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terça-feira, 14 de agosto de 2018

Vídeo - Tecnologia de ponta para preservar património


O laboratório Hércules, em Évora, utiliza tecnologia de ponta para conhecer e preservar o património. Através das técnicas utilizadas podemos ficar a conhecer os segredos que se escondem num quadro ou a melhor forma de restaurar e preservar uma peça.
Nos seus laboratórios pode-se descobrir que pigmentos foram utilizados por um determinado mestre para elaborar um quadro, ou que desenho fez na tela ou na madeira antes de colocar a tinta. Pode-se ainda ajudar a identificar a autoria de uma pintura ou escolher o corante que deve ser utilizado na recuperação de um tecido.

São muitas as técnicas utilizadas neste laboratório criado em 2009 pela Universidade de Évora. Os equipamentos permitiram já a intervenção em vários restauros por todo o país e o seu objetivo é tornar-se uma infraestrutura de referência dedicada ao estudo, conservação e valorização do património cultural.

segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Powerpoint - Reino Fungi

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Matriarca do ambiente



Judith Cortesão: do Porto para o resto do mundo
É difícil encontrar, no Brasil, um ambientalista que não se sinta devedor do legado de Judith Cortesão. No entanto, a vida aventureira desta portuense tem muito mais facetas, convergindo num ponto focal: Judith era uma entusiasta da felicidade geral.

Até à década de 1970, nenhuma criança sabia o que era ecologia, poluição, etc.”, dizia, em 2000, a ambientalista Judith Cortesão, constatando com algum optimismo a clara mudança de mentalidade ambiental que ocorreu nas décadas seguintes. Se a transformação não estava ainda perto de resolver todos os problemas ecológicos, ela era, para esta incansável luso-brasileira, “a maior força de esperança de um futuro em que haja mais dignidade para todos os seres e mais paz entre os homens”.

Através da “formação de quadros”, como gos­tava de dizer, da criação e concretização de projectos nas mais diversas áreas, das pes­qui­sas realizadas ou das batalhas empreendidas em nome da conservação e da integração, Ju­dith (que morreu aos 92 anos, em 2007) foi uma das grandes pioneiras desse processo no Bra­sil, com uma trajectória que lhe rendeu o ape­lido de “matriarca do ambientalismo brasileiro”.

Mas mesmo com o destaque cada vez maior dado aos assuntos ecológicos em todo o mundo e após uma eleição presidencial em que os temas “verdes” pautaram como nunca o debate político brasileiro, o nome de Judith Cortesão manteve-se, de modo geral, restrito aos círculos ambientalistas no Brasil, apesar de os seus feitos serem visíveis por todo o país. Em Portugal, de modo semelhante, pouco se sabe de Judith para além do facto de ser filha do historiador Jaime Cortesão ou de ter sido casada com o filósofo Agostinho da Silva.

Judith não procurava fama ou dinheiro, mas apenas concretizar os seus projectos e mudar as mentes, levasse isso o tempo que levasse. E assim participou, citando uma pequena parte dos seus feitos, em expedições à Antárctida, na concepção de organizações não-governamentais como o SOS Mata Atlântica e o Instituto Acqua, na criação de diversas reservas ecológicas e na redacção da Constituição do Brasil no capítulo dedicado ao meio ambiente, além de ter sido consultora da UNESCO, representante do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional do Brasil (SPHAN), professora de pós-graduação em educação ambiental na Universidade Federal do Rio Grande (Rio Grande do Sul) e muito mais.

Vida de aventura
Para Judith, a vontade de acção, a militância e a busca de aventuras nunca se desligaram de uma insaciável sede de conhecimento. Ao longo da vida, frequentou seis cursos universitários (medicina, letras, biblioteconomia, antropologia, climatologia e meteorologia), estudou desde a espeleologia à história e aprendeu 14 línguas, incluindo árabe e chinês. Mas a sua incrível trajectória começara muito antes de tudo isso, ainda no Portugal do início do século XX.

