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domingo, 20 de setembro de 2015

Notícia - Redescoberto um sapo que não se via desde 1924

O sapo-arco-íris-de-bornéu apareceu ao fim de 87 anos na ilha de Bornéu, uma descoberta que custou meses de procura a uma equipa de investigadores da Universidade de Sarawak da Malásia, e que foi anunciado nesta quinta-feira pela associação ambientalista Conservation International (CI).


A última vez que o mundo ocidental tinha visto esta espécie de anfíbio foi em 1924, quando cientistas europeus foram à ilha de Bornéu, no sudeste asiático. A única imagem que trouxeram de lá foi um desenho a preto e branco da Ansonia latidisca, o nome científico do sapo.

“Descobertas excitantes como este sapo lindíssimo, e a importância enorme dos anfíbios para os ecossistemas saudáveis, são o que nos motivam para continuarmos à procura de espécies perdidas”, disse em comunicado Indraneil Das, cientista da Malásia, que liderou a equipa.

A aventura começou depois da International Conservation ter lançado uma campanha para a procura mundial das espécies de anfíbios que não são vistos há mais de dez anos. O sapo-arco-íris-de-bornéu (tradução livre do nome comum em inglês) estava na lista Top 10 das rãs mais procuradas.

A equipa de Das tentou a sorte. Em Agosto do ano passado, os cientistas foram para uma região montanhosa na região ocidental da ilha de Bornéu, na fronteira entre a província de Sarawak na Malásia, e a província Kalimantan, que já pertence à Indonésia.

A equipa de Das andou meses à procura do sapo depois de o anoitecer, por altitudes superiores a 1300 metros, numa região que, segundo a CI, foi pouco explorada no último século. A equipa foi para zonas cada vez mais altas ao longo do tempo. Finalmente, uma noite, o cientista Pui Yong Min encontrou o sapo numa árvore, dois metros acima do solo. Tinha as patas compridas e finas, pele enrugada pintada de várias cores.

“Ver a primeira fotografia de uma espécie perdida há quase 90 anos desafia o que se acredita. É bom saber que a natureza consegue surpreender-nos quando estamos quase a perder a esperança, especialmente com o escalar da extinção de espécies”, disse em comunicado Robin Moore, especialista em anfíbios da CI, que lançou o projecto da procura dos anfíbios, e recebeu num e-mail enviado por Das, a notícia da descoberta e a fotografia do sapo.

Ao longo dos dias, a equipa encontrou mais dois indivíduos desta espécie. Ao todo, foram vistos e medidos uma fêmea, um macho e um juvenil, que tinham respectivamente entre 5,1 e três centímetros de comprimento. Os três anfíbios foram todos encontrados em árvores.

“A natureza ainda guarda segredos preciosos que estamos a descobrir, é por isso que a protecção e a conservação são tão importantes. Os anfíbios são indicadores da saúde do ambiente, o que tem implicações directas para a saúde humana. Os seus benefícios não devem ser subestimados”, disse Indraneil Das.

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Notícia - Conversas com bestas


Linguagem animal

O canto de um pássaro, o bramido do veado ou a cintilação do pirilampo são apenas mensagens destinadas a atrair as fêmeas para o acasalamento ou potenciais presas, para poder caçá-las. A ciência estuda essas formas de linguagem animal para averiguar até que ponto poderão conter alguma semelhança com a fala humana.

Um cão chamado Harry encosta o focinho à perna da dona, depois dirige-se para a porta e começa a gemer. Mensagem: “Quero ir à rua.” Fifi, a gata siamesa, salta para a secretária e guia o dono até ao prato de comida, como se lhe dissesse: “Tenho fome!” Estes casos domésticos demonstram que os seres humanos comunicam a determinado nível com as criaturas irracionais, como bem sabem os biólogos e etólogos que, no intuito de estudar o seu comportamento, gravam os sons e, depois, reproduzem a gravação para dar origem a determinadas reacções animais.

Porém, que sejamos capazes de entendê-los a cem por cento ou que os bichos falem entre si do mesmo modo que tagarelamos com o vizinho é uma questão delicada que provoca um apaixonado debate. Um sector da comunidade científica considera que a comunicação é como uma escala que vai do mais simples ao mais complexo e em que a linguagem humana ocupa o escalão mais elevado. No entender dos defensores desta tese, os testes com grandes símios que aprenderam a comunicar com pessoas mostram que as diferenças entre a linguagem animal e humana decorrem mais de uma questão de grau do que de classe.

A fala é sagrada?

Outros especialistas, pelo contrário, entendem que a linguagem é o único factor que diferencia a nossa espécie dos restantes seres vivos. Em sua opinião, a fala é sagrada; trata-se do derradeiro obstáculo que se interpõe entre o homem e a besta, e não tem nada a ver com a comunicação animal. Por exemplo, um estudo de 2005 de Charles Snowdon, psicólogo da Universidade do Wisconsin em Madison, conclui que “embora existam muitas semelhanças entre os centros de controlo do idioma na região subcortical do cérebro de seres humanos e de macacos, não existem paralelismos nas áreas de Broca e Wernicke”. No mesmo sentido, numerosos linguistas definem a linguagem com base em características humanas como a criatividade, as regras sintácticas ou a aptidão para utilizar símbolos abstractos e atribuir-lhes significado no passado, no presente e no futuro. Contudo, são cada vez mais os investigadores que questionam essa perspectiva antropomórfica.

