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sexta-feira, 22 de julho de 2016

Tartarugas-verdes ingerem cada vez mais lixo produzido pelo Homem


As tartarugas-verdes, uma espécie marinha em vias de extinção, são cada vez mais propensas a ingerir o lixo produzido pelo homem, como sacos de plástico que lhes podem provocar a morte, revela um estudo realizado na Austrália.

Segundo o estudo, publicado na revista científica Conservation Biology, seis das sete espécies de tartarugas marinhas existentes ingerem resíduos rejeitados pelo homem. As seis estão classificadas pela União Internacional de Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês) como vulneráveis ou em perigo.

“Para a tartaruga-verde [Chelonia mydas], a probabilidade de ingerir os resíduos quase duplicou em 25 anos”, disse à AFP Qamar Schuyler, que coordenou o estudo da Universidade de Queensland, na Austrália. “As tartarugas-verdes em particular ingerem muito mais [lixo] do que antes”, sublinha. A probabilidade passou de 30% em 1985 para cerca de 50% em 2012.

Para chegar a estes números, os investigadores basearam-se em 37 estudos publicados entre 1985 e 2012, que têm informação detalhada sobre os objectos encontrados desde 1900 no estômago das tartarugas.

As tartarugas-verdes, assim designadas por terem uma carapaça verde, chegam a medir 1,50 metros quando são adultas. Encontram-se sobretudo no Oceano Índico mas também no Atlântico, em áreas costeiras com muita vegetação – há registo da ocorrência da espécie nos Açores, por exemplo. Têm uma esperança média de vida de 80 anos mas esta longevidade pode inverter-se.

Os resíduos de plástico que ingerem acidentalmente, por os confundirem com algas ou águas-vivas, podem matá-las, bloqueando-lhes o estômago ou perfurando os intestinos. Estes resíduos podem também libertar toxinas no corpo destes répteis e afectar o seu ciclo reprodutivo.

Noticia retirada daqui

A Terra já foi mais quente mas vai bater recorde de 11.000 anos



O aquecimento global de origem humana nas últimas décadas é reconhecido pelos cientistas como uma evidência. Mas ao longo dos últimos 11 mil anos, a Terra ainda foi mais quente. É isto o que sugere um estudo pioneiro, que tentou fazer uma reconstituição mais consistente da temperatura global ao longo de milénios.

O estudo, publicado na revista Science, não deixa porém margem para optimismos: os termómetros estão hoje a um nível em que nunca estiveram em 75% de todo o Holoceno –  a época geológica que se estende desde a última glaciação e que corresponde ao auge da civilização humana – e podem chegar a 2100 ao maior nível de sempre nesse período.

O passado climático da Terra tem sido escrito com base em diferentes fontes. Para o último século e meio, há dados de termómetros. Para além deste período recente, no entanto, é preciso inferir a temperatura a partir de dados indirectos – sejam naturais, como fósseis, ou humanos, como registos históricos.

Para os últimos 1000 anos, as reconstituições basearam-se até agora sobretudo em secções de árvores, calculando-se a temperatura a partir dos anéis de crescimento. É esta a principal fonte que deu origem a um famoso gráfico, produzido por cientistas em 1999 e cunhado como “gráfico do stick de hóquei”, que mostra a temperatura da Terra mais ou menos estável desde o ano 1000, mas com um súbito aumento a partir de 1900.

O novo artigo agora publicado – de autoria de investigadores das universidades norte-americanas do Estado de Oregon e de Harvard – coloca este último capítulo da Terra num contexto maior, dos últimos 11.300 anos. A reconstrução da temperatura média global foi feita através da combinação de 73 conjuntos de dados, de vários pontos do mundo, obtidos através de sedimentos, amostras de gelo e até pólen.

O resultado sugere que houve inicialmente uma subida de aproximadamente 0,6 graus Celsius e que a temperatura manteve-se a um nível elevado entre 9500 e 5500 antes da data actual. Depois, o termómetro baixou 0,7 graus Celsius, lenta e progressivamente, até há mais ou menos um século. E então voltou a subir, mas desta vez exponencialmente.

“Esta investigação mostra que tivemos quase a mesma amplitude de variação da temperatura desde o início da Revolução Industrial do que nos últimos 11.000 anos da história da Terra, mas esta alteração ocorreu muito mais rapidamente”, afirma, num comunicado, Candace Major, da Fundação Científica Nacional, a agência norte-americana destinada ao financiamento da investigação, e que apoiou este projecto.