Cidadã de ideias mais do que de países, como a definiu o intelectual português Manuel António Pina, Maria Judith Zuzarte nasceu no Porto em 1914 e teve uma vida digna de filme. Ainda jovem, mudou-se para Paris, onde cursou letras na Sorbonne, voltando a Portugal para continuar os estudos em Lisboa. Por pouco tempo: perseguida pelo governo de Salazar, a família Cortesão muda-se para Barcelona nos anos 30. Durante a Guerra Civil, o edifício em que vivem é bombardeado e Ju­dith fica ferida num braço. A família foge para França, atravessando os Pirinéus a pé. “Ela muitas vezes me contou dos horrores que presenciou na Guerra Civil. Com certeza foi o despertar da ambientalista, estrategista devota pela preservação da vida em todas as suas formas”, diz Manuel Touguinha, amigo próximo de Ju­dith e seu parceiro em projectos no Brasil a partir dos anos 90.

No fim dos anos 30, Judith é presa pelo regime salazarista quando regressa a Portugal, mas foge da prisão, e em seguida do país, regressando a Espanha. É nessa época, já durante a Segunda Guerra Mundial, que a família se transfere para o Brasil, onde recebe asilo e onde Jaime Cortesão se dedica aos estudos da história do país. Nesse período, convivem com importantes nomes da intelectualidade brasileira, como Manuel Bandeira, Murilo Mendes, Sérgio Buarque de Holanda, Assis Chateaubriand e Cecília Meireles, o que viria a influenciar muito a formação de Judith.

No Brasil, Judith casa com Agostinho da Silva, que também abandonara Portugal perseguido pelo governo de Salazar. Nos anos seguintes, o casal tem seis filhos e mora sucessivamente no Rio de Janeiro, em Itatiaia, em Santa Catarina e também no vizinho Uruguai.  Ali, já separada de Agostinho, durante o regime militar, no início dos anos 70, Judith é novamente presa e torturada, sob a acusação de estar ligada aos guerrilheiros tupamaros. “Contava que deixava os torturadores mais agressivos, porque nos interrogatórios ela dormia profundamente, de propósito, e não sentia os golpes de tortura”, conta Touguinha.

Após passar pelo Chile, pelo Peru e possivelmente por muitos outros lugares (nunca parou muito tempo no mesmo sítio), Judith regressa a Portugal e vive intensamente os dias da Revolução dos Cravos. No final dos anos 70, volta ao Brasil, onde se estabelece e, já com mais de 60 anos, mas com o espírito aventurei­ro de sempre, começa a sua trajectória mais directamente ligada ao ambientalismo.

Ambientalista educadora
Em tudo o que fazia, Judith carregava um persistente optimismo e um olhar profundamente humanista. Com uma visão sempre à frente do seu tempo, compreendeu e difundiu a necessidade de preservação ecológica antes mesmo de o ambientalismo se tornar um movimento organizado, em meados dos anos 80.

E preservar, para ela, significava pensar o homem integrado na natureza, sabendo das necessidades humanas e do dever de melhorar a qualidade de vida, principalmente num país tão desigual como o Brasil. “Nunca vi a Judith dizer: vamos salvar tal coisa em detrimento daquela população. Ou seja, se for preciso desmatar alguma coisa para poder plantar, porque não se tem o que comer, ela achava isso possível”, diz o ambientalista Theodoro Hungria, discípulo de Judith e seu parceiro em projectos no cerrado do país.

Assim, de facto, definir Judith apenas como “ambientalista” ou “ecologista” parece excluir as suas incontáveis outras facetas, ­áreas de interesse e de actuação: a antropóloga, a historiadora, a bióloga ou a médica (idealizou um dos mais importantes centros de formação de médicos na renomada rede de hospitais Sarah Kubitchek). Mas, para ela, falar em ecologia incluía tudo isso e muito mais; incluía animais e homens, natureza e sociedade, desenvolvimento e conservação, já que não compartilhava de uma visão segmentada do mundo. “Tudo era uma grande teia da vida. Nada estava separado e tudo se unia”, explica Touguinha.