Na última reunião interdisciplinar Evolang, organizada pela Universidade de Utrecht (Países Baixos), debateu-se a tese do linguista ­Noam Chomsky, segundo a qual a fala emergiu de forma autónoma na nossa espécie, ignorando as protolinguagens que poderiam ter sido desenvolvidas pelos primatas que nos antecederam na linha evolutiva. Alguns especialistas assinalaram que o primeiro código linguístico humano foi formado por gesticulações, e que o modo como as aves canoras imitam os trinados dos progenitores apresenta paralelismos com a forma como as crianças aprendem a falar. Além disso, o psicólogo Jacques Vauclair e os seus colegas da Universidade da Provença (França) descobriram que existem, na área de Broca de chimpanzés e babuínos, as mesmas assimetrias nos pontos que parecem ser precursores dos nossos centros de linguagem, o que contraria os estudos de Snowdon.

Sempre com a direita

Os estudos do francês especializado em cognição demonstraram que o hemisfério esquerdo está mais desenvolvido nas crianças, nos chimpanzés e nos babuínos destros. Vauclair mostrou igualmente que tanto os chimpanzés como os bebés de onze meses tendem a usar a mão direita para comunicar entre si e indicar o que querem, e ainda que, no caso dos bebés, esses gestos acompanham as primeiras palavras balbuciadas

Por sua vez, Con Slobodchikoff, biólogo e etólogo da Northern Arizona University, introduziu novos dados no debate com uma investigação sobre os cães-da-pradaria de Gunnison, Cynomys gunnisoni, uma das variedades desta espécie selvagem natural da América do Norte. Ao analisar o comportamento dos peculiares roedores, verificou que são extremamente sociáveis, vivem em colónias e dispõem de um sistema de comunicação que inclui abundante informação. Slobodchikoff e a sua equipa constataram determinadas variações nos latidos ou sinais que enviavam aos congéneres para os avisar, por exemplo, se o potencial predador que se aproximava era terrestre ou aéreo e qual o seu tamanho. São também capazes de distinguir as cores e de transmitir essa informação, como prova o facto de lançarem um som diferente quando o investigador responsável pelo trabalho de campo levava uma T-shirt azul, verde ou amarela. Esta linguagem, aparentemente, não é inata: têm de aprendê-la, pois Slobodchikoff observou que cada colónia de Cynomys gunnisoni recorria ao seu próprio dialecto.

Exprimir-se para namorar

Nesse caso, será que se trata de uma verdadeira linguagem? Se tem de integrar, entre outros factores, significado, produtividade (um sistema de comunicação em que seja possível criar e compreender sem dificuldade novas mensagens) e translocação (capacidade para se referir a factos ou objectos que não se encontram espacial ou temporalmente presentes), os cães-da-pradaria teriam, segundo Slobodchikoff, uma linguagem própria.

De qualquer modo, os animais conseguem fazer que as suas mensagens sejam entendidas através de milhares de maneiras diferentes, o que demonstra o papel fundamental que a comunicação desempenha na biologia. Os animais utilizam os cinco sentidos para se exprimirem, e gesticulam com todos os apêndices do corpo e em todas as posições imagináveis. Comunicam através do odor; piam, bufam, gritam, roncam, grunhem ou cantam; lançam sinais ultrassónicos e subsónicos, eléctricos ou infravermelhos, através de impulsos de luz ou alterando a pigmentação da pele; se for necessário, dançam, palmilham ou fazem vibrar a superfície sobre que caminham. Das luzes dos peixes que habitam os abismos aos padrões coloridos da lula e à complexa vida social dos golfinhos, o reino animal oferece um mosaico de códigos de comunicação indispensáveis para os indivíduos das espécies que se reproduzem sexualmente poderem acasalar.

Os recados são muitas vezes enviados de forma espontânea ou inconsciente. Quando chega o momento oportuno, as fêmeas de traças, saguins e toupeiras recorrem ao odor, cuja intensidade é tão poderosa que consegue atrair um macho a quilómetros de distância ou impedir a ovulação de outras rivais da mesma espécie. As libélulas-macho sobrevoam as fêmeas e agarram-nas para um encontro aéreo; o tamanho, a forma e os padrões de cor comunicam a identidade feminina mas, com um pincel e uma gota de tinta, um investigador poderia confundir um pretendente. Noutros casos, os animais precisam de transmitir as suas intenções de forma mais selectiva, através de uma mensagem do tipo: “Olá, sou um macho. Reproduzamo-nos.” Contudo, como a concorrência é sempre feroz, seria melhor personalizá-la para se tornar mais eficaz: “Não só sou macho, como sou bom como o milho!” Resta saber se as fêmas iriam escolher em função da melhor campanha publicitária...

A importância do marketing

Desde que Charles Darwin colocou a si próprio a mesma questão, os especialistas em evolução sugeriram várias fórmulas para explicar o critério de selecção de parceiro por parte das fêmeas. Em algumas espécies, o macho proporciona alimento, ajuda e protecção, e a fêmea escolhe o que lhe parece melhor poder cumprir essas funções, talvez de modo não muito diferente do que se verifica na espécie humana. Porém, noutros casos, o macho não passa de um dador de esperma, e é aí que reside o busílis. A fêmea poderá escolher em função de características relacionadas com a garantia de bons genes: o macho com o corpo maior, a voz mais profunda ou a exibição mais espectacular. Ou poderá preferir um indivíduo com maior longevidade, o que implica que viveu mais tempo e poderá legar genes de sobrevivência. Ou talvez queira escolher o candidato de aspecto mais saudável, aquele que dança com maior frenesim ou tem a plumagem mais perfeita. De igual modo, poderia inclinar-se por exemplares dominantes, do género que consegue proteger os territórios mais extensos ou mais bem situados.