“Já sabíamos que, à escala global, a Terra é mais quente hoje do que na maior parte dos últimos 2000 anos. Agora, sabemos que é mais quente do que na maior parte dos últimos 11.300 anos”, completa Shaun Marcott, um dos principais autores do estudo, no mesmo comunicado.

Os cenários do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas colocam a temperatura média da Terra em 2100 entre 1,1 e 6,4 graus Celsius mais quente do que a da era pré-industrial. Segundo o estudo, o termómetro global estará, por isso, acima de qualquer nível dos últimos 11 mil anos.

Ainda segundo o estudo, as alterações de longo prazo desde a última glaciação podem em parte ser explicadas com as variações na orientação da Terra. Verões progressivamente menos quentes no Hemisfério Norte terão contribuído para grande parte da descida da temperatura global entre a partir de 5500 anos antes da data presente.

http://www.publico.pt/

Em Portugal há um contentor de lixo para cada 33 pessoas


Portugal tem 320 mil contentores para receber o lixo dos portugueses, o que corresponde a uma média de um contentor por cada 33 cidadãos, revela a primeira avaliação realizada pela Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR), divulgada esta quinta-feira.

O estudo permitiu fazer um retrato do sistema de resíduos urbanos em Portugal, revelando que existem 40 mil ecopontos e 2500 viaturas de transporte de lixo para as instalações de triagem, unidades de valorização orgânica ou de incineração e aterros.

 O universo das entidades prestadoras de serviços de resíduos urbanos abrange praticamente a generalidade da população portuguesa e serve mais de cinco milhões de alojamentos, através de 263 entidades gestoras a operar em baixa (recolha dos resíduos) e 23 que fazem o tratamento dos resíduos (sistema em alta), o presidente da ERSAR em declarações à agência Lusa.

Jaime Melo Baptista avançou que, por este serviço, uma família paga, em média, 43 euros por ano, valor que considera baixo, sublinhando que as tarifas “não cobrem os custos” de funcionamento.

Em Portugal, entram no sistema 4,6 milhões de toneladas de resíduos urbanos por ano, das quais cerca de 800 mil através de recolha selectiva. Do total de lixo, 400 mil toneladas destinam-se a reciclagem, enquanto a valorização orgânica recebe 300 mil toneladas e a incineração um milhão. Ainda são depositadas em aterro cerca de 3,1 milhões de toneladas.

No que diz respeito ao destino do lixo dos portugueses, avaliação da ESAR identificou 200 ecocentros, 29 instalações de triagem, 35 aterros, 13 unidades de valorização orgânica e duas de incineração.

Trata-se de “um parque de infraestruturas muito significativo, que é operado por mais de nove mil trabalhadores nos serviços em baixa e 3.500 em alta”, salientou Jaime Melo Baptista.

As empresas do serviço em alta apresentam rendimentos de cerca de 330 milhões de euros por ano para gastos de 300 milhões, um saldo positivo que não se estende à recolha de lixo, onde estão 6.800 entidades municipais e 2.400 privadas.

O presidente da ERSAR explicou que, na recolha “o levantamento desta informação revelou grande dificuldade de muitos operadores em saberem contabilizar quer os custos, quer, por vezes, as receitas”, uma situação que preocupa o responsável.

No que respeita a gastos e receitas, apenas metade dos operadores forneceram dados considerados credíveis pela ERSAR, grupo em que se encontram “rendimentos de cerca de 200 milhões de euros e gastos de 300 milhões, o que quer dizer que, neste setor, os operadores, em média, não recuperam os custos que têm”.

Jaime Melo Baptista salientou que “grande parte dos operadores não tem ainda mecanismos de avaliação dos custos dos serviços” e que “é muito difícil evoluir para uma prática tarifária correta, definindo um tarifário suficiente para recuperar custos e socialmente aceitável”.

Os consumidores apresentaram 11 mil reclamações e sugestões relativas à recolha de lixo, num total de 40 mil referentes aos serviços de água, saneamento e resíduos.

As unidades de tratamento de lixo gastam energia, mas produzem muito mais. Este trabalho da ERSAR concluiu que os operadores consomem 71 milhões de quilowatts por hora num ano, mas vendem 650 milhões de quilowatts por hora.

http://www.publico.pt/

Vigilantes do ambiente


Numa fase em que os avanços tecnológicos parecem imparáveis, a utilização de líquenes para monitorizar a qualidade do ar pode parecer uma prática retrógrada. O biólogo Jorge Nunes mostra como estas fascinantes manchas vivas têm vindo a afirmar-se na monitorização ambiental e a conquistar seguidores em Portugal.