Bom exemplo dessa visão é o seu depoimento para o documentário Intérpretes do Brasil, no qual explica aspectos da colonização brasileira e da mentalidade portuguesa da época a partir da beleza da ecologia marinha: “Os relatos [dos portugueses] falam da transparência das ondas e dos pequenos peixes rubros. Aquelas ilhas representavam o triunfo da vida sobre a matéria (...), eram cheias de coisas extraordinárias. Tudo isso é natural que tenha levado os navegadores ao mito, que tenha feito com que o Brasil, pela circunstância do esplendor e da variedade de sua paisagem, virasse a terra, por excelência, do mito.”

É difícil encontrar entre os mais importantes ambientalistas brasileiros de hoje (nas ONG, nas universidades, no governo, etc.) quem não tenha tido alguma influência, directa ou indirecta, de Judith. A sua vontade de formar “agentes multiplicadores de educação ecológica”, fossem crianças ou jovens universitários, moradores das comunidades, políticos e gente variada, parece ter resultado.

Legado de direitos e deveres
“Ela nunca falava com o cargo, ela falava com a pessoa. Então, era um relacionamento humano, em todos os sentidos. Você via almirantes trocando confidências com a Judith da mesma maneira que o pescador, um indígena ou um ambientalista. E essa facilidade dela de falar com as pessoas e ir encantando, isso teve um peso muito grande”, diz Clayton Ferreira Lino, presidente da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, um dos projectos que teve a mão de Judith.

O seu encanto fazia parte da sua estratégia. E com essas estratégias Judith foi criando infindáveis projectos ao longo da vida. Quando eram tantos que não podiam ser executados pela própria criadora, Judith instigava os seus discípulos a levá-los por diante. “Todos os dias nascia um projecto novo”, conta Touguinha. E foi com ele, em 1998, que a senhora Cortesão se mudou para Ilópolis, uma pequena cidade de colonização italiana no Sul do Brasil, onde concebeu, além de projectos ecológicos, a recuperação dos históricos moinhos de farinha da região.

Já muito doente e fragilizada, Judith muda-se para a Suiça em 2002, para cuidar da saúde e para “estar com os meninos”, já que a maioria de seus filhos vivem na Europa. Em 2003, ainda regressou ao Brasil para receber do presidente Lula da Silva a Grã-Cruz da Ordem do Mérito Cultural Brasileiro, o que fez com grande satisfação e a sensação do dever cumprido. Em 2007, morreu na Suiça, sem deixar fortuna (fora a grandiosa colecção de livros e de artesanato), mas legando muitos olhos abertos para “o esplendor da vida no planeta”, e atentos para os deveres que este esplendor implica.

M.G.F.
SUPER 154 - Fevereiro 2011

sábado, 11 de agosto de 2018

Powerpoint - Evolução dos Sistemas de Classificação

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O que diz a Antárctida



Estudar o aquecimento global no meio do gelo
Durante um mês, acompanhámos o trabalho e partilhámos o frio com os cientistas norte-americanos na base polar Palmer, onde se estudam os efeitos das alterações climáticas.

Da ponte do navio oceanográfico, vemos surgir seis construções de metal ondulado à luz cremosa do amanhecer. Chegámos à mais pequena das três estações de investigação norte-americanas na Antárctida, a mais distante do Pólo Sul geográfico. Ancorada num promontório rochoso na encosta do glaciar Marr, nas margens da ilha de Anvers, a Base Palmer assenta num pedaço de gelo fendido onde nem uma avioneta pode aterrar. É difícil conceber um local mais solitário e isolado.

Este reduto da civilização existe desde 1974 para estudar a comunidade biológica da península antártica, a mais rica do continente branco. Durante um mês, convivemos com as dezenas de pessoas que se dedicam a conhecer a reacção de um ecossistema particularmente sensível à mudança climática, desde a forma como afecta uma simples molécula de água até uma baleia. Alguns dos cientistas já visitam regularmente esta animada estação há quatro décadas.