Em todos estes casos, assinalam os investigadores, a fêmea confia no sinal que o membro do outro sexo lhe enviou, o que poderá constituir um erro. Por exemplo, os pavões reais: se elas escolhem sempre os pretendentes com as caudas mais imponentes, estão a obrigar a Natureza a produzir caudas cada vez maiores. Todavia, há-de chegar o momento em que as penas alcançam tal extensão que se tornam uma carga para o macho, pelo que exibir uma plumagem exuberante deixa de significar que o seu dono é um candidato saudável, tendo-se tornado um exemplar formoso mas curvado pelo excesso de peso. Isto é, seria um caso de publicidade falsa e enganosa.

As fêmeas do reino animal aprenderiam, eventualmente, a identificar as características em que devem basear-se para escolher pretendentes saudáveis. Alguns especialistas consideram que é necessário, para determinado sinal masculino constituir uma mensagem credível, envolver um custo para o remetente. É aquilo que designam por “princípio do handicap”. Significa, por outras palavras, que apenas os machos realmente poderosos podem permitir-se exibir grandes chifres, plumas espampanantes ou danças e cantos espectaculares; em suma, dotes e acessórios de luxo. Os exemplares com atributos baratos são perigosos, pois podem transmitir genes em saldo, e é por isso que as fêmeas procuram plumas caras, danças sofisticadas e vozes potentes.

Os mais mentirosos da fauna

Apesar de tudo, há indivíduos que fazem batota e emitem falsas mensagens, não só no campo do amor como no da guerra ou na vida social. O pardal-das-neves é uma pequena ave que nidifica nas escarpas, exposta aos predadores. Quando um potencial inimigo se aproxima, em vez de ficar paralisado ou fugir espavorido, levanta uma asa, lastimosamente, como se estivesse partida, e caminha apenas com a rapidez suficiente para se manter fora do alcance do intruso. Depois de conseguir levá-lo para longe do ninho, levanta voo com toda a facilidade e regressa velozmente a casa.

Este tipo de truques não é exclusivo de cérebros relativamente complexos como os das aves. Os pirilampos são protagonistas de um fascinante drama de traição digno dos romances de suspense. O macho emite um padrão específico de impulsos de luz através de um órgão especial, situado no abdómen; depois, verifica se a fêmea lhe envia a resposta adequada e, no caso de esta ter sido favorável, aproxima-se para acasalar. Todavia, o D. Juan poderá deparar com uma surpresa fatal ao chegar junto da sedutora luzinha, pois há fêmeas predadoras de algumas espécies de pirilampos que copiam os sinais luminosos das outras para atacar e comer os noivos desprevenidos. Assim, embora as luzes mais potentes proporcionem aos machos uma vantagem evolutiva no que se refere à atracção que exercem sobre as fêmeas, também possuem o efeito adverso, pois atraem mais facilmente os predadores.

É difícil imaginar que um insecto tenha consciência de estar a recorrer a artimanhas, mas há exemplos entre os símios que não deixam margem para dúvidas de que eles agem intencionalmente. Na obra A Política dos Chimpanzés, o zoólogo e etólogo holandês Frans de Waal descreve situações em que diversos indivíduos dessa espécie, que estudou no Burgers’ Zoo, em Arnhem (Países Baixos), se comportaram com o intuito de enganar. Por exemplo, um chimpanzé chamado Yeroen começou a coxear visivelmente depois de ficar ferido numa luta com outro. Todavia, depois de o observar atentamente, De Waal e a sua equipa descobriram que apenas o fazia quando estava dentro do campo de visão do chimpanzé vitorioso. Mal dobrava a esquina, o coxear desaparecia como por artes de magia.

Dito e feito

Nos últimos anos, cientistas de todo o mundo têm descoberto curiosos casos de linguagem e comunicação animal. Eis alguns exemplos.

Quando uma formiga morre, as companheiras detectam o óbito e transferem-na para fora do formigueiro em menos de uma hora. Segundo Dong-Hwan Choe, da Universidade da Califórnia, sabem-no graças a dois mensageiros químicos, o dolicodial e a iridomirmecina, que as formigas vivas segregam na cutícula e que se evaporam passados 40 minutos da morte. É por isso que se desfazem dos cadáveres em decomposição, fonte de agentes patogénicos e poluentes.

Uma equipa do Departamento de Evolução Cognitiva de Harvard submeteu 14 saguins-de-cabeça-branca a uma aprendizagem acústica de palavras inventadas (shoybi, shoyka, shoyna) que partilhavam o prefixo shoy. Depois, leram-lhes pelo altifalante outra lista de vocábulos, introduzindo alguns em que o shoy surgia no final e não no início. Ao ouvir a palavra alterada, os símios ficavam a olhar para o altifalante, prova de que reconheceram a ordem de encadeamento dos sons, essencial para a aprendizagem.

As traças-tigre, Bertholdia trigona, emitem ultrassons que interferem no sistema de orientação dos seus predadores, os morcegos, segundo William Conner, da Universidade de Wake Forest, na Carolina do Norte.

Os pios, gorjeios e silvos que alguns colibris emitem não são vocais, como se pensava, mas produzidos pelas penas da cauda, segundo um estudo da Universidade da Califórnia em Berkeley.

Um estudo do biólogo colombiano Carlos Rocha mostra que a rã dourada do Panamá, Atelopus zeteki, comunica através de uma linguagem corporal baseada em sinais e gestos dos membros superiores.