A maioria dos líquenes assemelha-se a salpicos de tinta que parecem ter caí­do de uma tela de pintura, formando manchas coloridas espalhadas ao acaso pela paisagem. São organismos bastante ubíquos, encontrando-se desde os píncaros mais agrestes das montanhas geladas até às inóspitas zonas das marés, ao nível do mar, onde apenas organismos altamente especializados conseguem sobreviver à dureza da rebentação das ondas e à ininterrupta alternância entre o mundo terrestre e aquático. Com as suas múltiplas cores e formas geralmente bizarras, qualquer superfície lhes serve de suporte, desde o património natural (rochas, troncos de árvores, etc.) ao construí­do pela mão humana (monumentos, muros, telhados, etc.).

Ainda que a maioria das pessoas já tenha reparado nestas curiosas pinturas abstractas, estão longe de imaginar que, por detrás daqueles borrões, se escondem curiosos seres vivos que se contam entre os mais antigos da Terra. Custa a acreditar que aquelas estranhas manchas possam nascer, crescer e reproduzir-se como a maioria das plantas e dos animais que conhecemos, mas quanto a isso parece não haver quaisquer dúvidas. Aliás, as curiosidades dos líquenes não se ficam por aqui, pois julga-se que possam existir actualmente mais de 15 mil tipos de “manchas”, ou seja, mais de 15 mil espécies de líquenes, cada uma com os seus segredos e especificidades.

A palavra “líquen” tem a sua etimologia no grego e significa literalmente “musgo das árvores”. Foi utilizada pela primeira vez por Teofrasto (372–287 a.C.) para se referir aos organismos que cresciam sobre as cascas das oliveiras. Até ao século XVIII, os líquenes foram incluídos no reino das plantas, mais propriamente no grupo dos musgos. Contudo, com a evolução da tecnologia e concomitantemente das ciências biológicas, por volta de 1869, o botânico alemão Schwendener desvendou uma das mais fascinantes características dos líquenes, constatando que não são um único organismo, mas a associação de dois seres vivos diferentes que se ajudam mutuamente, vivendo em estreita cooperação. Esta descoberta foi tanto mais importante quanto a constatação de que os organismos que constituem o líquen são oriundos de reinos diferentes: geralmente, uma alga verde (pertencente ao reino dos protistas) e um fungo (reino dos fungos). Actualmente, sabe-se que os líquenes até podem envolver seres de três reinos distintos, uma vez que as algas verdes poderão dar lugar a (ou coexistir com) cianobactérias, também conhecidas por “algas azuis”, que pertencem ao reino Monera.

Os líquenes surgem em quase todos os ecossistemas da Terra, desde os desertos gelados dos pólos às regiões áridas e escaldantes dos trópicos. Esta capacidade de sobreviver em condições extremas advém-lhes do facto de serem organismos simbióticos, que resultam da união e cooperação de vários parceiros. Existe um fungo, também denominado “micobionte”, a que se juntam um ou mais indivíduos fotossintéticos, chamados “ficobiontes”, como as algas verdes (que estão presentes em cerca de 85 por cento das espécies de líquenes) e as cianobactérias (que surgem em aproximadamente 10% dos líquenes). Os restantes 5% resultam da presença simultânea de dois tipos de ficobiontes (Protistas e Moneras).

A que se ficará a dever esta associação tão estranha entre dois seres vivos tão diferentes? A resposta em relação ao fungo é relativamente óbvia: ele recebe do parceiro fotossintético os compostos orgânicos necessários para a sua nutrição. Contudo, a forma como retira os nutrientes do ficobionte é pouco condizente com o que seria de esperar de uma união coo­pe­rativa. O enlace entre os dois seres não é propriamente uma romântica história de amor, pois começa com o fungo a capturar do meio as algas que mantém cativas no seu interior.

Como se não bastasse a reclusão das algas, o fungo ainda desenvolve filamentos sugadores que penetram no ficobionte e extraem dele a preciosa seiva que lhe vai servir de alimento. Esta aparente submissão do ficobionte ao micobionte levou vários investigadores a considerar os líquenes mais como um exemplo de parasitismo, onde o fungo nitidamente explora a alga, do que um caso de cooperação. Só que, embora se torne mais difícil enumerar os ganhos para o ficobionte, eles na realidade também existem. As algas são organismos muito frágeis e dependentes da água, que jamais sobreviveriam durante muito tempo sem a protecção dos filamentos do fungo (que evitam a exposição à luminosidade intensa e a desidratação resultante das temperaturas elevadas).