Devido a diferentes circunstâncias oceanográficas, atmosféricas e geológicas, a península antárctica está a aquecer até cinco vezes mais depressa do que o resto do planeta. Através do projecto Investigação Ecológica a Longo Prazo (LTER, nas siglas em inglês), coordenado pelo Marine Biological Laboratory (MBL) do Massachusetts, procura-se compreender como irá reagir o resto do globo. Os resultados obtidos em Palmer ao longo de várias décadas são tão exactos e minuciosos que têm constituído a base de diversas legislações e acordos internacionais.

Manda o gelo
Equipados com laboratórios relativamente complexos e seis lanchas Zodiac, os biólogos estudam, ao longo de quase todo o ano, a evolução de aves e peixes, mamíferos marinhos, fitoplâncton, crustáceos, invertebrados, bactérias e o zooplâncton conhecido por krill, principal fonte de alimento dos habitantes do extremo sul do planeta. Observam igualmente as alterações produzidas na composição química da água, o modo como a luz a penetra e a estrutura dos glaciares.

“A resposta reside no gelo”, assegura Hugh Ducklow, investigador principal em Palmer e director do Centro de Ecossistemas do MBL, que se dedica há décadas ao trabalho de campo na zona. “Quando o seu volume aumenta ou diminui, as alterações químicas, físicas e biológicas associadas a essa variação afectam o planeta a nível global. Configuram a base de muitos processos, numa cadeia que começa no mar e na atmosfera e termina nas nossas despensas e bolsas.”

A diversidade biológica da península antárctica e das suas águas costeiras evoluiu no contexto de um clima que permaneceu relativamente estável durante milénios. Aqui, onde a profundidade do mar desce, abruptamente, dos 700 para os 3000 metros, a corrente circumpolar antárctica despeja na superfície gigantescas quantidades de nutrientes. Esse “tapete rolante” aquático que rodeia o continente, com a força e o caudal equivalentes aos dos dez maiores rios do mundo multiplicados por cem, recebe água quente dos outros oceanos e transfere a temperatura para o litoral da península antárctica.

“É neste lugar que principia o efeito dominó”, explica Chris Neill, do MBL. “A brancura do gelo reflecte em direcção à atmosfera 80 por cento dos raios solares, e evita assim que estes aqueçam o planeta. Porém, com a redução da camada de gelo, a água absorve o calor solar e o degelo aumenta, o que faz subir, por sua vez, a temperatura do mar. Deste modo, o ciclo é reforçado: é aquilo a que chamamos ‘amplificação polar’. Por exemplo, o glaciar Marr chegava, anteriormente, a escassos metros dos laboratórios de Palmer. Agora, encontra-se a três quilómetros.”

Icebergues do tamanho de países
Por sua vez, Ducklow avisa que, se o aquecimento prosseguir, “a temperatura invernal subirá acima do ponto de congelação em mea­dos deste século, um acontecimento que provocará enormes alterações no ecossistema”: “O gelo que cobre a superfície marinha diminuiu cerca de 40%, e o tempo de duração dessa camada viu-se reduzido em 80 dias. Nos últimos 25 anos, desprenderam-se plataformas de gelo de tamanho semelhante a pequenos países, como a Larsen B e a Wilkins (de 150 por 110 quilómetros).” Este declínio afecta várias frentes, incluindo as aves marinhas voadoras e os pinguins, que habitam a tripla fronteira entre o gelo, o ar e a água.“

Aqui, havia uma colónia de pinguins-de-adélia (Pygoscelis adeliae); ali outra e, acolá, mais outra”, assinala a bióloga Kristen Gorman enquanto caminhamos, com a neve pelos joelhos, no meio das afiadas arestas de granito da ilha de Torgersen. “Nesta zona, chegaram a viver cerca de 9000 casais; agora, restam menos de 2000. É frustrante”, queixa-se, enquanto inicia uma rápida contagem dos membros da colónia. Com pouco mais de quatro quilos e uma altura de 70 centímetros, o Pygoscelis adeliae é uma das duas espécies de pinguins autóctones do gelo antárctico (a outra é o imperador, Aptenodytes forsteri). Habitam ilhas rochosas no meio do manto de neve e os seus ninhos cónicos são feitos de pedras.