A bióloga californiana Emily DuVal descobriu que os machos da ave tangará-cauda-de-lança, Chiroxiphia lanceolata, dançam aos pares para impressionar a fêmea (daí que seja conhecida, no Brasil, por “tangará-dançador”). Um deles ajuda voluntariamente o outro a conquistar a fêmea sem esperar qualquer recompensa imediata, mas esse comportamento solidário irá ajudá-lo a tornar-se dominante no futuro e a receber, por sua vez, apoio coreográfico de outro macho para conseguir acasalar.


SUPER 149 - Setembro 2010

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Notícia - Querido afilhado

Chimpanzés machos que acolhem crias órfãs, leoas que amamentam os filhotes das suas presas... Os biólogos procuram descobrir o que leva alguns animais a perfilhar outros: um mecanismo de preservação do grupo, uma futura recompensa ou simples altruísmo?

"O órfão Mel estava muito fraco. Vagueava atrás de diferentes indivíduos, principalmente de machos adultos, mas, embora todos o tolerassem, nenhum mostrou especial interesse. Mesmo antes da morte da mãe, estava tão magro e letárgico, com a barriga tão inchada pelos parasitas, que não parecia ter muitas hipóteses de sobreviver. Nessa altura, recebi um telegrama: “Mel adoptado por Spindle”. Fiquei surpreendida, pois, pelo que sabíamos, Spin­dle, o filho de 12 anos do velho Sprout, não tinha tido a menor ligação com a mãe de Mel. Será que uma relação assim poderia vingar?”

Esta é uma das histórias de adopção relatadas por Jane Goodall no livro Through a Window. Pouco depois de a primatóloga inglesa ter regressado à terra natal destes símios, na República Democrática do Congo, pôde comprovar que Mel e o seu novo pai, Spindle, continuavam a constituir uma família. “Senti-me maravilhada com o interesse e o afecto manifestados pelo pai adoptivo. Spindle também tinha sido órfão. Seria, talvez, a sensação de perda, um sentimento de solidão, que o levou a manter essa relação com Mel?” Qualquer que fosse o motivo, o certo é que desempenhava na perfeição o papel de protector. “Partilhava o ninho nocturno com ele e, também, a comida. Esforçava-se por proteger a cria, apressando-se a afastá-la do caminho quando os machos adultos pareciam mais excitados. Quando Mel gemia durante as viagens, Spindle esperava por ele e deixava que lhe trepasse para os ombros, ou mesmo que se agarrasse na posição abdominal quando chovia ou estava frio. De facto, transportava-o assim com tanta frequência que o pêlo parecia gasto no sítio onde Mel se segurava com os pés.”

Estas observações de campo foram confirmadas por estudos mais aprofundados. Recentemente, Christophe Boesch e os seus colegas do Departamento de Primatologia do Instituto Max Planck, em Leipzig (Alemanha), publicaram os resultados de 27 anos de investigação com três populações de chimpanzés do Parque Nacional de Tai, na Costa do Marfim. Os especialistas registaram 18 casos de perfilhamento. Para isso, tiveram de definir com rigor o que se entende por adopção entre os chimpanzés: quando um adulto se comporta com um indivíduo jovem, que não é seu filho, do mesmo modo que uma mãe durante, pelo menos, dois meses. Semelhante comportamento manifesta-se sobretudo através da partilha de alimentos, ou no facto de esperar pela cria ou transportá-la nas deslocações. Durante quase três décadas de observações, 36 exemplares novatos perderam a mãe por diversas razões e sobreviveram mais de 60 dias. Todavia, no mesmo período, morreram 22 crias não desmamadas sem que algum membro da comunidade tentasse ajudá-las. Entre os 36 sobreviventes, 18 foram acolhidos por um adulto e, o que talvez pareça mais surpreendente, metade dos adoptantes eram machos. Os chimpanzés do sexo masculino raras vezes manifestam um comportamento especial em relação aos filhos e podem mesmo mostrar-se muito agressivos com as crias quando estão irritados.

As fotografias obtidas pela equipa são bastante reveladoras. Um exemplar chamado Freddy, por exemplo, apoia o pequeno Victor após a morte da mãe. Leva-o sempre às costas e chega a partilhar com ele 80 por cento das suas sementes de cola. O macho Porthos cuida de uma fêmea órfã durante 17 meses, comendo com ela e transportando-a, por vezes, em condições perigosas.

Por que será que decidiram adoptar? Os chimpanzés de Tai viajam, em média, oito quilómetros por dia, um percurso que se torna bastante árduo com uma cria às costas. Além disso, na hierárquica sociedade dos primatas, a adopção pode tornar-se um obstáculo para um exemplar adulto. De facto, os rivais sabem tirar proveito da situação e costumam atacar os adoptados para acossar os seus protectores. Joan Silk, uma antropóloga da Universidade da Califórnia em Los Angeles, não tem dúvidas de que existe altruísmo, mas considera que ainda há perguntas por responder nesta questão. Na sua opinião, os chimpanzés que se comportam assim esperam, seguramente, uma recompensa de algum tipo, como maiores favores no ritual de catar os piolhos ou mais aliados nas guerras sociais. Segundo Christophe Boesch, a adopção também promoveria a continuidade do grupo perante as ameaças, sobretudo nesta região, onde os leopardos impõem uma elevada taxa de mortalidade entre os chimpanzés.