Esta, no entanto, parece ser uma relação perversa e um verdadeiro casamento por interesse. As algas e os fungos parecem viver em equilíbrio precário, pois se fornecermos ao fungo condições nutritivas ideais, tais como hidratos de carbono dissolvidos, ele não se preocupará mais com a alga, acabando por asfixiá-la. Do mesmo modo, a alga apresentará vida livre na presença de condições ideais de luminosidade, disponibilidade de água e sais minerais. Perante estes factos, há quem defenda que a liquenização só se justifica quando os dois organismos encontram condições relativamente desfavoráveis que os impedem de sobreviver sozinhos.

Contudo, convém não esquecer que o líquen possui a sua própria individualidade, pelo que faz muito mais sentido analisar os benefícios do líquen como um todo do que as vantagens parcelares dos organismos que o constituem. É a união de dois seres vivos tão distintos que confere aos líquenes a resistência a condições ambientais totalmente adversas e faz deles espécies pioneiras em ambientes inóspitos (como é o caso das ilhas vulcânicas ou de qualquer outro lugar da Terra onde exista vida), criando as condições necessárias à fixação progressiva de espécies vegetais e animais cada vez mais complexas, num processo denominado de “sucessão ecológica”. Nesses lugares hostis, o fungo, sozinho, não conseguiria obter as substâncias nutritivas de que necessita e as algas, isoladas, seriam rapidamente destruídas. Juntos podem conquistar novos biótopos que de outro modo lhes seriam completamente interditos e isto traz-lhes manifestas vantagens.

Manchas vivas
Embora os líquenes sejam vulgarmente referidos como “manchas vivas”, convém esclarecer que nem todas as 15 mil espécies surgem sob a forma de manchas e, mesmo quando isso acontece, apresentam formas e cores muito variadas. Quem nunca reparou nos estranhos “cabelos” esverdeados que pendem dos ramos de diversas plantas ou nas ramificações multicolores que decoram os monumentos e os troncos de muitas árvores?

No que respeita às cores, vão desde o vermelho ao azul, passando pelo verde e o amarelo. Para além das cores padrão, apresentam uma enorme diversidade de tons que variam de espécie para espécie e dentro da mesma espécie em função do substrato onde se fixam.

Quanto à morfologia, podem considerar-se três tipos de líquenes: incrustados (semelhantes a manchas), folhosos (imitando folhas) e fruticolosos (idênticos a pequenos arbustos). As espécies incrustadas formam uma crosta colada ao substrato, geralmente rochas e cascas de árvores, estando por isso bem adaptadas para sobreviver nas mais extremas condições ambientais e tornando difícil ou impossível a sua remoção sem destruir a estrutura do líquen. Os líquenes folhosos, como sugere o seu nome, assemelham-se a pequenas folhas e encontram-se fixos ao substrato de forma mais ténue. Quanto aos fruticulosos, parecem pequenos arbustos mais ou menos ramificados que se encontram fixos ao substrato de forma bastante incipiente. Estes últimos si­tuam-se entre os maiores dos líquenes, podendo atingir dois metros de comprimento.

Os três tipos de líquenes não são apenas distintos do ponto de vista morfológico, mas a sua organização estrutural condiciona igualmente muitas das suas características, como, por exemplo, a longevidade. Assim, os líquenes fruticulosos, como a Cladonia, vivem no mínimo dez anos, enquanto os incrustados, como o Rizocarpon, podem ultrapassar um século de vida. Quando os líquenes vivem tantos anos, geralmente possuem um crescimento muito lento, que é muitas vezes inferior a um milímetro por ano. Nas espécies foliáceas, de que é exemplo a Peltigera, que apresentam uma longevidade intermédia, o crescimento é mais rápido, podendo atingir os três centímetros anuais.

Ao contrário da maioria dos seres vivos, não é fácil dizer quando é que um líquen está morto, dado que, mesmo quando totalmente seco durante vários anos, bastarão algumas singelas gotas de água para fazê-lo “ressuscitar”. Esta notável capacidade de passar rapidamente a um modo de vida retardado inibindo as funções vitais, devido à perda repentina da maior parte da água da sua constituição, poderá ser um dos mais significativos aspectos que têm contribuído para o sucesso dos líquenes. É esta invulgar capacidade que permite a algumas espécies suportar um frio próximo de –196 ºC e a outras temperaturas de cerca de 100 ºC, sendo quase todas resistentes a temperaturas que oscilam entre os –20 ºC e os 70 ºC.

Os líquenes incrustados, que se desenvolvem sobre as rochas nos desertos, podem mesmo sobreviver vários meses num estado totalmente dessecado. Conseguem retirar da humidade atmosférica ou do orvalho matinal uma quantidade de água suficiente para reactivar as suas funções vitais durante um curto período de tempo, antes do calor tórrido voltar a bloqueá-las.