Detemo-nos diante de uma comunidade com cerca de 500 casais, em pleno processo de nidificação. Há um forte odor a guano no ar, mas as biólogas nem se apercebem disso. Machos e fêmeas, alguns com o peito manchado de excrementos, fazem turnos para chocar os seus dois ovos. Colocam-nos mesmo no meio de uma dobra de pele abdominal, revestida de uma espessa rede de vasos sanguíneos que transferem o calor para o ovo. As primeiras crias da estação estão a nascer neste preciso momento; o débil piar perde-se entre o estridente clamor dos adultos, que, surpreen­den­temente, se reconhecem pela voz.

“Os pinguins precisam dos blocos e das extensas camadas de gelo que cobrem o mar para descansar sobre eles. Além disso, se houver menos gelo, são obrigados a nadar para mais longe para obter krill, pois esses crustáceos põem os ovos sob a água em estado sólido”, explica Gorman. Os pinguins-de-adélia formam uma das espécies mais robustas do planeta: parecem esferas de músculo sólido e conseguem nadar quase 6000 quilómetros durante as migrações invernais. Todavia, estão a ficar encurralados pelo aquecimento.

Descobertas inesperadas
“Não se trata apenas da comida”, indica Bill Fraser, director da investigação sobre estas aves, acrescentando: “Com menos gelo, há mais evaporação, o que se traduz num aumento das quedas de neve durante o Verão, a qual se acumula em locais protegidos do vento. É aí, precisamente, que as colónias tendem a estabelecer-se. Quando vem o sol, a neve derrete, inunda os ninhos e mata tanto os ovos como as crias recém-nascidas.”

Alguns exemplares migraram em direcção a Sul. Todavia, como adverte Fraser, há-de chegar o momento, à medida que as temperaturas continuarem a subir, em que já não terão mais Sul para onde ir. Até agora, apenas os 300 mil casais que habitam a península antárctica estão em perigo. Os outros 2,2 milhões de pinguins-de-adélia, distribuídos por outras zonas, encontram-se a salvo. “Mas por quanto tempo?”, interroga-se o especialista. Enquanto diminui a população dos pinguins-de-adélia, aumenta a do pinguim-gentoo (Pygoscelis papua), de bico vermelho, uma espécie subantárctica destas aves esfenisciformes que evita o gelo, pois depende das águas limpas para obter alimento.

O território onde os cientistas da base Palmer desenvolvem as suas actividades já não é o mesmo. “Em apenas 30 anos, assisti à transformação do sistema polar em subantárctico”, explica Fraser. “A lição número um é que os habitats podem mudar num nanossegundo. Os animais, as plantas e os insectos do planeta já estão a adaptar-se a uma alteração climática moderada, adiando as datas de migração ou os ciclos de acasalamento e floração. Os organismos que não se adaptam desaparecerão em muito pouco tempo.”

A confluência de diferentes instrumentos e disciplinas na estação está a dar frutos. Por exemplo, se não seguisse a pista dos pinguins, outro grupo de biólogos não teria descoberto que o fitoplâncton (algas fotossintéticas das quais se alimenta o krill) está a mudar a sua localização na coluna de água. “Descobrimos que, na ausência de gelo, grande parte desse plâncton vegetal tende a concentrar-se nos íngremes declives subaquáticos. O Slocum Glider, um robô autónomo que vai obtendo todo o tipo de parâmetros oceanográficos durante semanas, só teve de seguir os pinguins marcados com transmissores controlados por satélite para descobri-lo. É o género de interacção que enriquece a ciência moderna”, esclarece Alex Kahl, da Universidade de Rutgers (Nova Jersey).