Apesar disso, os comportamentos supostamente desinteressados constituem um enigma para os biólogos evolutivos. O etólogo britânico Richard Dawkins, autor de O Gene Egoísta, opina que a adopção constitui, simplesmente, um erro de identificação por parte da mãe, que acredita estar a criar o próprio filho. “Ocasionalmente, podem acontecer equívocos deste género na natureza”, indica, acrescentando: “Nas espécies que vivem em comunidades, um jovem órfão pode ser adoptado por uma fêmea estranha, provavelmente por alguma que tenha perdido uma cria (...). Na maior parte dos casos, deveríamos considerar a adopção, por comovedora que pareça, como um erro na regra estabelecida do egoís­mo genético. A generosa fêmea não está a fazer bem algum aos seus genes ao cuidar do órfão. Está a desperdiçar tempo e energia que poderia investir na vida dos seus próprios descendentes. Provavelmente, trata-se de um equívoco que se verifica tão raramente que a selecção natural não se deu dado ao trabalho de tornar o instinto maternal mais selectivo.”

Todavia, existe um exemplo de “comportamento faltoso” tão extraordinário entre os primatas que coloca em dúvida a teoria do gene egoísta, segundo a qual a evolução se processa em função dos genes e não dos indivíduos. É o caso de algumas fêmeas que, inconsoláveis por terem perdido uma cria, roubam outra e cuidam dela como se fosse sua. Do ponto de vista de Dawkins, tratar-se-ia de um duplo equívoco: a adoptante não só desperdiçaria tempo e energia, como libertaria uma rival do esforço que implica cuidar da cria e, além disso, possibilitaria que ela tivesse mais descendência.

A verdade é que os equívocos referidos pelo etólogo são bastante comuns entre muitos animais. Por exemplo, alguns não conseguem identificar a própria prole, assim como há crias incapazes de reconhecer os progenitores. É o caso de ratazanas, ratos e certas aves que alimentam qualquer avezinha que encontrem no ninho, mesmo que não lhes pertença. Por outro lado, bastantes animais sentem a necessidade instintiva de proteger as crias mais desamparadas. As leoas e as fêmeas de leoparado experimentam, por vezes, um irresistível impulso de proteger os filhotes de presas que abateram. Assim, deixam a mãe morta e lambem a cria, levam-na para um local seguro e chegam mesmo a oferecer-lhe os mamilos para poder mamar.

Os lobos e outros canídeos selvagens cuidam dos seus irmãos, e todas as fêmeas da alcateia vigiam as crias da loba dominante enquanto esta caça ou quando morre. Muitas cadelas chegam a sofrer uma gravidez psicológica: embora não estejam prenhas, manifestam os mesmos sintomas e podem ter leite embora não tenham parido. Os zoólogos pensam que se trata de um vestígio de um passado lupino, uma espécie de recordação genética de quando viviam em alcateias e deviam estar preparadas para encarregar-se das crias do par alfa.

Os cuidados aloparentais, isto é, aqueles dados às crias por qualquer indivíduo que não seja um dos seus progenitores, já foram documentados em mais de 120 espécies de mamíferos e 150 espécies de aves. Os especialistas sublinham que o fenómeno contribui para aumentar a taxa de sobrevivência dos adoptados aparentados com o adoptante, pelo que este pode expandir uma parte dos próprios genes. Além disso, adquire experiência ao cuidar dos jovens e, com essa atitude, poderá dar origem a uma espécie de altruísmo recíproco.Averiguou-se, ainda, que os animais são mais cuidadosos com crias que não são suas quando a comida é escassa ou quando é necessário colaborar para obtê-la.

A maioria dos casos de adopção ocorrem em “espécies K estrategas”, nome dado às que possuem uma vida reprodutiva limitada e têm pouca descendência mas investem, em contrapartida, muito tempo e recursos nos respectivos cuidados e desenvolvimento.

Outros factores que favorecem a perfilhação são a existência de colónias de criação demasiado povoadas ou a existência em grupos pequenos com estreitos laços de parentesco. É muito frequente, por exemplo, entre espécies que praticam cuidados comunitários. Assim, as leoas costumam amamentar todas as crias da manada, embora dêem preferência às suas, e as fêmeas de elefante partilham o leite se o grupo a que pertencem for exclusivamente composto por fêmeas adultas e crias. Entre os proboscídeos, existem mães auxiliares ou “tias” que vigiam o sono do bebé enquanto a mãe descansa após o parto, se interpõem entre o sol e as crias, abanam as orelhas para refrescá-las e correm em seu auxílio quando caem, por exemplo, na água. Além disso, uma dessas “tias” irá adoptar o recém-nascido no caso de morte da progenitora.

Muitas aves, sobretudo tropicais, também praticam este tipo de cuidados. De facto, observou-se em várias espécies que os filhos mais velhos permanecem alguns anos no ninho para ajudar a cuidar dos irmãos.

Por vezes, o instinto maternal é tão forte que algumas fêmeas chegam a sequestrar crias de outras espécies. Os babuínos e os macacos roubam cachorros para poderem criá-los, os quais se integram no bando e, quando se tornam adultos, alertam o grupo com os seus latidos para a presença de um predador.

O sexo também não constitui um obstáculo para esta pulsão. Entre os pinguins dos zoos, por exemplo, já se registaram muitos casos de pares homossexuais, tanto de machos como de fêmeas, que decidem adoptar crias. Já na natureza, é também muito comum, entre outras aves, a formação de casais do mesmo sexo. Por exemplo, em algumas colónias de albatrozes de Laysan (Phoebastria immutabilis), cerca de um terço dos pares com prole é formado apenas por duas fêmeas. Como cuidam apenas de uma cria, uma das progenitoras assume o papel de mãe adoptiva.