Curiosamente, também ao nível estrutural o fungo tem a supremacia, pois é dele que depende em grande medida o aspecto do líquen. Assim, o micobionte ocupa a maior parte do líquen, dando-lhe forma, enquanto as algas e as cianobactérias se distribuem mais ou menos homogeneamente pelo seu interior. Esta localização interna leva a que também ao nível da reprodução o líquen pouco ou nada dependa do ficobionte, cabendo essencialmente ao fungo a produção de estruturas reprodutivas, quer sexuadas, quer assexuadas. Devido a esta hegemonia do fungo na relação simbiótica, os líquenes passaram a ser considerados e classificados como um grupo particular de fungos, com várias peculiaridades biológicas.

Inspectores da qualidade do ar
Por volta de 1866, o liquenologista escandinavo Nyland notou que alguns líquenes observados em certas árvores nos arredores urbanos de Paris não eram encontrados nas mesmas espécies arbóreas que estavam plantadas no centro da cidade. Deduziu que, apesar de essas espécies já terem existido nos parques e jardins citadinos, teriam desaparecido devido à acção de poluentes que foram contaminando progressivamente a atmosfera. A partir daí, veio a comprovar-se que os líquenes são susceptíveis aos gases atmosféricos, dado que absorvem e acumulam os poluentes, podendo servir como indicadores biológicos da qualidade do ar.

Embora tenham sido capazes de se adaptar a ambientes inóspitos e de sobrevivência difícil, os líquenes não são indiferentes às condições do meio. São extremamente sensíveis às variações da poluição atmosférica, em especial à provocada pelo dióxido de enxofre, sendo esta a principal causa da regressão e do desaparecimento de diversas espécies em várias regiões urbanas e industrializadas da Europa.

O dióxido de enxofre, embora possa ocorrer naturalmente na atmosfera, é um poluente que resulta essencialmente da queima de combustíveis fósseis utilizados em diversos processos industriais e dos gases libertados pelos escapes dos veículos. Trata-se de um gás incolor, irritante para as mucosas dos olhos e das vias respiratórias, podendo ter, em concentrações elevadas, efeitos agudos e crónicos na saúde humana, nomeadamente ao nível cardiovascular e do aparelho respiratório.

A eleição dos líquenes como bioindicadores não foi feita ao acaso, mas resultou, essencialmente, das suas peculiares características e exigências ecológicas. De entre as mais importantes, salienta-se não possuírem camadas protectoras (que são comuns nas folhas das plantas); não terem raízes e não retirarem do substrato os seus nutrientes (captando-os, essencialmente, da atmosfera); produzirem o seu próprio alimento através da actividade fotossintética das algas que os constituem; apresentarem crescimento ao longo de todo o ano; serem bastante resistentes às condições atmosféricas de humidade e temperatura adversas; possuírem uma ampla distribuição geo­gráfica; serem fáceis de identificar e estudar; terem a capacidade de acumular poluentes atmosféricos e apresentarem grande sensibilidade às variações da contaminação do ar.

Os poluentes atmosféricos induzem vários efeitos nos líquenes, que vão desde a redução do potencial reprodutivo e a diminuição do crescimento até às modificações morfológicas e às alterações fisiológicas (ao nível da fotossíntese e da respiração). Portanto, as diferentes espécies de líquenes não reagem do mesmo modo à contaminação atmosférica e desse modo a vitalidade e abundância de uma dada espécie permitirá estimar a quantidade de poluentes e a respectiva qualidade do ar.

A sensibilidade dos diferentes líquenes aos poluentes atmosféricos está bastante dependente do tipo de líquen, uma vez que, como facilmente se percebe, os líquenes fruticulosos e folhosos, porque possuem uma área de contacto com o ar muito maior, são geralmente mais sensíveis e mais utilizados. Pelo contrário, as espécies incrustadas, devido à sua grande adesão ao substrato, apresentam uma menor área de contacto com o ar e com as eventuais substâncias químicas que aí surjam, sendo o seu efeito mais difícil de observar, dado que o organismo demorará mais tempo a reagir à sua presença.

