanto da luz solar como de múltiplas substâncias minerais. Todavia, há algo em que são todos semelhantes: desempenham papéis insubstituíveis nos ciclos globais de nutrientes, quer para fixar o azoto atmosférico no amoníaco e nos nitratos, quer para produzir azoto molecular (que escapa para a atmosfera) a partir destes últimos, ou ainda para gerar metano como produto de desperdício que é aproveitado, por sua vez, por outros microorganismos.

Embora os animais apresentem, em comparação com bactérias e arqueobactérias, uma escassa diversidade, estima-se mesmo assim em dezenas de milhões o número de espécies de nemátodes, vermes ubíquos que desempenham todos os tipos de funções ecológicas; de tardígrados, invertebrados rechonchudos que conseguem suportar todo o género de privações; de colêmbolos, seres diminutos e saltitantes aparentados com os insectos; e de formigas e térmites, os mais importantes em termos de biomassa. Merecem também destaque lesmas, caracóis, larvas de diversos insectos, ácaros, bichos-de-conta, centopeias e, claro, as minhocas, que desempenham um papel primordial: grande parte da matéria que pisamos é formada pelos seus excrementos. Naturalmente, estes anelídeos são responsáveis pela maior parte das trocas verticais de substâncias no solo, como demonstrou um idoso cheio de paciência que merecia, só por esse estudo, figurar nas páginas da história da biologia: Charles Darwin.

Os solos desempenham um papel fundamental no aquecimento global. De facto, descobriu-se, nos últimos anos, que constituem um escoadouro de carbono muito maior do que se pensava. Na superfície da Terra, existe muita matéria orgânica por decompor, abundante mesmo a maior profundidade. A subida das temperaturas e a erosão contribuem para acelerar a oxidação dos compostos de carbono, processo que lança dióxido de carbono na atmosfera e aumenta o efeito de estufa.

Além disso, a quantidade de carbono armazenada nos solos do Árctico e das zonas adjacentes é o dobro do que se tinha previamente estimado. O degelo poderá levar a que esse excedente acabe por ir parar à atmosfera e aos oceanos, agravando ainda mais o problema.



A.M.J.C.
SUPER 149 - Setembro 2010

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