Por detrás de todos estes casos está subjacente uma das forças mais poderosas do planeta: o instinto maternal. Entre os mamíferos, é habitual a mãe limpar o recém-nascido com a língua. Este acto ajuda a romper as membranas fetais da cria e prepara as fossas nasais para respirarem com normalidade. A mãe também lhe seca a pele, o que permite ao recém-nascido preservar o calor e evita a dispersão de odores que iriam atrair predadores. Todavia, talvez o mais importante de todo o processo seja o que une mãe e filho através do cheiro.

No caso das cabras, a união é selada em dez minutos. Passado esse tempo, a fêmea só amamentará a própria cria. No caso das ovelhas, o tempo passa para o dobro. Durante séculos, os pastores aproveitaram este comportamento para proporcionar mães adoptivas às crias órfãs: têm de escolher uma ovelha adulta cujo filhote nasceu morto, e a órfã será aceite se a mãe a conhecer imediatamente após ter perdido a sua cria. Porém, se tiverem passado várias horas desde o parto, os “filhos adoptivos” serão rejeitados. Em alguns casos, os pastores atam a pele do recém-nascido morto à cria órfã para assegurar a união com a nova mãe.

Nos mamíferos, o instinto maternal desenvolve-se por completo nos primeiros dias após o nascimento, um fenómeno que levou os cientistas a interrogar-se sobre o papel desempenhado pelas hormonas neste processo. Após o parto, a progenitora experimenta importantes alterações físicas e psicológicas num período muito curto, em grande parte ocorridas porque se produz, com a expulsão da placenta, uma brusca descida nos níveis da progesterona e dos estrogénios. Pelo contrário, a presença da prolactina favorece a produção de leite. Desde a década de 1960, diversos estudos mostraram que os machos com concentrações mais elevadas desta hormona manifestam maior tendência para cuidar das crias.

Super Interessante
A.M.J.C.

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Notícia - Lâmpadas vivas

Sobrevivente de Nagasaki e Prémio Nobel da Química, Osamu Shimomura, um investigador japonês estabelecido nos Estados Unidos, dedicou a vida ao estudo da bioluminescência. As suas descobertas encontraram aplicações na medicina, na genética e na biotecnologia.

Shimomura diminui a intensidade da luz no laboratório, retira um punhado de bichinhos secos, que parecem estar a transformar-se em pó, de um frasco marcado com a etiqueta Cypridina-1944, coloca-os num almofariz, acrescenta água e começa a moer. Em breve, brota do recipiente uma suave luminescência azul, que se intensifica à medida que se aplica maior pressão. O fulgor deste ser marinho (Cypridina luciferin, do grupo dos ostracodes, um género de crustáceos microscópicos) iluminou o caminho do investigador, de 82 anos, desde os dias negros do pós-guerra no Japão até à conquista do Prémio Nobel da Química, em 2008. O professor jubilado do Marine Biological Laboratory, no Massachusetts, é responsável pela descoberta da proteína verde fluorescente (GFP), “uma das ferramentas mais importantes da biologia moderna”, de acordo com a Academia sueca.

A proteína pode ser encontrada na Aequorea victoria, uma alforreca bioluminescente, isto é, com capacidade para gerar a sua própria luz. A descoberta revolucionou a biologia molecular em 1961 e, hoje, é possível manipular esse “farol” químico para iluminar o interior da célula.

Graças a Osamu Shimomura (e a Martin Chalfie e Roger Y. Tsien, que partilharam o Nobel), a GFP pode ser introduzida numa célula viva para observar as suas alterações e compreender, por exemplo, a organização dos neurónios, a propagação de um tumor ou a interacção das proteínas entre si. “A GFP foi uma consequência acidental do meu trabalho. O objectivo inicial era a aequorina, a proteí­na da Aequorea que produz luz azul. Queria compreen­der o processo químico da emissão de luz pe­los animais, fundamental para a ciência”, explica.

A aventura começara décadas atrás com a Cypridina, muito abundante no Japão. Na década de 1940, os soldados nipónicos recorriam à sua luz para ler os mapas de noite, nos campos de batalha; para isso, bastava deitar algumas gotas de saliva num pouco de pó de Cypridina moída. A bioluminescência deste crustáceo produz-se pela oxidação do pigmento luciferina e pela acção da enzima catalizadora luciferase. Determinar a natureza e o funcionamento de ambos os elementos tornou-se o Santo Graal da bioquímica de então.

O jovem Shimomura cresceu num dos períodos mais difíceis da história do seu país. O pai, coronel do Exército, levou a família para longe de Osaka durante a Segunda Guerra Mundial, pois receava que a cidade fosse alvo de bombardeamentos. Instalaram-se numa casa a dez quilómetros de Nagasaki... “No primeiro dia da escola secundária, disseram-nos que não ia haver aulas porque os alunos tinham de ir trabalhar na indústria bélica, pelo que fui parar a uma fábrica de aviões nos arredores de Nagasaki”, recorda. “A fábrica foi atacada pelos caças B-29 norte-americanos com bombas de magnésio e vi morrer muitos dos meus colegas. No dia 9 de Agosto de 1945, as sirenes voltaram a tocar como sempre.” Do topo de uma colina, viu um único avião inimigo lançar três pequenos pára-quedas com objectos alongados. “Quando voltei ao trabalho, uma luz intensa invadiu o interior do edifício e cegou-me temporariamente. Menos de um minuto depois, soou uma explosão e a onda de choque causou-me dor nos ouvidos. Depois, tudo se tornou cinzento. No regresso a casa, caía uma chuva negra. Quando cheguei, a minha avó tirou-me a roupa e deu-me banho. Talvez me tenha salvo da radiação.”