Embora as máquinas de medição atmosférica sejam muito mais precisas na quantificação dos poluentes, jamais conseguirão demonstrar o impacte dos valores medidos nos seres vivos que habitam nesses locais. Assim, em pleno século XXI, em que os avanços tecnológicos parecem imparáveis, a utilização dos líquenes para monitorizar a qualidade do ar continua a conquistar seguidores e parece apresentar evidentes vantagens, que não são de menosprezar. Mencione-se, entre outras, a facilidade de utilização, o baixo custo, a obtenção rápida de resultados e o facto de permitir o acompanhamento da evolução da qualidade do ar num dado local, através da variação da variedade e da vitalidade das espécies liquénicas. Um outro benefício, referido amiúde pelos investigadores, relativamente a este “método natural”, é não permitir apenas determinar a qualidade do ar (inferindo a quantidade de poluentes existentes num dado local), mas mostrar claramente os seus efeitos nos seres vivos.

Isto não significa que a biomonitorização ambiental (recorrendo aos líquenes e musgos) deva substituir a monitorização física (realizada através de estações de amostragem constituídas por tecnologia muito avançada e com elevados custos de aquisição, instalação, operação e manutenção), mas que seja entendida como um seu complemento.

Diz-me que líquenes vês...
Embora os líquenes possam ser muito fiáveis como bioindicadores, é necessário conhecer muito bem a morfologia e a fisiologia das espécies que são usadas, de modo a que as interpretações ecológicas sejam consideradas válidas para um dado local, isto porque estes organismos não se comportam exactamente da mesma forma em todos os locais onde surgem. Este facto obriga a que as conclusões de estudos liquénicos realizados numa dada região ou país não possam ser directamente extrapolados para outros locais sem antes garantir que o comportamento dessas espécies é similar.

Quando os investigadores pretendem utilizar uma determinada espécie de líquen para estudos de poluição atmosférica e ela não existe nesse local, podem fazer transplantes a partir dos lugares onde a espécie se desenvolve com vitalidade. Esta técnica de transplantes tem demonstrado enorme fiabilidade, uma vez que, desta forma, é possível utilizar espécies amplamente testadas, conhecendo-se, desde o início, o modo como elas se comportam em determinadas condições atmosféricas durante vários meses ou até anos. Durante esse período, os cientistas monitorizam parâmetros como as alterações morfológicas, ultraestruturais e fisiológicas dos líquenes e a acumulação de substâncias contaminantes.

Para a utilização dos líquenes como bioindicadores da qualidade do ar, recorre-se geralmente a escalas qualitativas que permitem relacionar a ausência/presença de determinadas espécies e a sua vitalidade (dimensões, estruturas reprodutoras, etc.). Contudo, de modo a obter dados fiáveis e representativos das áreas em estudo, é necessário utilizar escalas adaptadas a essas mesmas regiões, tendo em conta a diversidade de espécies liquénicas e as condições climáticas.

No caso de Portugal, uma equipa de investigação coordenada por Cecília Sérgio, da Faculdade de Ciências de Lisboa, iniciou trabalhos de campo em 1978 e tem produzido vários estudos nos quais são utilizados os líquenes (e briófitos) como indicadores biológicos da poluição atmosférica, designadamente na região de Lisboa e Vale do Tejo. Na sua peugada, muitos outros investigadores têm realizado diversos estudos um pouco por todo o país. Um dos mais propalados foi o projecto SinesBioar, um estudo de monitorização e gestão da qualidade do ar da região de Sines, em que se empregou a diversidade de líquenes e a acumulação de substâncias tóxicas (enxofre, azoto, chumbo, cobre, níquel, alumínio, ferro, titânio, silício, magnésio, manganês, cobalto, mercúrio, cálcio, potássio, cádmio) como indicadores da intensidade e do tipo de contaminação atmosférica. Através do estudo dos líquenes, foi possível elaborar mapas que mostraram ao redor de Sines e expandindo-se para Sueste, no sentido dos ventos dominantes, a distribuição dos poluentes.

Se quiser saber a qualidade do ar que se respira num dado local, basta fazer um pequeno passeio e prestar atenção aos troncos das árvores. Se observar muitos líquenes, isso é um bom sinal, principalmente se forem fruticulosos. É caso para dizer: diz-me que líquenes vês, dir-te-ei o ar que respiras!


J.N.
SUPER 154 - Fevereiro 2011

Matriarca do ambiente



Judith Cortesão: do Porto para o resto do mundo
É difícil encontrar, no Brasil, um ambientalista que não se sinta devedor do legado de Judith Cortesão. No entanto, a vida aventureira desta portuense tem muito mais facetas, convergindo num ponto focal: Judith era uma entusiasta da felicidade geral.