O Slocum Glider é um sofisticado tubo amarelo carregado de sensores. Em 2009, uma versão relativamente maior fez história após atravessar, de forma autónoma, o Atlântico, entre Nova Jersey e os Açores. A versão antárctica ajudou Kahl e o seu colega Brian Gaas a recolher informação sobre a geologia local e a verificar o estado de saúde dos nutrientes marinhos.

“O robô está equipado com um sistema que dispara impulsos de luz ultravioleta”, explica Gaas. “Se estiverem em boas condições, os minúsculos seres vegetais reagem e absorvem ou reflectem os flashes. Usamos também uma grua com sensores para determinar, até aos cem metros de profundidade, até onde penetram os raios solares, assim como os níveis de salinidade e temperatura.” Esses parâmetros são cotejados com outros, como a concentração e a qualidade do krill e das bactérias e a alimentação dos pinguins. A informação ajuda igualmente a interpretar os dados fornecidos pelos satélites.

Um dos elementos essenciais é a quantidade de azoto, na forma de nitrato, que se encontra dissolvida na água. “Esse sal é consumido pelo fitoplâncton, que produz clorofila. Na gíria científica, é costume dizer que é o elemento que determina o seu crescimento. Por isso, é preciso medir a concentração de azoto quase diariamente”, afirma Maggie Waldron, uma jovem bióloga do MBL.

Costeletas de porco e vinho tinto
Sob a neve e as rajadas de vento, ajudamos Maggie a recolher as amostras de água a cinco profundidades diferentes (entre os dez e os 50 metros), sempre nos mesmos dois locais. “Trata-se de verificar o que acontece com os microrganismos (por exemplo, as bactérias), à medida que o Verão avança e tanto a concentração de azoto como os restantes parâmetros se alteram”, explica a bióloga.

De regresso ao laboratório, tiramos o incómodo fato que nos permitiria flutuar no caso de cairmos nas águas gélidas (estão a um grau negativo) e começamos a processar as amostras antes de as condições ambientais em que foram recolhidas se alterarem demasiado. Depois, voltamos ao conforto da estação. O almoço consiste em costeletas de porco acompanhadas de vinho tinto. As grandes janelas da cantina dão para a baía, povoada por blocos de gelo esculpidos em formas caprichosas. Três baleias-corcunda deixam ver as suas caudas dentadas enquanto se aproximam do cais. “A grande diferença em relação aos outros mares é que o plâncton vegetal só pode introduzir biomassa no sistema quando há luz suficiente, isto é, durante o Verão austral. Isso significa que se produz, na época estival, uma enorme alteração energética que penetra na cadeia alimentar”, explica Alex Kahl.

“Isso leva-nos a pensar na variação dos níveis de gelo formados sobre o mar”, prossegue este perito em ecossistemas polares, enquanto observo os cetáceos com os binóculos. “Os pinguins-de-adélia precisam de uma plataforma gelada para repousar durante as suas expedições em busca de alimento. Todavia, nos últimos tempos, essa camada começou a deslocar-se para Sul, onde chega menos luz do Sol. O problema é que será difícil, nessas zonas mais austrais e sombrias, prosperar o plâncton vegetal responsável pela função da fotossíntese.”

O dia extingue-se numa claridade leitosa tingida de tons alaranjados, rosa e violeta. O fulgor estival coloca os investigadores sob o risco de sofrerem de extremo cansaço: esquecem-se, simplesmente, de dormir. Os 35 comensais dispersam em todas as direcções. Uns vêem vídeos sentados em cómodos sofás de pele; outros tiram fotos das mil faces do gelo; há os que escrevem diários e os que marcam encontro no fumegante jacuzzi voltado para a baía.

Os peritos em baleias ainda não chegaram à estação. Ao longo dos anos, aprenderam a ajustar as suas deslocações e horários aos das baleias-corcundas. Todavia, este ano, os cetáceos parecem ter-se antecipado aos humanos. Será melhor os cientistas adaptarem os seus itinerários aos novos ciclos biológicos.

A.P.S.
SUPER 154 - Fevereiro 2011