No pós-guerra, não havia futuro para os jovens no Japão. Muitos professores tinham sido mortos nos bombardeamentos, pelo que Shimomura não conseguiu concluir o ensino secundário. Embora continuasse a estudar por sua conta, as tentativas para se matricular na universidade foram rejeitadas. Um dia, deslocou-se à de Nagoya para pedir emprego a um professor catedrático, mas este tinha viajado. Deambulando, desiludido, pelos corredores da Faculdade de Química, deparou com o professor Yoshimasa Hirata, meio surdo e bastante distraído, que supôs que o jovem queria trabalhar para ele. “Podes vir para o meu laboratório para me ajudares a isolar e purificar compostos.” Shimomura aceitou de imediato.

No primeiro dia, Hirata pegou numa pequena quantidade de Cypridina seca, fê-la refulgir de azul e disse-lhe: “Não sabemos nada sobre isto. Começa por isolar e estudar a luciferina deste organismo.” Shimomura conta: “Comecei a trabalhar tendo como única ajuda a pouca literatura existente, quase toda em inglês. Sabia apenas que a luciferina era o combustível que causava a bioluminescência, mas ignorava se se tratava de uma proteína, de um açúcar, de um aminoácido ou de outro tipo de molécula desconhecida. Das dezenas de milhares de substâncias que compõem a Cypridina, teria de isolar uma que fosse altamente instável, que se degradasse rapidamente quando exposta ao oxigénio.”

Fez as experiências em câmaras de hidrogénio, um gás perigoso devido à sua natureza explosiva. Cada tentativa exigia uma semana de trabalho mas, embora a amostra fosse mais pura do que a anterior, não conseguia que a luciferina se cristalizasse. Até que, uma tarde, deixou por acaso uma pequena quantidade da substância num meio muito ácido. No dia seguinte, observou, espantado, que se tinha formado uma camada de cristais vermelhos na solução. Eureka! Tinha conseguido.

No final dos anos 50, aceitou uma oferta de emprego da Universidade de Princeton e não tardaria a sentir-se fascinado pelos lampejos luminescentes da Aequorea, muito abundante na costa norte-americana do Pacífico. Durante um Verão que passou a trabalhar num laboratório de Vancouver, Shimomura e a mulher, Akemi (também especializada em biologia marinha) pescaram 9000 alforrecas com redes de limpar piscinas. Extraíam das medusas as tiras de órgãos bioluminescentes com tesouras, envolviam-nos em panos de algodão e espremiam-nos para extrair o líquido luminoso, que podia brilhar durante várias horas. Contudo, suspendiam a reacção e separavam a luciferina da luciferase o mais depressa possível.

“Se a revolução molecular se tivesse verificado antes, Shimomura não teria tido necessidade de apanhar tantos espécimes, pois poderia ter reproduzido a proteína em grande quantidade dentro de uma bactéria, como é actualmente feito pelos laboratórios”, escreveu o oceanógrafo David Gruber. O certo é que a descoberta foi feita a tempo: se os seus estudos se tivessem prolongado, já não teria encontrado um único exemplar da alforreca, actualmente extinta nas águas do Pacífico.

Por fim, descobriu que o segredo da bioluminescência da Aequorea era uma fotoproteí­na, que baptizou com o nome de aequorina: ao ser activada com cálcio, emitia uma luz azul. “A medusa geria a concentração deste elemento nas suas células para controlar a produção luminosa”, explica Shimomura. “Quando a incomodam, o nível de cálcio sobe e acende-se o alarme, que parece um néon intermitente.” Em 1961, observou que a luminosidade da medusa, contemplada sob luz ultravioleta, adquiria uma tonalidade esverdeada, devido à acção da GFP, que emite bioluminescência na zona verde do espectro visível. O facto de a GFP estar relacionada com o nível de cálcio é determinante: a mobilidade deste elemento desempenha um papel fundamental em muitos processos biológicos, como a contracção muscular, a transmissão de impulsos nervosos, a libertação de neurotransmissores, a divisão celular ou a segregação de insulina. A possibilidade de “aplicar a fluorescência molecular para seguir a rota do cálcio permite melhorar o conhecimento sobre numerosas doenças”.

Na década de 80, Martin Chalfie, neurobiólogo de Harvard, quis saber se seria possível implantar a GFP da alforreca no verme Caenorhabditis elegans, de forma a poder sintetizar a proteína e produzir luz. Assim, poder-se-ia observar em directo os genes que intervêm na bioluminescência. Chalfie tinha razão: a GFP podia fazer brilhar criaturas diferentes da Aequorea. Era perfeita para a revolução da biologia molecular e foi de imediato usada em experiências com genes de diversas plantas, rãs, peixes, cabras, ratos, macacos...

O bioquímico norte-americano de origem chinesa Roger Y. Tsien foi ainda mais longe e propôs-se estudar a célula como se esta fosse uma cidade e quisesse espiar os seus habitantes nos afazeres quotidianos: tratava-se de observar como nascem as moléculas de proteínas e como se modificam, viajam, colaboram, competem e chegam mesmo a “assassinar” outras. O seu estudo é semelhante a uma antropologia celular. Tsien pretendia inventar técnicas vi­suais com tintas fluorescentes que permitissem aos neurofisiólogos observar o cérebro sem necessidade de abrir a cabeça dos doentes. “Os corantes modificam a intensidade de fluorescência na presença de iões de cálcio livres dentro da célula, tal como se verifica com a alforreca Aequorea para produzir luz. Os iões de cálcio colam-se às proteínas e fazem-nas agir. Só é possível estudar o processo em células vivas”, explica Gruber.