Até à década de 1970, nenhuma criança sabia o que era ecologia, poluição, etc.”, dizia, em 2000, a ambientalista Judith Cortesão, constatando com algum optimismo a clara mudança de mentalidade ambiental que ocorreu nas décadas seguintes. Se a transformação não estava ainda perto de resolver todos os problemas ecológicos, ela era, para esta incansável luso-brasileira, “a maior força de esperança de um futuro em que haja mais dignidade para todos os seres e mais paz entre os homens”.

Através da “formação de quadros”, como gos­tava de dizer, da criação e concretização de projectos nas mais diversas áreas, das pes­qui­sas realizadas ou das batalhas empreendidas em nome da conservação e da integração, Ju­dith (que morreu aos 92 anos, em 2007) foi uma das grandes pioneiras desse processo no Bra­sil, com uma trajectória que lhe rendeu o ape­lido de “matriarca do ambientalismo brasileiro”.

Mas mesmo com o destaque cada vez maior dado aos assuntos ecológicos em todo o mundo e após uma eleição presidencial em que os temas “verdes” pautaram como nunca o debate político brasileiro, o nome de Judith Cortesão manteve-se, de modo geral, restrito aos círculos ambientalistas no Brasil, apesar de os seus feitos serem visíveis por todo o país. Em Portugal, de modo semelhante, pouco se sabe de Judith para além do facto de ser filha do historiador Jaime Cortesão ou de ter sido casada com o filósofo Agostinho da Silva.

Judith não procurava fama ou dinheiro, mas apenas concretizar os seus projectos e mudar as mentes, levasse isso o tempo que levasse. E assim participou, citando uma pequena parte dos seus feitos, em expedições à Antárctida, na concepção de organizações não-governamentais como o SOS Mata Atlântica e o Instituto Acqua, na criação de diversas reservas ecológicas e na redacção da Constituição do Brasil no capítulo dedicado ao meio ambiente, além de ter sido consultora da UNESCO, representante do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional do Brasil (SPHAN), professora de pós-graduação em educação ambiental na Universidade Federal do Rio Grande (Rio Grande do Sul) e muito mais.

Vida de aventura
Para Judith, a vontade de acção, a militância e a busca de aventuras nunca se desligaram de uma insaciável sede de conhecimento. Ao longo da vida, frequentou seis cursos universitários (medicina, letras, biblioteconomia, antropologia, climatologia e meteorologia), estudou desde a espeleologia à história e aprendeu 14 línguas, incluindo árabe e chinês. Mas a sua incrível trajectória começara muito antes de tudo isso, ainda no Portugal do início do século XX.

Cidadã de ideias mais do que de países, como a definiu o intelectual português Manuel António Pina, Maria Judith Zuzarte nasceu no Porto em 1914 e teve uma vida digna de filme. Ainda jovem, mudou-se para Paris, onde cursou letras na Sorbonne, voltando a Portugal para continuar os estudos em Lisboa. Por pouco tempo: perseguida pelo governo de Salazar, a família Cortesão muda-se para Barcelona nos anos 30. Durante a Guerra Civil, o edifício em que vivem é bombardeado e Ju­dith fica ferida num braço. A família foge para França, atravessando os Pirinéus a pé. “Ela muitas vezes me contou dos horrores que presenciou na Guerra Civil. Com certeza foi o despertar da ambientalista, estrategista devota pela preservação da vida em todas as suas formas”, diz Manuel Touguinha, amigo próximo de Ju­dith e seu parceiro em projectos no Brasil a partir dos anos 90.

No fim dos anos 30, Judith é presa pelo regime salazarista quando regressa a Portugal, mas foge da prisão, e em seguida do país, regressando a Espanha. É nessa época, já durante a Segunda Guerra Mundial, que a família se transfere para o Brasil, onde recebe asilo e onde Jaime Cortesão se dedica aos estudos da história do país. Nesse período, convivem com importantes nomes da intelectualidade brasileira, como Manuel Bandeira, Murilo Mendes, Sérgio Buarque de Holanda, Assis Chateaubriand e Cecília Meireles, o que viria a influenciar muito a formação de Judith.

No Brasil, Judith casa com Agostinho da Silva, que também abandonara Portugal perseguido pelo governo de Salazar. Nos anos seguintes, o casal tem seis filhos e mora sucessivamente no Rio de Janeiro, em Itatiaia, em Santa Catarina e também no vizinho Uruguai.  Ali, já separada de Agostinho, durante o regime militar, no início dos anos 70, Judith é novamente presa e torturada, sob a acusação de estar ligada aos guerrilheiros tupamaros. “Contava que deixava os torturadores mais agressivos, porque nos interrogatórios ela dormia profundamente, de propósito, e não sentia os golpes de tortura”, conta Touguinha.