Tsien descreveu a estutura da molécula da GFP, o que lhe permitiu combinar os 238 aminoácidos da proteína e inventar mutações. Foi assim que encontrou a fórmula para criar uma proteína sintética superbrilhante, bastante mais visível do que a natural, e tintas de todas as cores, de modo que o interior da célula, quando se pretende estudar as proteínas, mais parece um quadro de arte contemporânea.

Hoje, oncologistas, imunologistas, virulogistas, neurobiólogos, biólogos celulares e botânicos recorrem às proteínas fluorescentes de Tsien, que refulgem alegremente dentro de todo o género de cobaias. São produzidas em massa na empresa Aurora Biosciences, que lhe pertence e cujo capital ultrapassa os 1500 milhões de dólares. Alguns laboratórios fabricam criaturas de ficção científica, como ratos com caudas e orelhas verdes, gatos que irradiam uma suave tonalidade azul iridiscente e coelhos cor-de-rosa. Há mais de 24 mil estudos publicados sobre a GFP e suas aplicações. Shimomura ouve o número, sorri e repete o mantra com que começava as suas aulas: “Nunca te dês por vencido. Se encontrares um tema interessante, estuda-o até ao fim. Se enfrentares dificuldades, ultrapassa-as. Não desanimes.”

Brilho selectivo
No início de Junho, o Instituto Tecnológico do Massachusetts anunciou um novo método para marcar moléculas com fluorescência, que irá permitir observar a actividade celular como nunca aconteceu antes. O facto é que a molécula da proteína verde fluorescente é tão grande (possui 238 aminoácidos) que pode interferir no trabalho normal de outras proteínas que também se queira estudar. O método, denominado PRIME (sigla de probe incorporation mediated by enzymes), baseia-se na enzima ligase fluoróforo, que é geneticamente acrescentada a cada célula que se pretende observar. A nova sonda emite uma fluorescência azul, é muito menor do que a GFP e não dificulta a passagem das proteínas submetidas a vigilância, que podem entrar livremente no núcleo da célula sem ter de ofuscá-la. A enzima “sabe” que só deve aplicar a fluorescência às proteínas que se encontram em determinadas re­giões celulares, e não a todas.


Super Interessante
A.P.S.

terça-feira, 8 de setembro de 2015

Notícia - Descobertas 208 novas espécies na Ásia, entre elas lagarto “psicadélico” e macaco que espirra

Um lagarto de cores “psicadélicas”, um macaco que espirra à chuva e cinco plantas carnívoras fazem parte da lista de 208 novas espécies descobertas durante 2010 na bacia hidrográfica do rio Mekong, na Ásia, segundo um relatório do Fundo Mundial da Natureza (WWF).

As novas espécies foram encontradas num território com uma “biodiversidade extraordinária” que abrange o Camboja, Birmânia, Tailândia, Vietname e China, revela o relatório “Wild Mekong”, apresentado hoje pela organização.

No total foram descobertas para a ciência 145 espécies de plantas, 28 répteis, 25 peixes, sete anfíbios, dois mamíferos e uma ave. De 1997 a 2009, na região foram encontradas 1376 novas espécies. A WWF fez as contas e estima que, em média, uma nova espécie é descoberta a cada dois dias naquela região.

Faz parte da lista de 2010 o macaco Rhinopithecus strykeri, descoberto nas montanhas remotas do estado de Kachin, no Norte da Birmânia. O animal, cujo nariz virado para cima o faz espirrar à chuva, já é considerado ameaçado por só existirem entre 260 e 330 indivíduos.

Apesar de a espécie ser nova para a ciência, as populações locais conhecem-no bem e dizem que é muito fácil de encontrar quando está a chover porque os macacos espirram quando apanham água no nariz. Para evitar molharem as suas narinas, passam os dias chuvosos sentados com as cabeças protegidas entre as pernas.

Em dois rios do Sul da Tailândia, foi encontrado o peixe Schistura udomritthiruji, que faz lembrar um pepino, e num restaurante no Vietname, dois investigadores encontraram à venda aquela que, afinal, era uma nova espécie de réptil, Leiolepis ngovantrii.

Ainda no Vietname foi descoberta a espécie de lagarto Cnemaspis psychedelica - de cor laranja, azul, amarelo e preto – na pequena ilha de Hon Khoai, e uma felosa, uma pequena ave encontrada nas florestas.

O relatório da WWF refere ainda a descoberta de cinco espécies de plantas carnívoras na Tailândia e Camboja. “Especialistas em botânica afirmam que estas podem atrair e alimentarem-se de pequenos ratos, lagartos e até de algumas aves”, escreve a organização.

No entanto, “muitas destas novas espécies lutam pela sobrevivência em habitats cada vez mais pequenos, tentando escapar à extinção”, disse Stuart Chapman, director de conservação da WWF para a região do Mekong, em comunicado.

“O tesouro de biodiversidade da região poderá perder-se se os Governos não investirem na conservação, fundamental para garantir a sustentabilidade a longo prazo, tendo em conta as alterações ambientais globais”, acrescentou.

Na próxima semana, os seis líderes da região do Grande Mekong reúnem-se na Birmânia para chegar a acordo relativamente a uma nova estratégia de cooperação económica para a próxima década. A WWF pede que tenham em conta os benefícios da biodiversidade e os prejuízos da sua perda.