Após passar pelo Chile, pelo Peru e possivelmente por muitos outros lugares (nunca parou muito tempo no mesmo sítio), Judith regressa a Portugal e vive intensamente os dias da Revolução dos Cravos. No final dos anos 70, volta ao Brasil, onde se estabelece e, já com mais de 60 anos, mas com o espírito aventurei­ro de sempre, começa a sua trajectória mais directamente ligada ao ambientalismo.

Ambientalista educadora
Em tudo o que fazia, Judith carregava um persistente optimismo e um olhar profundamente humanista. Com uma visão sempre à frente do seu tempo, compreendeu e difundiu a necessidade de preservação ecológica antes mesmo de o ambientalismo se tornar um movimento organizado, em meados dos anos 80.

E preservar, para ela, significava pensar o homem integrado na natureza, sabendo das necessidades humanas e do dever de melhorar a qualidade de vida, principalmente num país tão desigual como o Brasil. “Nunca vi a Judith dizer: vamos salvar tal coisa em detrimento daquela população. Ou seja, se for preciso desmatar alguma coisa para poder plantar, porque não se tem o que comer, ela achava isso possível”, diz o ambientalista Theodoro Hungria, discípulo de Judith e seu parceiro em projectos no cerrado do país.

Assim, de facto, definir Judith apenas como “ambientalista” ou “ecologista” parece excluir as suas incontáveis outras facetas, ­áreas de interesse e de actuação: a antropóloga, a historiadora, a bióloga ou a médica (idealizou um dos mais importantes centros de formação de médicos na renomada rede de hospitais Sarah Kubitchek). Mas, para ela, falar em ecologia incluía tudo isso e muito mais; incluía animais e homens, natureza e sociedade, desenvolvimento e conservação, já que não compartilhava de uma visão segmentada do mundo. “Tudo era uma grande teia da vida. Nada estava separado e tudo se unia”, explica Touguinha.

Bom exemplo dessa visão é o seu depoimento para o documentário Intérpretes do Brasil, no qual explica aspectos da colonização brasileira e da mentalidade portuguesa da época a partir da beleza da ecologia marinha: “Os relatos [dos portugueses] falam da transparência das ondas e dos pequenos peixes rubros. Aquelas ilhas representavam o triunfo da vida sobre a matéria (...), eram cheias de coisas extraordinárias. Tudo isso é natural que tenha levado os navegadores ao mito, que tenha feito com que o Brasil, pela circunstância do esplendor e da variedade de sua paisagem, virasse a terra, por excelência, do mito.”

É difícil encontrar entre os mais importantes ambientalistas brasileiros de hoje (nas ONG, nas universidades, no governo, etc.) quem não tenha tido alguma influência, directa ou indirecta, de Judith. A sua vontade de formar “agentes multiplicadores de educação ecológica”, fossem crianças ou jovens universitários, moradores das comunidades, políticos e gente variada, parece ter resultado.

Legado de direitos e deveres
“Ela nunca falava com o cargo, ela falava com a pessoa. Então, era um relacionamento humano, em todos os sentidos. Você via almirantes trocando confidências com a Judith da mesma maneira que o pescador, um indígena ou um ambientalista. E essa facilidade dela de falar com as pessoas e ir encantando, isso teve um peso muito grande”, diz Clayton Ferreira Lino, presidente da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, um dos projectos que teve a mão de Judith.

O seu encanto fazia parte da sua estratégia. E com essas estratégias Judith foi criando infindáveis projectos ao longo da vida. Quando eram tantos que não podiam ser executados pela própria criadora, Judith instigava os seus discípulos a levá-los por diante. “Todos os dias nascia um projecto novo”, conta Touguinha. E foi com ele, em 1998, que a senhora Cortesão se mudou para Ilópolis, uma pequena cidade de colonização italiana no Sul do Brasil, onde concebeu, além de projectos ecológicos, a recuperação dos históricos moinhos de farinha da região.

Já muito doente e fragilizada, Judith muda-se para a Suiça em 2002, para cuidar da saúde e para “estar com os meninos”, já que a maioria de seus filhos vivem na Europa. Em 2003, ainda regressou ao Brasil para receber do presidente Lula da Silva a Grã-Cruz da Ordem do Mérito Cultural Brasileiro, o que fez com grande satisfação e a sensação do dever cumprido. Em 2007, morreu na Suiça, sem deixar fortuna (fora a grandiosa colecção de livros e de artesanato), mas legando muitos olhos abertos para “o esplendor da vida no planeta”, e atentos para os deveres que este esplendor implica.

M.G.F.
SUPER 154 - Fevereiro 2011